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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h33.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Gustavo Franco.
EXAME - Como foi o seu retorno à vida privada após passar sete anos no governo?
Gustavo Franco - Saí do Banco Central em janeiro de 1999. Como era janeiro, deu tempo de entrar em contato com a PUC para pedir uma salinha e inserir o meu curso no primeiro semestre daquele ano. Minha intenção era fazer uma quarentena de um ano. Eu estava muito envolvido em tudo que era coisa do governo e achava que devia ficar longe um tempo, até para não atrapalhar. Durante esse ano que fiquei na PUC, dei aula e fiz muita palestra, como fazia antes. Esse é um mercado muito ativo no Brasil. A diferença é que nesse ano eu só fazia palestra pública, jamais palestrinha fechada para bancos e seus clientes. Escrevi para jornais e revistas, e assim fiquei durante um ano. Também escrevi dois livros. Para eu ficar um ano na universidade tinha bastante tempo para fazer muita coisa.
EXAME - Como foi a decisão de ir para o mercado?
Franco - Ao fim de oito meses comecei a procurar o que eu ia fazer após a quarentena. Não estava querendo ficar na academia. Já tinha a tido sete anos de universidade e sete anos de governo e queria uma coisa nova. Minha mãe vivia dizendo: "Você é filho único, já foi professor, já foi governo, agora está na hora de arrumar um emprego". Dentre várias possibilidades, a que me pareceu mais interessante foi a proposta da Rio Bravo, que era ter um negócio. Montei o negócio com dois amigos que tinham saído do Banco Pactual. Decidimos montar a Rio Bravo, que é um conceito novo aproveitando o espaço importante que foi aberto com a desnacionalização dos bancos de investimento locais. A maior parte dos bancos de investimento pioneiros no Brasil foi comprada por estrangeiros. Tradicionalmente os bancos de investimento são meio que veículos de inovação. Fora do Brasil os bancos de investimento são tipicamente o lugar onde acontecem as coisas novas. Banco comercial é geralmente uma instituição para coisas repetitivas, que usa muita escala para fazer operações repetitivas com pessoas baratas. Os bancos de investimento ganham muito mais receita fazendo serviços do que emprestando dinheiro e fazendo operações de crédito.
EXAME É isso que vocês fazem?
Franco - Nossa idéia foi a seguinte. A gente pode fazer uma operação de crédito, uma instituição de serviços financeiros, que não é banco de investimento, mas que atue nesse nicho no qual os bancos de investimento sempre atuaram e não estão atuando porque, ao ser comprados por grandes bancos internacionais, a primeira coisa que fazem é abandonar a clientela que não é top de linha. Passam a ser comandados do exterior e lá os caras só querem saber das dez, 15 maiores empresas do Brasil. Fica uma porção de gente desatendida.
EXAME - Esses novos bancos entendem de Brasil?
Franco - Em Nova York pode haver pessoas que entendem muito da indústria mundial da mídia ou de telecomunicações, mas não entende nada da indústria do Brasil. Tem coisas do Brasil que, se você não entender o país, não vai fazer nada direito aqui. Um desses setores onde a gente apostava muito e tivemos sucesso foi o imobiliário. Conseguimos dois produtos em que começamos a nos especializar. Eram os fundos imobiliários e de securitização imobiliária. Também fizemos sociedade com a empresa suíça de resseguros Swiss Re. Na partida, a Rio Bravo ia atacar esses dois nichos. Mas os suíços toparam entrar com a gente não nesses fundos imobiliário, mas num fundo de private equity, que compra ações de companhias fechadas para depois levá-las mais adiante, abrir capital, vender. Também estamos fazendo um pouco do trabalho de aconselhamento corporativo, fusões e aquisições. Eu não queria repetir o que estava acontecendo com os bancos de investimento estrangeiros, que, como queriam comandar as coisas de Nova Yorque para fazer grandes negócios aqui no Brasil, mandavam gente de escalão baixo. Os clientes aqui no Brasil não achavam muita graça ao ser atendidos por gente júnior. Então, para a gente ter uma operação desse tipo em que gente sênior da casa pudesse estar envolvida. Seria uma operação, em princípio, de pequena escala. Com isso a gente compôs um portfólio de atividades. Em todas elas o que a gente tinha de diferente era entender que o Brasil pós-estabilização ia desenvolver uma série de indústrias diferentes na área financeira.
EXAME Que indústrias são essas?
