Economia

Gastar para crescer ou controlar despesa? Prazo para decisão está acabando

Debate está longe de chegar a um consenso. Enquanto isso, mercado aguarda que governo divulgue projeto de lei orçamentária para 2021

Guedes e Bolsonaro: de um lado, o presidente diz que se respeitará o ajuste fiscal, de outro, dá aval para projeto de investimento em obras (Andre Coelho/Getty Images)

Guedes e Bolsonaro: de um lado, o presidente diz que se respeitará o ajuste fiscal, de outro, dá aval para projeto de investimento em obras (Andre Coelho/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 15 de agosto de 2020 às 08h02.

Última atualização em 15 de agosto de 2020 às 08h06.

"Como conciliar? Precisamos de mais recursos, mas não temos porque gas­tamos na pandemia. Veremos muita tensão política, e o resultado ruim seria dar ouvidos aos demagogos que dizem que você pode ter tudo. Você não pode. Você precisa fazer escolhas."

A fala do ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Raghuram Rajan, em entrevista à revista EXAME desta semana, expõe um dilema global mas que se aplica ao governo brasileiro: como apoiar demandas econômicas e sociais que se tornaram ainda mais urgentes em meio à crise do coronavírus e, ao mesmo tempo, respeitar as regras fiscais?

Dentro do governo, o assunto está longe de chegar a um consenso. Enquanto isso, aproxima-se o fim do prazo para que o Executivo estabeleça como vai gastar a parte que lhe cabe no orçamento do ano que vem.

A votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, que deveria ter sido em julho, foi adiada por causa da pandemia. Em plena crise sanitária, o governo alegou ter ficado difícil estabelecer metas de receitas e despesas para o ano que vem. A expectativa é que o projeto de LDO seja apresentado até o fim de agosto.

À espera do orçamento de 2021, o mercado tenta capturar sinais de qual será a estratégia do governo - e como isso impactará para as contas públicas.

Há duas correntes que seguem em direções opostas: a equipe liderada pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, defende a ampliação de obras públicas como motor da retomada pós-pandemia. Na outra pontra,  há o time de Paulo Guedes, ministro da Economia, que pressiona pela preservação do teto de gastos - regra constitucional criada em 2016 que limita o aumento das despesas públicas à inflação do ano anterior. 

O presidente Jair Bolsonaro tem flertado com os os dois lados e não deixou claro ainda como deve encaminhar a questão. Na quarta feira, 12, Bolsonaro veio a público ao lado dos presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, para dizer que respeitará o teto de gastos.

Já na noite da quinta-feira, 13, em sua live semanal pelo Facebook, Bolsonaro reclamou que “o teto é o teto. O piso sobe anualmente. Cada vez mais tem menos recurso para fazer alguma coisa”, disse, após reivindicar 0,1% de poder de veto sobre decisões na economia. 

"O maior receio dentro dessa discussão que envolve ideias diferentes sobre gasto público é que está tomando um monte de tendências que vão ter que ser resolvidas até outubro, antes das eleições municipais", diz André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.

 Os efeitos da pandemia nas contas públicas foi catastrófico e colocou o país muito atrás do ponto em que se encontrava da trajetória de ajuste fiscal. Seis meses após a pandemia ter chegado ao país, o governo federal diz ter gasto um trilhão de reais entre repasses, adiamento de impostos e isenções. 

Isso levará a um forte aumento na dívida bruta brasileira, que terminou o ano passado em de 75% do Produto Interno Bruto (PIB) e caminha rumo aos 100% ainda em 2020.

Teto ameaçado

A forma errática como Bolsonaro e o governo vêm tratando da questão fiscal pós pandemia alimenta os temores em relação aos planos que podem aparecer frente à esperada deterioração do mercado de trabalho. 

"Se o desemprego está elevado e a eleição está se aproximando, vai ser muito fácil ver uma pessoa do perfil de Bolsonaro, que tem um histórico estatizante e intervencionista, querer pressionar pelo gasto público", diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. "Essa discussão vai estar muito presente nos próximos meses e acho que o Guedes será a ponta perdedora. Um indício disso foi a debandada que a gente viu aí nas últimas semanas".

O pedido de demissão dos secretários especiais Salim Mattar (privatizações) e Paulo Uebel (desburocratização) emitiu sinais ao mercado que a agenda liberal de Guedes pode estar cada vez para cada vez mais distante.

O risco de os gastos públicos romperem o teto em 2021 é alto, segundo avaliação do Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado. A margem fiscal para o ano que vem é calculada em 75 bilhões de reais. Já o gasto mínimo necessário para o funcionamento da máquina é de 89,9 bilhões de reais.

Parece uma questão sem saída, mas é preciso separar as discussões, explica Felipe Salto, diretor-executivo do IFI: "Romper o teto não tem problema, se for permitido acionar os gatilhos".

A Emenda Constitucional 95, que colocou o Novo Regime Fiscal na constituição brasileira, em 2016, limita a evolução dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Mas traz um dispositivo que manda acionar gatilhos no caso de descumprimento fiscal:

"O que se precisa, portanto, é dar uma interpretação a esses dois dispositivos, de maneira conjunta, e a meu ver autorizando o acionamento dos gatilhos quando as despesas superarem o teto", diz Salto.

Esse seria o primeiro passo. O segundo, que é igualmente importante, segundo ele,, diz respeito a alterar a regra do teto: "Não acho que seja o caso de fazer isso agora. O acionamento dos gatilhos daria conta do recado. Se ficarem acionados por uns dois anos, já se teria uma economia de aproximadamente meio ponto do PIB", diz.

Esse seria o tempo necessário para que Executivo e Legislativo avançassem com calma na discussão complexa das regras fiscais do pós-pandemia, "e não agora, no atropelo", diz.

Sinais contraditórios

Nesta semana o Executivo mandou para análise dos parlamentares um pedido de crédito extraordinário no valor de R$ 5 bilhões para financiar obras de infraestrutura. Essa ferramenta permite gastos fora do limite do teto, e é usada para gastos urgentes.

De olho nas eleições de 2022, Bolsonaro se prepara para lançar nas próximas semanas o programa Pró-Brasil. Sob a coordenação da Casa Civil, o plano prevê investimentos via obras de infraestrutura. Ao mesmo tempo, o presidente diz que apoia o discurso de responsabilidade fiscal, o que, na visão de especialistas soa contraditório. 

"O presidente não pode querer tudo ao mesmo tempo, ele vai ter que escolher. A saída de Mattar e Uebel é um incômodo lembrete dos limites que a gente está vivendo", diz Perfeito.

A troca de membros importantes da equipe jogou mais fumaça em um cenário cinzento da trajetória fiscal. Ambos chefiavam setores vistos como primordiais para a redução da máquina pública, que tem cerca de 5% de orçamento livre para investimentos e outras medidas não obrigatórias.

Também nesta semana, o presidente admitiu que a possibilidade de flexibilizar o limite de gastos públicos foi considerada pela equipe, mas já não é mais. Disse ainda que foi questionado por membros do governo sobre furar o teto em mais 20 bilhões de reais, e detalhou que a intenção de “arranjar” esses recursos seriam para obras e ações no Nordeste, citando a revitalização do Rio São Francisco.

 

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