Salário mínimo de R$ 1.320? Entenda o debate no governo
Salário-mínimo de 2023 foi aumentado de R$ 1.212 para R$ 1.302, mas novo aumento para R$ 1.320 está em compasso de espera em meio a riscos fiscais
Da redação, com agências
Publicado em 19 de janeiro de 2023 às 02h15.
Um segundo aumento para o salário mínimo em 2023 está em compasso de espera nas negociações do governo federal. O salário mínimo 2023 atualmente segue em R$ 1.302, aumento de 7,4% já oficializado a partir de janeiro, enquanto uma nova alta que vinha sendo aguardada pode vir a ser cancelada ou, ao menos, adiada por alguns meses.
O governo Lula (PT) planejava alta maior do salário mínimo, para R$ 1.320 (o que configuraria alta de 8,9% frente ao salário de 2022). O valor havia sido negociado no fim do ano e incluído no Orçamento para 2023. Mas, em meio a temores fiscais, começaram a circular declarações apontando que o governo possa não efetivar o segundo aumento neste ano.
Lula se reuniu na segunda-feira, 16 de janeiro, com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, enquanto também tem falado com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre os recursos disponíveis. Uma decisão ainda não foi tomada e novas negociações estão previstas para os próximos dias.
Alas do governo e centrais sindicais defendem a efetivação do segundo aumento, enquanto outras, em meio aos riscos fiscais, apontam que o montante destinado para o aumento do mínimo terminou corroído pela fila do INSS (leia mais abaixo).
Por que o aumento do salário mínimo pode ser cancelado
Na negociação promovida pelo novo governo junto ao Congresso em dezembro, durante a aprovação da PEC de Transição que autorizou recursos fora do teto de gastos (incluindo para o mínimo), foi disponibilizado um recurso de R$ 6,8 bilhões para o pagamento dos valores adicionais do salário mínimo, com reajuste de 2,7% acima da inflação. Assim, o valor do mínimo em R$ 1.320 entrou oficialmente no Orçamento para 2023.
Mas o Ministério da Fazenda tem apontado que esse recurso de R$ 6,8 bilhões será usado de forma não prevista com a fila do INSS, que acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro de ter represado por anos e só feito "andar" às vésperas da eleição. "Porque a partir do início do processo eleitoral, por razões que não tem nada a ver com dignidade, a fila começou a andar", disse Haddad na quinta-feira, 12 de janeiro.
Durante participação no Fórum Econômico Mundial em Davos como um dos representantes do Brasil, o ministro afirmou que o ministério da Previdência, agora, vai apresentar à Fazenda o tamanho da fila do INSS e que, com base nisso, haverá negociação junto às centrais sindicais sobre o valor. "A gente pediu para a Previdência refazer os cálculos para que a gente possa, na mesa de negociação com as centrais, avaliar adequadamente e responsavelmente como agir à luz desse caso", disse nesta terça-feira, 17.
O valor do salário mínimo é um tema fiscal (isto é, referente aos gastos do governo) porque qualquer alta do mínimo faz com que não só a iniciativa privada, mas também o governo tenha de elevar os gastos com servidores, beneficiários e aposentados que ganhem o salário-mínimo.
Haddad defende que já houve alta real
A alta real do salário mínimo havia sido promessa de campanha de Lula, e por isso houve a negociação com o Congresso para o valor em R$ 1.320. Mas Haddad defende que já houve aumento real do mínimo, que foi de R$ 1.212 para R$ 1.302 em 2023 (com a inflação de 5,8%, houve aumento real de 1,5%, isto é, acima da inflação).
Diante dos temores fiscais, o Planalto trabalha com a possibilidade de o segundo aumento do mínimo ser adiado para 2024, como querem alguns técnicos da Fazenda, ou, a depender das negociações, que passe a vigorar perto do segundo semestre. Uma possibilidade é que seja anunciado em maio, diante do Dia do Trabalhador.
O ministro Luiz Marinho deve entregar a Lula uma proposta junto das centrais sindicais nos próximos dias. A expectativa é que o Planalto sofra pressão para efetuar o aumento para R$ 1.320 ao menos em algum momento deste ano, colocando em embate a Fazenda e outras alas do governo.
Quanto está o salário mínimo hoje
Em meio às discussões, o salário-mínimo brasileiro oficial para 2023 segue de R$ 1.302, valor que passou a vigorar a partir de 1º de janeiro deste ano.
O valor subiu dos R$ 1.212 de 2022, com alta de quase 7,4%. O governo na ocasião, ainda na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), levou em conta uma projeção de inflação de 5,8% e ajuste real em torno de 1,5%.
Uma alta maior, para R$ 1.320 em 2023, foi confirmada no Orçamento 2023, mas ainda aguarda oficialização do governo nos próximos meses. Com esse valor, a alta total seria de 8,9%, com reajuste real em torno de 2,7% acima da inflação.