Franco - Nos Estados Unidos percebe-se que uma parte da poupança financeira está em fundos mútuos, 1/3 em ações e 1/3 no equivalente americano a fundos imobiliários. Lá é um mundo mais maduro, onde se diversifica poupança financeira entre imóveis, ações e renda fixa. Aqui no Brasil o mercado ainda é torto por conta do déficit público. A dívida pública elevada obriga o governo a vender seus papéis a juros altos. Toda a poupança financeira está em renda fixa. São 350 bilhões a 400 bilhões de reais em fundos de investimento, 40 bilhões a 50 bilhões em fundos de ação e 1,5 bilhão de reais em fundos imobiliários. É um desequilíbrio tão extraordinário que, certamente, daqui a dez anos vamos tender para o mundo americano onde essas três classes de ativos vão ser do mesmo tamanho. A Rio Bravo aposta que não só do lado do setor imobiliário como de ações vamos crescer muito ao longo do tempo, à medida que a nossa macroeconomia também evoluir. Se o governo fizer as coisas certas, se avançar com responsabilidade fiscal, e nós acreditamos que vai, independentemente de quem vai ser o presidente, é para onde o vento está soprando, esse mercado vai mudar. Parte do sucesso do empresário nessa indústria é antecipar uma tendência. É isso que estamos fazendo.
EXAME E há interesse nesse tipo de investimento, como fundos imobiliários?
Franco - Isso está acontecendo devagar. Da outra vez que a taxa de juros chegou perto de 15% houve uma efervescência, porque isso é meio uma catedral, uma cidade submersa. Baixou o nível da água, aparece uma porção de coisas bacanas. Investimentos que passam a competir com os títulos do governo. Se a taxa sobe para 19%, aí já fica difícil. A Rio Bravo tem hoje em dia sob sua administração 700 milhões de fundos imobiliários. Em fundos imobiliários somos o número um.
EXAME Por que o nome Rio Bravo?
Franco - É como os mexicanos chamam o rio Grande, que é a última fronteira entre nós e o mundo desenvolvido. A gente queria um nome que traduzisse essa idéia de fronteira, de inovação financeira. Não queríamos coisa velha.
EXAME Quais os outros negócios da Rio Bravo?
Franco - A Rio Bravo, junto com os suíços, tem a atividade de private equaty, investimentos em empresas brasileiras que a gente espera que sejam maiores no futuro. Tem outros fundos que a gente pretende montar. Temos um de tecnologia, estamos montando o segundo, para investimentos na Região Nordeste. Há todo um setor da companhia que é voltado para mercado de capitais e administração de fundos. Isso porque a gente acredita que o mercado de capitais no Brasil é primitivo, viciado em coisas da época da inflação, subdesenvolvido, torto por causa da inundação de títulos do governo e que no futuro vai ser uma coisa diferente. Os fundos de ações no Brasil são uma parcela muito pequena do que deveriam ser em condições normais. O mercado de capitais vai ser importante. Além disso, temos toda a atividade de mercado de capitais, que é o private equity. Já o pedaço imobiliário é composto da securizadora e da distribuidora. Fazemos também operações de aconselhamento corporativo.
EXAME O senhor sente falta do tempo que era governo?
Franco - Eu não sinto falta do governo. Saí na hora certa. Tem a hora de entrar e a de sair. Quando a pessoa começa a ficar preocupada em ficar, já estragou tudo. Essa não é a maneira de se portar num emprego público. Você vai para cumprir uma missão. Quando acabar, vai embora para a casa.
EXAME - Por que escolheu esse tipo de negócio, e não consultoria, como faz a maioria dos ex-integrantes do governo?
Franco - Eu achei que era mais legal ser empresário. De certa maneira, no mundo acadêmico, eu já fazia muita consultoria. Eu queria um desafio novo. O Banco Central me modificou como profissional. Eu era um economista professor e aí tive uma experiência de sete anos de executivo. Eu devo confessar que durante esse ano de quarentena eu quase morri de tédio. Estava obviamente achando ótimo escrever os livros, mas já tinha ganhado gosto pelo lado executivo, de tomar conta de uma empresa. Afinal, eu tomava conta de uma empresa grande. O Banco Central tem 5 000 funcionários, eu sentia falta dessa atividade. Nunca havia tido a experiência de ter um negócio meu. Era um desafio. Junte a isso o fato de que normalmente os ex-presidentes do BC serem pessoas muito mais velhas que eu, que saem do banco e se aposentam. Mas eu sou muito novo. Tenho 46 anos. Embora haja gente que se aposente mais novo, não é o meu caso.
EXAME Por que escolheu ter a sua empresa, e não ir trabalhar numa grande corporação?
