Economia

Reforma trabalhista amplia e não tira direitos, diz professor

"De fato é uma reforma que muda, não é de fachada: obriga empresas e trabalhadores a se adaptarem a um novo mundo", diz Andre Portela Souza, da FGV

Carteira de trabalho (Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)

Carteira de trabalho (Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 12 de julho de 2017 às 19h09.

Última atualização em 12 de julho de 2017 às 19h50.

São Paulo - A reforma trabalhista foi aprovada ontem (11) pelo Senado e segue para sanção presidencial.

O temor é grande de que seja o fim dos direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), colocando o trabalhador em uma posição fragilizada diante do empregador.

Mas para Andre Portela Souza, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV) especialista em Economia do Trabalho, a reforma expande ao invés de tirar direitos:

"Eu vejo com bons olhos por trazer para a proteção novas relações de trabalho que estavam desprotegidas, como a terceirização e o teletrabalho. Dizem que vai desproteger, mas está protegendo outros também".

Ele diz que a reforma reduz a insegurança jurídica das empresas e vai exigir que sindicatos passem a mostrar serviço. Veja a entrevista:

EXAME.com - O principal aspecto da reforma é a permissão de que o negociado entre as partes prevaleça sobre o legislado em alguns pontos. A visão de muita gente é que o trabalhador é frágil diante da empresa, o que impede uma negociação justa.

Andre Portela Souza - A negociação é dos acordos e convenções coletivas. Em nível individual, é para os trabalhadores que recebem salários acima do teto do INSS, que não são maioria.

A barganha coletiva está aí para ser estabelecida e não vejo como problema. De fato é uma reforma que muda, não é de fachada: obriga empresas e trabalhadores a se adaptarem a um novo mundo de negociação direta e a lei estabelece os parâmetros.

Não tira direitos, é uma expansão deles. Em muitas situações se diz que é direito do trabalhador, mas ele não tem a propriedade inclusive para negociá-lo, o que agora passa a acontecer.

Mas tira sindicatos patronais e dos trabalhadores da zona de conforto. Vão ter que mostrar serviço, e isso é bom.

Mas acabou a obrigatoriedade do imposto sindical, que sustentava essas entidades. Que novo tipo de financiamento e sindicato a reforma pode gerar?

Precisamos pensar em novo pacto de organização sindical e organização dos trabalhadores. A primeira questão é da tutela do Estado na relação entre trabalhador e empresa.

O imposto era obrigatório, recolhido pelo Estado e repassado aos sindicatos, que tem que ter sua base por ocupação e território, eram únicos e autorizados a funcionar pelo Ministério do Trabalho.

Tudo passava pela tutela do Estado e não pela relação entre representante e representado. É o que queremos?

É preciso separar as questões de tutela e obrigatoriedade. Meu argumento é que sim, deve ser obrigatório para evitar o problema da carona em um grupo de trabalhadores que decide ser representado. Se a maioria decide, acho que todos devem contribuir.

Nosso modelo atual juntou tutela com obrigatoriedade. Sou a favor de tirar a tutela mas assegurar ao sindicato sua existência, inclusive financeira. Isso requer um redesenho - uma reforma sindical, no fundo.

O que a gente não quer é o imposto como é hoje, que cria sindicatos de fachada e grupos com comportamentos oportunistas para abocanhar essa receita.

A reforma causará precarização e mudança no equilíbrio entre trabalhadores fixos, terceirizados e contratados pessoas jurídicas? A cláusula que impede demitir e recontratar alguém dessa forma por 18 meses é suficiente?

Todo o dilema da regulação trabalhista é, de um lado, proteger o trabalhador de patrões abusivos e de outro não criar incentivos perversos para rotatividade, produtividade e boa alocação nas vagas. Não há solução fácil para este dilema.

Nós tínhamos uma legislação (CLT) e uma rede de proteção ao trabalhador feita para um tipo de relação de trabalho fordista, de grupos sob o mesmo teto em uma jornada única, que já não era maioria no mundo e está desaparecendo.