- Salário-mínimo 2022: R$ 1.212
- Salário-mínimo inicial para 2023: R$ 1.302 (reajuste de 7,4%)
- Salário-mínimo aprovado no Orçamento (em negociação): R$ 1.320 (reajuste de 8,9%)
Quando o novo salário-mínimo começa a ser pago
O novo valor do salário-mínimo em R$ 1.302 passou a vigorar já no dia 1º de janeiro, mas o pagamento na prática aos trabalhadores pode variar.
Muitas empresas costumam começar a pagar o mínimo sobretudo a partir da folha de fevereiro — a depender do acordo entre as empresas e sindicato das categorias.
No caso de aposentados e pensionistas do INSS, o novo salário-mínimo começará a ser pago em 2023 entre 25 de janeiro e 7 de fevereiro, segundo calendário da instituição.
Já o valor de R$ 1.320 precisará de medida do governo federal para passar a valer, o que ainda não ocorreu.
Quem tem direito ao salário-mínimo
O valor do salário-mínimo vale para todos os trabalhadores, da iniciativa pública ou privada e em todos os lugares do Brasil. Para quem trabalha uma jornada menor, vale o valor dividido por hora trabalhada.
O salário-mínimo no Brasil foi criado em 1936, no governo Getúlio Vargas. Os termos da lei foram modificados desde então, mas, em linhas gerais, o valor indica um piso mínimo que todos os trabalhadores devem receber pela jornada de trabalho.
Além de trabalhadores da iniciativa privada, o salário-mínimo impacta também o setor público. Aposentados que ganham o salário-mínimo via INSS, além de beneficiários de programas como o BPC e funcionários públicos que ganham o mínimo também têm o valor reajustado de acordo com a lei.
Os estados também podem ter salários-mínimos locais e pisos salariais por categoria maiores do que o valor fixado pelo governo federal, desde que não sejam inferiores ao valor do piso nacional.
Como o salário-mínimo é reajustado
O salário-mínimo é reajustado tendo como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) —que mede a inflação para famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos. O INPC é divulgado pelo IBGE mensalmente.
Como o Orçamento do ano seguinte é enviado ao Congresso antes de que se saiba o valor do INPC para o ano completo, os governos costumam olhar para projeções do índice para definir o salário-mínimo futuro.
Um aumento real em um salário significa que os trabalhadores recebem acima da inflação do período, com um ganho de fato no poder de compra.
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Desde 2007, se pactuou adicionar aos cálculos o crescimento de dois anos antes do produto interno bruto (PIB), isto é, a soma dos bens e serviços produzidos na economia. Esse modelo, chamado de "Política de Valorização do Salário-Mínimo", parou de ser utilizado em 2019.
A adição do PIB ao cálculo garante, no geral, um reajuste do salário acima da inflação, com rara exceção de um cenário de recessão em que a economia encolha.
Centrais sindicais reivindicavam aumento maior
Para 2023, as centrais sindicais reivindicavam no fim do ano passado que o governo Lula, na negociação com o Congresso para a PEC de Transição, aplicasse um valor ainda maior e voltasse a se basear na Política de Valorização do Salário-Mínimo, conforme os termos pactuados em 2007.
Com isso, o piso iria a R$ 1.342,00, um aumento acima de 10% em relação ao salário-mínimo de 2022. A demanda era por contemplar a inflação medida pelo INPC (na projeção de 5,8% para 2022) e o crescimento do PIB de dois anos antes, que havia sido de 4,6% em 2020.
Qual havia sido o aumento do salário-mínimo em 2022?
Na transição entre 2021 e 2022, o salário-mínimo foi reajustado de acordo com a inflação, mas não teve aumento real.
De 2021 para 2022, o salário-mínimo subiu de R$ 1.100 para R$ 1.212, uma alta de 10,18%. A inflação em 12 meses medida pelo INPC em 2021, no entanto, fechou em alta de 10,16%, e foi esse parâmetro o usado pelo governo para embasar o aumento.
Ajuste pela inflação vs. aumento real
Economistas apontam vantagens e problemáticas na valorização do salário-mínimo acima da inflação. Um benefício importante é que, uma vez que dois terços da população brasileira vivem com o salário-mínimo, uma alta no valor obrigatório faz com que a renda das pessoas aumente.
Na outra ponta, um desafio fiscal é que o salário de aposentadorias também é atrelado ao mínimo, de modo que um aumento do salário-mínimo faz com que aumente o custo ao governo federal em pagar a Previdência. Aumentos dos gastos públicos podem, a depender do cenário, minar a confiança de agentes econômicos na capacidade pagadora do Estado e levar a alta de inflação e juros.
Há ainda debates mais complexos, como eventuais impactos do aumento do salário-mínimo nos preços de forma automática, isto é, fazendo com que estes sempre subam (com a alta no mínimo, comerciantes e empresas tendem a também reajustar seus preços mais facilmente). Outro ponto de atenção é diferença nos custos de vida entre os estados: o valor do salário mínimo pode ser insuficiente em algum local ou alto demais em outro.
(Com Agência Brasil e Estadão Conteúdo)