Este grupo de voluntários luta para salvar recifes das mudanças climáticas
Composta por mergulhadores, pesquisadores e guias turísticos, a Brigada tenta recuperar um importante coral nos arredores de Cancún, no México
Maria Clara Dias
Publicado em 16 de dezembro de 2020 às 15h16.
Quando o furacão Delta atingiu Puerto Morelos, no México, em outubro, uma equipe conhecida como Brigada esperou ansiosamente que o mar se acalmasse. O grupo, composto por guias turísticos, instrutores de mergulho, guardas-florestais, pescadores e pesquisadores, precisava entrar na água o mais rápido possível. O recife de coral que protege sua cidade – uma floresta submarina de calcário vivo que atenuou o poder destrutivo da tempestade – tinha tomado uma surra.
Agora era a vez de eles ajudarem o recife, e não tinham muito tempo.
"Somos como paramédicos", disse María del Carmen García Rivas, diretora do parque nacional que administra o recife e líder da Brigada. Quando corais quebrados rolam e acabam enterrados na areia, logo morrem. Mas esses pedaços podem ser salvos se forem fixados de volta no recife. "Quanto mais dias passarem, menos chance eles têm de sobreviver", afirmou ela.
A corrida para reparar o recife é mais do que uma luta ecológica; também é uma experiência radical em finanças. O recife pode ser a primeira estrutura natural do mundo com a própria apólice de seguro, segundo grupos ambientais e seguradoras. E a força do furacão Delta motivou o primeiro pagamento – cerca de US$ 850 mil que seriam usados para os reparos do recife.
O sucesso ou o fracasso desse experimento poderia determinar se as comunidades ao redor do mundo começarão a usar uma nova ferramenta que una a natureza e as finanças na proteção contra os efeitos das mudanças climáticas. A resposta ao Delta foi um primeiro teste.
Quando a Brigada viu o recife, que fica 27 quilômetros ao sul de Cancún e é o lar de corais criticamente ameaçados, o local parecia ter sido saqueado. Estruturas do tamanho de banheiras haviam sido viradas de cabeça para baixo. Talos de coral pareciam árvores derrubadas. Incontáveis fragmentos menores de corais quebrados forravam o fundo do mar.
No barco, misturadores de cimento preparavam uma pasta especial que era levada aos mergulhadores, que passavam horas debaixo d'água cuidadosamente fixando pedaços de corais no recife. Eles usaram sacos infláveis para virar grandes formações afetadas pela tempestade e coletaram fragmentos para semear novas colônias.
Os membros da Brigada, em sua maioria voluntários, ficaram encantados com o peixe brilhante que disparou por entre as fendas restauradas antes que a pasta endurecesse. Mas havia muito a fazer, e pouquíssimo tempo.
No fim de um dia cansativo, Tamara Adame, instrutora e guia de mergulho, se perguntou se a pequena equipe poderia obter resultados: "Será que realmente vai fazer a diferença o fato de eu passar o dia todo catando os pedaços?"
'Como água no deserto'
Assim como uma casa é segurada contra incêndios, ou um carro contra acidentes, no ano passado um trecho de quase 166 quilômetros da costa, incluindo o recife, foi segurado contra furacões com uma velocidade de vento de 185 km/h ou maior, que é uma tempestade de categoria 3.
Não demorou muito para que essa opção valesse a pena: o furacão Delta atingiu o recife em outubro. O governador do estado de Quintana Roo anunciou o pagamento em uma live no Facebook: 17 milhões de pesos.
Idealmente, os recifes não precisariam de tais intervenções. Afinal, sobrevivem a furacões há milênios.
Mas em Quintana Roo, como em tantas partes do mundo, os humanos enfraqueceram os corais, pequenos animais que secretam camadas de calcário para construir um esqueleto externo para si mesmos. O aumento da temperatura do mar, a acidificação dos oceanos, a poluição do esgoto e a sobrepesca deixam os corais mais vulneráveis aos danos causados por furacões.
E os próprios furacões estão se tornando mais severos por causa das mudanças climáticas. Em 2020, o Atlântico viu o maior número de tempestades já registrado.
