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Quanto a Colômbia poderia ganhar com a paz

A Colômbia carrega, há décadas, o estigma da violência. Veja quanto a economia do nosso vizinho poderia ser beneficiada com a paz.

Colômbia: país carrega, há décadas, estigma da violência (Thinkstock/Thinkstock)

Rita Azevedo

Publicado em 3 de outubro de 2016 às 17h47.

Última atualização em 22 de março de 2017 às 11h35.

São Paulo — A chance de encerrar uma guerra que já dura mais de cinco décadas e que já fez mais de 220 mil mortos não foi suficiente para os colombianos dizerem sim ao acordo de paz firmado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ( Farc ).

Na noite do último domingo (02), 50,21% dos que compareceram às urnas rejeitaram o pacto. A decisão surpreendeu a todos e ainda não se sabe bem o que acontecerá daqui para a frente. A possibilidade de um novo texto ser construído não é descartada, mas o processo poderá demorar algum tempo — e atrasar ainda mais os planos da Colômbia de superar enormes desafios econômicos.

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Além do fim das hostilidades, a grande aposta do governo colombiano com o acordo era que o país lucrasse com a retomada da confiança. Segundo uma das projeções mais recentes, produzidas pelo Departamento Nacional de Planejamento (DNP), a melhora da imagem do país — que, por décadas, carrega o estigma da violência — significaria um crescimento adicional de 1,9% no PIB a partir de 2017.

A base para essa previsão foi a análise dos ganhos obtidos por 36 nações que passaram por processos de paz semelhantes ao que é discutido pelos nossos vizinhos (veja todas as projeções do governo no final da reportagem).

Em entrevista a EXAME.com, dois dias antes do plebiscito, Luis Fernando Mejía, subdiretor do DNP, afirmou que o fim do conflito pode fazer com que os investimentos estrangeiros tripliquem, em um prazo máximo de dez anos. “Será muito mais fácil mostrar que a Colômbia é um país estável quando não formos atrelados à imagem negativa das Farc”.

Nem todas as projeções, no entanto, apontam ganhos extraordinários. Para o economista Marc Hofstetter, da Universidad de los Andes, por exemplo, é quase impossível para o país crescer na velocidade esperada pelo governo.

“As estimativas são demasiadamente otimistas”, disse Hofstetter, por telefone, de Bogotá. “Mesmo que os tais dividendos da paz aparecessem, eles não durariam muito, como diz o governo. Isso é insustentável”.

Para chegar à essas conclusões, o economista analisou, entre outros pontos, o potencial máximo de crescimento de setores vistos como os maiores beneficiados pelo fim da guerra, como a construção civil e a agropecuária.

"A engrenagem do desenvolvimento econômico tem centenas de peças importantes, mas poucas varas mágicas. A paz fará parte da engrenagem, mas não das varas", conclui o economista.

Assim como o Brasil, a Colômbia teve uma década de bonança com o aumento do preço das commodities e do apetite da China, mas hoje enfrenta o desafio de diversificar seus ganhos e reduzir sua dependência do petróleo — que corresponde a mais da metade das suas exportações.

De longe, as zonas rurais do país são as mais afetadas pelo conflito. Em algumas áreas isoladas pela guerra não chegaram energia elétrica, água ou serviços básicos de educação e saúde. Estimativas oficiais mostram que, hoje, cerca de 40% da população rural vive em situação de pobreza, sendo que nas cidades, o mesmo índice ronda os 20%

O país, claro, perde em produtividade e competitividade. A esperança dos adeptos ao acordo era que, com o fim do conflito mais antigo da América Latina, essas áreas saíssem do abismo.

Entre alguns pontos do texto firmado pelo governo com as Farc estava a realização de uma espécie de reforma agrária, com a regularização da situação de quem não tinha títulos das propriedades e a criação de um fundo de terras. Os investimentos em infraestrutura também seriam contemplados.

E como o país pagaria pela paz?

Se não havia consenso sobre quanto a economia colombiana poderia ganhar com o processo de paz, tampouco havia quem cravasse o custo total do acordo rejeitado nas urnas. De acordo com cálculos da Comissão de Paz formada no congresso, a cifra poderia chegar a até 3 1 bilhões de dólares em dez anos.

Esse valor leva em conta, por exemplo, o pagamento de indenização às vítimas, a própria reforma agrária e a criação de programas de reinserção de ex-guerrilheiros à sociedade.

A forma como o montante seria financiado gerou inúmeras discussões. O país, que investe cerca de 3,5% do PIB em Defesa (o maior percentual da América Latina), certamente conseguiria economizar com o fim das hostilidades. O montante, no entanto, não seria suficiente para pagar a conta.

Uma das estratégias apontadas pelo governo era a redistribuição dos gastos públicos. “Fizemos estudos e descobrimos que, por exemplo, 75% do orçamento para o setor agropecuário vai para subsídios. Queremos realocar esse gastos para investimentos na infraestrutura necessária para o próprio setor”, explicou Luis Fernando Mejía, do DNP. “Os recursos irão para o que realmente nos dará uma garantia de competitividade."

O país também colocava a ajuda estrangeira em seus cálculos. Nas útlimas semanas, países como Alemanha e Suécia anunciaram doações para o custeio do pós conflito. O Fundo Monetário Internacional (FMI) também ofereceu uma linha de crédito de 11 milhões de dólares a Colômbia. Até o momento, ninguém voltou atrás.

O que pode acontecer com a economia daqui pra frente?

Além do medo da continuação da guerra, os colombianos têm, agora, outro receio. Com a instabilidade política causada pelos resultados do plebiscito, é possível que o país não consiga aprovar uma nova reforma tributária, prevista para ser apresentada no Congresso na próxima semana. Com isso, há o risco da perda de grau de investimento.

A mudança das leis tributárias foi uma das recomendações feitas à Colômbia, no ano passado, pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) — grupo no qual o país sulamericano tenta, há tempos, fazer parte. Segundo a OCDE, a reforma é essencial para a saúde financeira do país, uma vez que o ajudaria a enfrentar a queda dos preços do petróleo.

A agência de classificação de riscos Moody's disse que a rejeição do acordo terá um peso negativo no perfil de crédito da Colômbia. O JP Morgan também falou sobre o caso, segundo informações da Reuters, e disse que a possibilidade de downgrade do país começou a ser precificada.

Após o histórico dia, o presidente colombiano Juan Manuel Santos se manifestou e disse que continuará lutando pelo acordo. "Seguirei buscando a paz até o último dia de meu mandato, porque este é o caminho para deixar um país melhor aos nossos filhos", afirmou. A tarefa não parece mais tão simples.

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