Franco - Fazer a minha empresa me encantou mais do que entrar numa grande empresa, ser o diretor, coisa grande. A grande empresa privada tem política e intriga numa dosagem comparável a que tem no governo. Para isso eu também já estava um pouco sem paciência. Num negócio menor, com pessoas mais próximas, não existem essas coisas.
EXAME Quando o senhor estava no Banco Central, criticava muito a Fiesp. Como é agora estar do outro lado?
Franco - Muito raramente, aliás, eu não me lembro de ter encontrado em negócio com ninguém com quem eu tenha brigado. O que demonstra a própria grandeza do Brasil. O Brasil é um país tão grande que você pode ter brigado com a diretoria da Fiesp e nunca ter de fazer negócios com eles. Agora, se acontecer de encontrar, sem problemas. Sempre achei que essas coisas são da pessoa jurídica. Na hora de olhar um negócio, o importante é o negócio. Se é bom, é bom para os dois lados.
EXAME - É fácil fazer negócio no Brasil ou o governo atrapalha o empresário?
Franco - É difícil, sim. É complicado. Uma coisa que me dá certa tristeza é o fato de o capítulo 2 das reformas não ter sido feito. Era justamente aquele onde o governo deveria empreender reformas que fortalecessem as empresas, o setor privado. Fortalecer não é política industrial. Não é essa bobagem que a turma do atraso fica repetindo o tempo inteiro. Todo mundo quer, todo mundo sabe que é importante, e as empresas pagam um preço enorme para isso. Agora, tem pouca consciência no meio empresarial do que significa isso. Todo mundo se irrita de ter que pagar PIS, Cofins, mas pouca gente sabe que esse dinheiro alimenta o BNDES. Se tirar esse dinheiro, o banco vai ter que buscar fontes alternativas de financiamento. O FGTS é outra coisa que devia ser extinta. É um imposto disfarçado, finge que é um patrimônio do trabalhador. Não é. O trabalhador ou preferiria receber esse dinheiro em cash e aplicar do jeito que bem entendesse, ou então que não existisse. Do jeito que está, é um imposto disfarçado para o governo gastar financiando obras de saneamento para os estados e municípios e estes não pagarem. Está tudo errado. As finanças públicas não estão em um nível em que a dívida pare de crescer e o mercado de capitais deslanche. No mercado de capitais, há também uma cultura subdesenvolvida das empresas. Hoje, a empresa tem um dono e o dono compra um avião para ele usar, bota o motorista para servir a sobrinha com dinheiro da empresa. O minoritário não existe. As empresas funcionam como famílias. Têm uma simbiose de empresa familiar e regulamentos de empresas abertas no Brasil. Cria-se uma situação muito esdrúxula. Isso sem falar nos donos que tiram dinheiro das empresas de forma heterodoxa. Esse comportamento tem de desaparecer da cultura nacional. Mas acho que, com o tempo, vamos evoluir. É bom estar vivendo uma experiência de empresário porque eu sou novo o suficiente para ver todas essas evoluções acontecerem e vai ser muito bom ver e participar disso.
EXAME As críticas eram recíprocas. O senhor foi muito criticado por empresários e membros do governo pela manutenção da política cambial.
Franco - Eu acho que nada como a passagem do tempo para colocar as coisas em perspectiva. Quando comecei a minha experiência com mudanças na política cambial, introduzi taxas flutuantes. Aí a taxa de câmbio flutuou para baixo. Havia um clamor para acabar com isso, pois prejudicava a exportação. Migramos para um sistema de bandas. O sistema vigorou por alguns anos. O objetivo era evitar que a taxa de câmbio valorizasse mais e pusesse um pouco de desvalorização cambial para não prejudicar a estabilização. Dentro do que nós tínhamos, era o melhor a fazer, e duvido que alguém fizesse diferente. Está muito bem-feito. A idéia de que houve um erro lá trás para mim é totalmente equivocada e decorre em boa medida da politização que esse assunto veio a ter.
EXAME Como assim?
Franco - O PT perdeu a eleição em 1994 e insistiu que o Plano Real era eleitoreiro, falso, enganoso. O truque era a mágica do câmbio, que para eles era meio feito um congelamento. Isso era uma bobagem e era como a postura do Brizola no Plano Cruzado, ao falar das perdas internacionais. Ou seja, isso um dia vai dar errado porque vai. Aí as circunstâncias mudaram muitos anos depois. Depois da crise da Rússia, em 1998. Mas nós estávamos quase cinco anos depois do começo plano. Houve uma mudança radical no cenário externo que não estava nem tão claro na crise da Ásia. Só ficou claro na crise da Rússia. Eu achava que a gente tinha de mudar. Já tinha conversado com o presidente Fernando Henrique no fim do ano de 1898 para mudar o câmbio. Porém, o timing para mudança, na minha avaliação, deveria ocorrer mais no segundo governo. Mas o presidente não só preferiu fazer a mudança antes, como seguir a proposta do Chico Lopes. Tudo bem, ele é o presidente, ele tomou a decisão, o resultado todos vimos.