Os ambientalistas e as companhias de seguros por trás do esforço esperam que esse se torne um modelo para proteger outras costas distantes, seja na Flórida ou na Indonésia, garantindo não apenas os recifes de corais, mas também os manguezais, os pântanos e outras barreiras naturais às tempestades. Essas defesas da natureza protegem não só as propriedades costeiras, mas também a biodiversidade.
"Ter essa apólice de seguro é realmente como achar água no deserto", disse Efraín Villanueva Arcos, secretário de Meio Ambiente de Quintana Roo, que lidera um fundo que determina como o dinheiro é gasto. Sem isso, ele afirma que o governo teria dificuldade para financiar o trabalho de reparo.
Alguns cientistas e ambientalistas mencionam preocupações filosóficas e práticas. Eles acreditam que isso reduz o recife a uma mercadoria. Desvia para empresas privadas o dinheiro que poderia ser gasto diretamente para proteger as pessoas e o meio ambiente locais. Esse dinheiro não consegue lidar com ameaças de longo prazo da mudança climática, que estão matando o recife de qualquer maneira.
"Se quisermos modificar o modo como afetamos a natureza, precisamos avançar no âmbito econômico", observou Fernando Secaira, especialista em risco climático e resiliência da Nature Conservancy, que ajudou a fazer a apólice de seguro.
Cada pedaço é 'uma colônia possível'
"Brigada, vamos tentar salvar o máximo que pudermos", escreveu García Rivas no WhatsApp do grupo, tentando reunir sua equipe exausta para o próximo dia. "Cada fragmento é uma colônia possível, vamos lá!!!!!!!"
Os moradores tinham oferecido barcos, comida e ajuda, mas ela precisava de mais de tudo. E calculou que tinham apenas um mês para completar a primeira fase – reparar, estabilizar e coletar os corais quebrados – antes que esses pedaços se afastassem muito para serem salvos. E ela ouvia dizer que o dinheiro do seguro estava chegando, mas quanto tempo levaria para chegar?
Para cobrir os custos imediatos de combustível e alimentos, Secaira, da Nature Conservancy, havia aprovado US$ 1.000 de outro fundo, e García Rivas tirou dinheiro do próprio bolso. "Felizmente, não tenho filhos para alimentar, por isso tinha algumas economias", ela comentou.
Os voluntários completaram 11 dias de trabalho de restauração antes que um novo obstáculo os impedisse: outro furacão, o Zeta, começou a vir em direção ao Golfo do México. Chegou como uma tempestade de categoria 1 – não o suficiente para receber dinheiro do seguro, embora os moradores tenham dito que a costa sofreu mais.
Então, o Zeta foi imediatamente seguido por um tempo ainda pior, mantendo-os afastados da água por 13 agonizantes dias. Os membros da Brigada temiam que seu trabalho se perdesse.
Assim que o porto reabriu, eles correram para as áreas onde haviam passado mais tempo nos reparos. A agressão ao recife foi tão grande que García Rivas teve dificuldade em reconhecer onde estava: "Eu me senti impotente, confusa com tanto desastre." Mas uma inspeção mais minuciosa mostrou que, enquanto a periferia do recife estava uma bagunça, alguns de seus trabalhos no centro tinham resistido ao segundo furacão. "Quando vi os fragmentos que tínhamos colado ainda no lugar, fiquei esperançosa", disse ela.
E começaram a trabalhar de novo.
Derrotas e sucesso
No início de dezembro, até os corais quebrados pelo Zeta estavam pouco saudáveis para serem salvos. Ainda assim, a Brigada perseverou. Até agora, seus membros prepararam ou cimentaram quase 12.500 fragmentos, e viraram ou estabilizaram mais de duas mil formações de corais maiores.
Seus esforços, contudo, expuseram o grau do desafio para reparar recifes depois de um furacão.
E o dinheiro do seguro veio com atraso, o que dificultou o trabalho. "Se o dinheiro do seguro estivesse disponível em tempo hábil, os resultados do esforço de resgate poderiam ter se multiplicado muito", declarou Claudia Padilla, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesca e Aquicultura do México.
Ainda assim, o dinheiro será colocado em seu propósito de restauração, financiando projetos de longo prazo, como a semeadura de novas colônias e a reposição da biodiversidade dos recifes. E Secaira acredita que o resto do mundo usará Quintana Roo como prova de conceito.