Economia

Reforma aprovada no Senado vai acabar com "manicômio tributário" no Brasil? Especialistas avaliam

Economistas e especialistas em tributação ouvidos pela EXAME avaliam que apesar das novas exceções, a reforma é melhor que sistema atual

Reforma tributária: exceções preocupam especialistas (Jonas Pereira/Agência Senado/Flickr)

Reforma tributária: exceções preocupam especialistas (Jonas Pereira/Agência Senado/Flickr)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 9 de novembro de 2023 às 16h42.

Última atualização em 9 de novembro de 2023 às 17h25.

A reforma tributária aprovada no Senado na última quarta-feira, 8, sofreu diversas mudanças em relação ao texto da Câmara dos Deputados. Exceções foram ampliadas, o que deve elevar a alíquota-padrão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Apesar disso, economistas e especialistas em tributação ouvidos pela EXAME avaliam que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é melhor do que o sistema atual. Em entrevista ao programa Macro em Pauta da Exame, o relator da proposta, o senador Eduardo Braga, chamou o atual modelo de "manicômio tributário".

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a reforma piorou da Câmara para o Senado.

"A grande quantidade de exceções coloca um risco futuro destas aumentarem ainda mais, especialmente daqueles que ficaram fora da meia entrada da alíquota menor. Mas não tinha muito jeito, é muito grupo de pressão contra e não há força política para se opor a isso", diz. Vale reforça, porém, que a proposta ainda é melhor que o sistema atual.

As alterações no texto aprovado pelo Senado beneficiam bancos, taxistas, clubes de futebol e a indústria automotiva. Parte das emendas atende a pleitos dos governadores e parlamentares do Centro-Oeste e Nordeste, além do agronegócio. O texto da Câmara já havia definido a possibilidade de isentar ou diminuir o IVA cobrado para determinados bens.

O Ministério da Fazenda previa, com base na versão anterior do texto, que a alíquota poderia chegar a 27,5%, figurando, assim, entre as maiores do mundo. A PEC não define a alíquota fixa do IVA. O valor fixo será determinado por uma lei complementar. 

Luis Wulff, CEO do Tax Group, especialista em Compliance, Tecnologia e Inteligência Tributária, avalia que uma alíquota alta pode mitigar o potencial de crescimento do país e aumentar o peso da carga tributária para diversos segmentos da economia.

"Essa alíquota elevadíssima se dá pelo grande número de concessões estabelecidas e mantidas no texto aprovado pelo Senado ontem. O raciocínio é lógico: quando se tem setores pagando valores menores, há outros 'tampando o buraco', pagando mais", afirma.

Hoje, o sistema tributário brasileiro é composto por cinco impostos:

  • IPI, PIS e Cofins são impostos federais;
  • ICMS é estadual e o ISS é municipal.

A ideia do projeto é unificar impostos federais, estaduais e municipais, além de buscar a redução de custos para empresas. Na prática, a reforma vai possibilitar que o contribuinte saiba exatamente o quanto paga de imposto e acabará com distorções entre empresas. Além disso, o texto cria um sistema de cashback para as famílias de menor renda.

A PEC propõe a substituição de dois tributos federais (PIS e Cofins) por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), gerida pela União; e de outros dois tributos (ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por estados e municípios. Já o IPI vai virar um imposto seletivo. Além disso, serão gerados créditos tributários ao longo da cadeia produtiva para não haver incidência em cascata, ou seja, imposto cobrado sobre imposto. A reforma terá uma fase de transição, que começará em 2026 e termina em 2033. 

Arthur Barreto, sócio do escritório Donelli, Abreu Sodré, Nicolai Advogados, salienta que a simplificação promovida pelo projeto não será total por conta do período de transição. "Haverá complexidade em razão do longo período de transição e das exceções à regra geral do IBS e da CBS. As mudanças que foram feitas no texto pelo Senado estão encaminhando a aprovação de uma reforma que talvez não seja perfeita, mas sim uma reforma viável, com modernização do sistema tributário", explica.

A projeção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é que a proposta será promulgada ainda esse ano. Em entrevista ao blog da Andreia Sadi, do G1, o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que vai colocar a proposta para votação pelos deputados "assim que chegar" na Câmara. Para ser promulgada, a PEC precisa ser aprovada sem alterações. 

A maioria dos detalhes da reforma será definido por meio de leis complementares, como deve ser o caso da alíquota do IVA e as regras para o cashback da conta de luz e do botijão de gás. Lucas Ribeiro, tributarista e CEO da ROIT, afirma que para evitar um "pandemônio até 2033" é necessário que as leis que vão ditar as regras sejam coerentes. "O que nos resta agora é batalhar por leis complementares coerentes e que, realmente, gerem simplificação. Porque do jeito que está, empresas no lucro presumido morrerão em breve e o simples nacional se tornará inviável para muitas das quase 6 milhões de empresas nesse regime", diz,

Mudanças positivas

Entre os pontos positivos que foram incluídos na reforma no Senado, Rafael Vega, sócio tributarista no Cascione Advogados, destaca que a revisão das exceções e concessões tributárias a cada cinco anos é uma "boa notícia" e a trava para impedir o aumento de impostos "evita que a proposta seja um contexto para gerar aumento de tributos".

O teto de referência terá como base a arrecadação média do setor público entre 2012 e 2021 em relação ao PIB. Caso a arrecadação cresça mais que essa média, a alíquota de referência dos novos tributos será reduzida.

Ao comentar sobre qual será a alíquota do IVA, Vega afirma que a reforma tributária nunca foi sobre quanto cobrar, e sim sobre como cobrar. "O tamanho da tributação depende do tamanho do estado que a sociedade quer, e não da estrutura da tributação. A minha provocação é pensar se o Estado aumentar seus gastos – e estamos num contexto de aumento – e precisar aumentar tributos, vai aumentar o que? Nas últimas décadas, os aumentos ocorreram e sempre foram via aumento de tributação sobre consumo – PIS/Cofins, em especial. Então, qual será o impacto futuro: aumento de imposto de renda, ou finalmente vamos ter uma trava efetiva de aumento de carga tributária?", diz.

Outra mudança avaliada por especialista como efetiva para redistribuição de renda foi o cashback, que é a devolução do valor pago, obrigatório no consumo de gás de cozinha e energia elétrica para famílias de baixa renda. "Dentre todas as alterações efetuadas, algumas são positivas, como os ajustes feitos para a inserção do gás de cozinha no cashback, que deve gerar impactos sociais relevantes, além da alteração do verbo dos regimes específicos, que causa maior segurança aos agentes econômicos", diz Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados. 

No dia seguinte da aprovação, o Ibovespa opera em alta, com investidores repercutindo a expectativa de que a simplificação do sistema tributário reflita positivamente para empresas de diferentes setores. Étore Sanchez, economista da Ativa Investimentos, diz que essa reação é mais pelo sentimento do que por uma mudança a curto prazo. "Os efeitos econômicos da reforma se darão no curto prazo apenas por sentimento, visto que a simplificação tributária deverá apenas após o período de transição, que se iniciará, a grosso modo, após o fim desse governo", explica.

Acompanhe tudo sobre:Reforma tributáriaeconomia-brasileira

Mais de Economia

Alckmin diz que acordo União Europeia-Mercosul vai aumentar o PIB e derrubar a inflação no Brasil

BNDES levanta R$ 9 bi na primeira emissão de LCDs, novo título de renda fixa

STF forma maioria para validar contrato intermitente criado com a reforma trabalhista

Grupo GAC registra aumento nas vendas e crescimento nas exportações, apesar de queda na produção