Economia

Sobrou para ele de novo

Henrique Meirelles queria ser candidato à Vice-Presidência da República. Não deu. Ao ficar à frente do Banco Central, tem uma tarefa dura: manter sob controle a inflação num ano de eleição e de gastos desgovernados

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DR

Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2010 às 16h21.

No próximo dia 28, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deverá comandar a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), e todas as apostas são de mais um ciclo de aumento de juros. Se confirmado, será o quarto do governo Lula e deverá ter impacto importante na economia em plena campanha presidencial. Recentemente, os rumores da renúncia de Meirelles - o mais longevo presidente da instituição, no cargo há sete anos e quatro meses - trouxeram um nível de incerteza que há muito não se via no mercado. Mas, depois que a liderança do PMDB, partido aliado do governo e ao qual Meirelles se filiou no ano passado, recusou-lhe a vaga de candidato a vice-presidente na chapa da ex-ministra Dilma Rousseff, do PT, ele abandonou as pretensões eleitorais. Agora centrado apenas na condução da política monetária, diante do crescimento da inflação, cabe a Meirelles administrar novamente um aumento da Selic, a taxa básica de juro, que afeta do preço do pãozinho às cotações da bolsa de valores. "Estamos em meio ao período de coleta de dados e análise do cenário que nos permitirá tomar a decisão necessária", disse Meirelles a EXAME. "O Banco Central tem todos os instrumentos para manter a inflação dentro da meta, como sempre fizemos nos últimos anos." O cenário analisado por Meirelles e demais integrantes do Copom é preocupante - e ninguém duvida que um eventual aumento de juros vá gerar uma saraivada de críticas do PT, de integrantes do governo e de políticos da base aliada de olho na campanha eleitoral.

Os indicadores são de que a inflação do primeiro trimestre é a maior dos últimos sete anos, tendo acumulado até março a taxa anual de 5,2% - 0,7 ponto percentual acima da meta de 4,5% definida pelo governo. Preocupa, além do estouro já registrado, a tendência de continuidade de alta. "A economia dá sinais inequívocos de estresse, causado por um forte aumento da atividade econômica e dos gastos públicos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se o ritmo persistir, teremos gargalos generalizados de oferta e descontrole de preços." Tudo indica que mesmo com um aumento expressivo da Selic, para algo entre 10% e 11% até o final do ano, a inflação só irá voltar para o centro da meta em 2011, dado o tempo necessário para conter seu ímpeto atual. Durante o último surto inflacionário, o que antecedeu a crise global no final de 2008, os principais vilões da carestia eram as commodities, com a disparada da cotação global dos alimentos e do petróleo, além do próprio aquecimento da economia local. Hoje, a história é diferente. "As causas desse repique inflacionário são claramente domésticas, resultantes da injeção de liquidez feita pelo governo para conter os efeitos da crise", diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. De acordo com previsões do BC, o setor industrial deve crescer no ano à taxa de 8%, enquanto a construção civil pode ter expansão na casa de 10%, e o varejo, 7%. "Em parte, a inflação de hoje deriva do aumento da massa salarial, cujo poder de compra dobrou na última década", diz Salomão Quadros, coordenador de análise econômica da Fundação Getulio Vargas. Some-se a isso a recente recuperação de matérias-primas como o petróleo, o algodão e o minério de ferro. Aliás, segundo a FGV, o aço deve responder por cerca de um terço da inflação de 2010. No cenário global, o velho dragão também assusta outras economias que estão aquecidas, como a China, às voltas com o risco de bolhas nos mercados financeiro e imobiliário, e a Austrália, grande exportadora de commodities e, por enquanto, o único país a ter iniciado um claro arrocho monetário. O BC australiano já fez seis aumentos consecutivos da taxa de juro - hoje ela está em 4,25%.


No caso brasileiro, é preciso reconhecer que, diante da ferocidade da ressaca global, as medidas de estímulo econômico adotadas pelo governo evitaram que o país sofresse uma recessão profunda. O cenário atual, porém, é outro. "O problema está na dose excessiva de liquidez e também na natureza de boa parte desse impulso, a velha gastança do governo", diz Raul Velloso, especialista em contas públicas. Em termos de estímulos temporários, no front monetário - a cargo do BC -, além de um corte de 5 pontos ao longo de 2009 na Selic, hoje em 8,75%, houve liberação de parte dos depósitos compulsórios dos bancos, adicionando 100 bilhões de reais à economia. Recentemente, o nível do compulsório voltou ao patamar original, e agora o Copom deve aumentar a Selic. Já no front fiscal - a cargo do Ministério da Fazenda - houve redução temporária de impostos federais incidentes sobre carros e outros produtos, com subsídios totais da ordem de 30 bilhões de reais, que também têm sido paulatinamente cancelados.