Há uma série de outros tipos de relações que existem onde a nossa CLT não se encaixa, e nunca se encaixou totalmente. Tivemos 40% a 50% de informalidade nossa história toda. Era uma proteção ao empregado formal, mas não a todos os trabalhadores. Isso já era um problema, que ficou maior.

Com as mudanças tecnológicas, velhas ocupações morrem e novas ocupações surgem. E às vezes a legislação faz sobreviver ocupações que não tem mais sentido de existir. Claro que nessa transição, aquele trabalhador da velha ocupação pode sair prejudicado.

Precisamos ter mecanismos de proteção social para readaptá-lo ao novo mundo do trabalho com treinamento, qualificação, etc. A terceirização é uma resposta nossa a esse novo mundo que o protege.

Antes as firmas faziam todas as etapas de produção no chão de fábrica; agora, as linhas se tornaram horizontais e as etapas especializadas viraram setores de produção em si. O que é produzido internamente e externamente vai mudando.

Antes se contratava o zelador no prédio, hoje há o serviço de segurança. O zelador de condomínio pode sair prejudicado, mas cria-se um novo setor, especialização e mais serviços. O prejudicado é uma parcela especifica, que precisa ser compensada, mas o beneficio é difuso e geral.

Você falou em contratações e demissões. A reforma terá efeito claro sobre o nível de emprego?

É muito difícil dizer. Ela é um convite para novas relações de trabalho e um acordo direto entre as partes baseado em confiança mútua e duradoura, mas veremos se isso de fato será incorporado.

Eu vejo com bons olhos também por trazer para a proteção novas relações de trabalho que estavam desprotegidas, como a terceirização e o teletrabalho. Dizem que vai desproteger, mas está protegendo outros também.

Outro elemento positivo é eliminar incertezas jurídicas. Valer o negociado sobre o legislado tira muita incerteza das empresas, que sempre tem medo do trabalhador recorrer à Justiça. O custo da legislação trabalhista vai diminuir e isso tem um impacto grande sobre o Custo Brasil.

A reforma tem uma série de medidas que parecem até feitas por um excelente microeconomista, porque a estrutura de incentivos ao uso da Justiça trabalhista está bem alinhado para incentivar aquele que de fato merece usá-la, porque sente que sua relação de trabalho o está prejudicando e quer repor esse dano, e não para extração de renda ou comportamentos oportunísticos.

Mas não houve um aperto forte demais nas condições de acesso?

Para o pobre, continua gratuito. Está na Constituição e não mudou.

Havia um acordo de que uma Medida Provisória posterior ajustaria algumas coisas depois da aprovação, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou sua oposição. A lei ainda precisa de ajustes?

Eu acho que a reforma foi tímida em delimitar as dimensões que permitem a negociação. Nossa legislação estabelece vários direitos dos trabalhadores, monetários ou não, regulares ou não. Você pode preferir uma combinação e eu outra, e pode ser vantajoso para as duas partes recompor essa combinação.

Por exemplo dividir as férias, como pode agora, mas tem outras que não se permite. Em outras questões, só a vivência da lei vai dizer se é exagerada ou não, como a classificação do que é trabalho insalubre, e se a gestante pode ou não fazer e até que ponto.

Acompanhe tudo sobre:CLTCusto BrasilDesempregoDireitos trabalhistasEmpregosEncargos trabalhistasJornada de trabalhoJustiçaLeis trabalhistasProcessos trabalhistasReforma trabalhistaSindicatosTeletrabalho

Mais de Economia

Corte de gastos: Rui Costa se reúne com ministros da Previdência e do Desenvolvimento Social

Petróleo pode desbancar soja e liderar exportações neste ano

Corte de despesas: reunião de Lula e ministros termina sem anúncio de medidas

Minerais críticos do Brasil para a transição energética no mundo