EXAME O senhor tem mágoa do Chico Lopes?
Franco - Eu não tenho mágoa do Chico. Me surpreendeu a coisa ter acontecido como aconteceu. Legitimamente ele foi ao presidente e disse que tinha uma fórmula para resolver o problema do câmbio. É direito dele como de qualquer funcionário público, do Banco Central, subordinado meu ou não, achar que tem uma fórmula mágica, passar por cima de mim, ir direto ao presidente e oferecer a fórmula. Aí eu fui ao presidente e disse: "Olha, eu tenho outra fórmula. Se o senhor quiser aplicar a minha fórmula, vou ficar feliz. Mas eu não trabalho mais com o Chico Lopes. Então, por favor, escolha um ou outro. Eu não quero nem saber qual a fórmula que ele inventou. O presidente escolheu o Chico, então está bom. Fui embora para casa. Fiz o discurso prestando conta do meu trabalho no setor público. Acho que trabalhei direito. Fui para casa satisfeito, cumpri minha missão e agora estamos aqui, começando uma coisa totalmente nova.
EXAME - Qual a sua opinião sobre o candidato do governo, José Serra?
Franco - Eu sou do PSDB, mas faz muito tempo que ninguém no partido me procura para perguntar coisa alguma. É como se eu não fosse. Um dia desses escrevi um artigo sobre como estou vislumbrando esse assunto José Serra e é o que eu penso. Durante todo o período que estive no governo, ele foi oposição ao que a gente fazia, tinha suas próprias idéias sobre economia e a condução do plano e não nos ajudou. Uma situação à primeira vista desconfortável é ver como o herdeiro do Fernando Henrique é uma pessoa que nunca foi exatamente favorável ao que rolou nesses oito anos. Agora, o preço de ser o sucessor do presidente é assumir como seu tudo isso que no passado ele não gostou. O presidente não vai apoiar um candidato que vai assumir um discurso de oposição. Isso não tem cabimento. Na política, esse tipo de comportamento não existe. Eu acho muito bom porque agora, de repente, eu vejo, não só da parte dele como de outros, até do PT, uma visão positiva das coisas do passado. A privatização tudo bem, o Proer também. Tanto gás lacrimogênio gasto à toa se todo mundo concordava que era isso mesmo que tinha de fazer.
EXAME O senhor se considera uma pessoa autoritária, como chegaram a lhe acusar?
Franco - O Banco Central foi uma organização extremamente atuante. Liquidou 100 bancos, 60 consórcios, fez o Proer, arrumou o sistema bancário em três anos (podia levar 20 anos para ser feito), sem falar em estabilização e todos os outros assuntos nos quais o banco se meteu. Para você fazer as coisas acontecerem, tem uma hora que, após ouvir todo mundo, você diz: "Senhores, vamos fazer assim". E aí tem gente que pode não gostar, se sentir atropelado. O Clóvis Carvalho costuma dizer que quando você não tem consenso tem de ter consentimento. Vamos chegar a uma decisão e não será unânime, quem for voto vencido não enche o saco. Governo é assim, como empresa grande. Tem esses problemas de intriga, de poder. O sujeito que perdeu uma discussão acha que seu ponto de vista está desprestigiado. Às vezes não é assim. Não me acho uma pessoa autoritária nem de temperamento de filho único. Tenho convicções, e qualquer pessoa de convicções é assim. Tem um lado meu que é evangelizador. Eu acredito profundamente em tudo o que eu fiz e defendo e propago e estou constantemente escrevendo, dando novas idéias e criando novas encrencas.
EXAME O que mudou com a volta para o Rio?
Franco - A principal coisa foi a família, do que eu senti mais falta. Tenho quatro filhos: de 18 anos e 16 anos e dois do segundo casamento, com 4 e 5 anos. É como se eu tivesse perdido um pedaço da pré-adolescência dos mais velhos e um pedaço dos primeiros anos dos pequenos. Isso não tem retorno. Recuperar esse tempo perdido foi o principal. Ver a família, trabalhar no Rio, ver a noite cair no Rio, ir para casa e pegar engarrafamento, até disso eu acho graça. Eu ficava em Brasília pipocando de avião pelo Brasil inteiro. Estar em casa é uma delícia. Disso não quero abrir mão nunca mais.