Prejuízo do Banco Popular gera debate sobre modelo do microcrédito
Instituição, que pertence ao governo, fechou o ano de 2005 no vermelho. Especialistas dizem que o crédito produtivo é capaz de diminuir a inandimplência
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h30.
Poucos ramos de negócio no Brasil são tão rentáveis quanto o de emprestar dinheiro. Além de contar com a ajuda de juros altíssimos, os agentes financeiros também lançam mão de uma estrutura tecnológica que vasculha e analisa o histórico financeiro dos clientes, diminuindo as chances de calote. O governo também está no negócio, com o Banco Popular do Brasil. Mas com uma diferença: as operações fecharam o ano de 2005 sem rentabilidade ou números positivos e sim com um prejuízo de 62 milhões de reais.
O saldo negativo do Banco Popular sinaliza que o crédito para o brasileiro de baixo poder aquisitivo ainda é um negócio que inspira uma maior atenção do administrador e ainda gera muitas dúvidas - desde taxa de inadimplência até perspectiva de rentabilidade. Mas, afinal, é financeiramente sustentável emprestar dinheiro a uma legião de clientes que não têm comprovação de renda ou conta em banco?
"Do ponto de vista econômico, a resposta é não", diz o professor do Curso de Administração do Ibmec-SP, Ricardo José Almeida. No entanto, ele lembra que o cálculo matemático não é tão simples quando se trata de instituições públicas como o Banco Popular. "Nesses casos, há um fator intangível, que não se contabiliza: o ganho social que o governo pretende atingir ao ceder esses créditos", diz Almeida.
Segundo ele, fica difícil comparar o desempenho do Banco Popular com o de outras financeiras. O crédito concedido pela instituição é, por natureza, de altíssimo risco. Além do fato de o cliente do banco não ser obrigado a comprovar renda nem ter conta corrente - o que impossibilita a análise do histórico financeiro -, os juros são subsidiados. Enquanto as instituições financeiras tradicionais cobram, em média, 4,5% ao mês, o Banco Popular oferece juros de 2%, segundo a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento. Ou seja, ao mesmo tempo em que cobra juros abaixo da média do mercado - e ainda oferece outros benefícios ao cliente, como a não-cobrança da CPMF -, a instituição aceita clientes de risco e comportamento desconhecidos.
"Essa é uma operação fadada ao prejuízo. Por isso, é importante que o governo avalie bem os benefícios sociais que espera em troca", diz o professor do Ibmec. Segundo ele, o alto nível de inadimplência do banco, de 22%, pode não ser aceitável, mas é compreensível.
Crédito livre ou direcionado?
Uma das alternativas para diminuir as chances de calote é privilegiar o chamado microcrédito produtivo orientado, ou seja, aquele em que o cliente recebe não apenas o dinheiro, mas acompanhamento de um especialista para tocar um novo negócio. Desde a sua criação, há quase dois anos, o Banco Popular vem preterindo esse tipo de crédito em favor do massificado ou livre - aquele em que o tomador não precisa dizer em que irá utilizar nem ter qualquer supervisão do credor.
"No primeiro caso, a garantia de pagamento é maior, já que o cliente está se preparando para gerar renda", diz Almir da Costa, coordenador do programa nacional de microcrédito produtivo orientado do Ministério do Trabalho.
A questão do crédito livre versus o crédito produtivo costuma gerar um debate acalorado tanto no governo como no meio acadêmico. "Existe uma boa dose de preconceito por parte de pessoas que acham que pobre, se pedir crédito para comprar uma geladeira, não vai pagar", diz o presidente do Banco Popular, Robson Rocha.
Segundo ele, o Banco Popular trabalha com a perspectiva de que bens de consumo também funcionam como ferramentas de trabalho para muitos clientes. Ele cita casos de cozinheiras, costureiras e passadeiras que pedem créditos para compra de fogões, máquinas de costura e ferros. "É difícil dissociar o que é crédito para consumo e o que é crédito para produção, pois estamos falando de pessoas que geralmente trabalham de casa", diz o executivo.
Em busca de um novo modelo
Apesar de "não ser comparável com o desempenho de instituições privadas que não subsidiam o cliente", o prejuízo do Banco Popular está em um patamar "desconfortável", na avaliação do presidente Robson Rocha. Ele pretende mudar essa situação com uma série de mudanças na gestão do banco, a partir deste ano. Uma delas é qualificar melhor a carteira de crédito.
"Nosso processo é inédito, não tínhamos como olhar para algum outro modelo no mercado. No entanto, agora já podemos aprender com a nossa própria experiência", diz Rocha. O microcrédito produtivo orientado, por exemplo, deve ganhar mais espaço na instituição. Outra medida é aprimorar a sinergia com o Banco do Brasil, permitindo que o cliente do Banco Popular utilize os terminais de auto-atendimento do BB.
Rocha lembra que um dos objetivos é fazer com que essa legião de pessoas sem conta se tornem correntistas do Banco do Brasil no futuro. "É o mesmo princípio das contas universitárias, que são, em geral, deficitárias para os bancos, mas são criadas e mantidas porque têm potencial", diz.