O mais preocupante é que, desde 2008, a União levou o Tesouro Nacional a realizar aportes no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que já somam 127,5 bilhões de reais. A alegação: capitalizar o banco para que ele financie empresas e o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Entre as operações recentes feitas pelo BNDES contam-se liberações para o JBS-Friboi adquirir concorrentes e para a Oi absorver a Brasil Telecom. Houve também financiamentos de fusões que foram verdadeiros salvamentos, como a da VCP com a Aracruz, e empréstimos de retorno incerto, como o dado ao frigorífico Independência, atual mente em recuperação judicial. Outros 15 bilhões de reais foram injetados na Caixa Econômica Federal e no programa Minha Casa, Minha Vida. Além do destino de todo esse dinheiro ser questionável, o uso do Tesouro para originá-lo é outro ponto de atenção. Tradicionalmente, a capitalização do BNDES se dá por repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador e pela receita gerada por empréstimos feitos pelo banco, que são fontes baratas. O primeiro problema nos aportes do Tesouro está no prejuízo do governo, que levanta dinheiro no mercado pagando mais caro do que vai obter de retorno do BNDES. Atualmente, a diferença entre os juros pagos pelo Tesouro, atrelados à Selic, e os juros que receberá do BNDES está em 2,5 pontos percentuais. A estimativa de Alexandre Schwartsman é que tais subsídios custarão ao Tesouro - leia-se contribuintes - 11 bilhões de reais ao ano nas próximas duas décadas. O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, sustenta que a política de capitalização do BNDES ajuda a combater a inflação, em vez de aumentála. "Boa parte dos recursos foi destinada ao financiamento de máquinas e equipamentos, o que ajuda a elevar a produção sem pressionar preços", afirma Augustin. "O subsídio desses empréstimos também deve ser mínimo, pois projetamos uma redução significativa da diferença entre as taxas de juro que captamos, a Selic, e a que receberemos do banco."


Uma segunda questão é que a porteira continua aberta. Já foi autorizado novo aporte de 80 bilhões de reais no BNDES ao longo de 2010 - e o governo cogita injetar outros 100 bilhões. "Isso não faz mais sentido, quando há sinais claros de superaquecimento da economia, e também porque as empresas de porte têm condições de buscar crédito sem subsídio do governo", diz o economista Eduardo Giannetti da Fonseca. Para ele, o governo está promovendo uma transferência de recursos para agradar ao grande empresariado em ano de eleição. Uma consequência perversa dessa política foi a forte expansão da dívida bruta brasileira, que agora equivale a 63,5% do PIB - 6,5% acima do nível de 2007. Ao utilizar aportes do Tesouro, o governo se vale de um truque contábil: como são consideradas créditos recebíveis, tais capitalizações não alteram a dívida líquida, que serve de cálculo para a necessidade de geração de superávit primário, o principal indicador da saúde das finanças públicas. "Todo mundo costuma prestar atenção apenas no superávit primário, mas o tamanho do impulso fiscal deve ser visto pelo ângulo da dívida bruta", diz Paulo Vieira da Cunha, chefe de mercados emergentes do fundo Tandem Global Partners. "Em razão do crescimento galopante da dívida bruta, a necessidade de financiamento do setor público já beira 10% do PIB, um patamar alarmante."

Finalmente, na fatura da dívida pública também entram gastos como os 40 bilhões de reais que a União concedeu de aumento ao funcionalismo federal desde o final de 2008. Com isso, neste ano, a folha dos servidores chegará a 170 bilhões de reais. Somem- se mais 11 bilhões resultantes do impacto causado pela Previdência pelo aumento do salário mínimo. E, como se isso não bastasse, o Congresso promete conceder um aumento de 7% aos aposentados que ganham mais de um salário mínimo. Diante de tamanha sangria no Erário, a missão do Banco Central será promover um aperto monetário. Essa é a situação que fez Meirelles declarar em público que "não se pode ter um piloto que só tenha acelerador e não tenha breque". Como o outro lado do governo só quer saber de faturar o prestígio de pisar fundo na tábua, sobrou para ele, mais uma vez, pôr um pé no freio.


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