Economia

Por que a volta de tarifas ao etanol pode fazer Trump retaliar o Brasil?

Cotas de importação do etanol americano sem tarifas acabam neste mês; depois, todo o combustível comprado dos EUA pelo Brasil voltará a ser taxado

Jair Bolsonaro e Donald Trump: de olho nos percalços da corrida eleitoral deste ano, o republicano quer agradar o eleitorado do interior do país (Kevin Lamarque/Reuters)

Jair Bolsonaro e Donald Trump: de olho nos percalços da corrida eleitoral deste ano, o republicano quer agradar o eleitorado do interior do país (Kevin Lamarque/Reuters)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 11 de agosto de 2020 às 15h04.

Última atualização em 11 de agosto de 2020 às 16h39.

Com o fim do mês de agosto, daqui a cerca de duas semanas, o etanol norte-americano deve voltar a ser totalmente taxado no Brasil, perdendo uma posição de privilégio que acontecia desde 2010.

A aproximação da data gerou reações do presidente Donald Trump nesta segunda-feira, que prometeu retalhar o Brasil com tarifas comercias caso o etanol norte-americano perca a isenção.

Com expectativa de parceria para alcançar novos mercados e de vender mais açúcar para os Estados Unidos, o Brasil decidiu, há 10 anos, isentar de tarifas a importação do biocombustível norte-americano, feito de milho.

Em 2017, mesmo sem avanços na parceria, o país não reverteu a decisão, mas manteve “apenas” 600 milhões litros numa cota livre de taxas, para impor algum limite na inundação de etanol de milho que chegava ao Brasil. Depois desse patamar, a importação era taxada como o previsto até 2010, em 20%.

Dois anos depois, em 2019, ainda na esperança de alguma compensação dos americanos, o país decidiu estender a cota para 750 milhões de litros. Mas as benesses aos produtores americanos estão perto do fim. A isenção acaba em 31 de agosto e todo o etanol importado pelo Brasil volta a ter a tarifa de 20%, estabelecida pelo Mercosul em 1995.

Apesar de o presidente norte-americano ter afirmado que o Brasil não age com reciprocidade, foram os Estados Unidos que não cumpriram a parceira, na avaliação do presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Evandro Gussi.

O país deveria aumentar a obrigatoriedade da presença de etanol na gasolina em seu mercado interno, para evitar excedentes em sua produção, e ampliar as compras de açúcar brasileiro, que hoje têm uma taxação de 140% nos Estados Unidos.

“A fala do presidente demonstra que ele não sabe nada sobre o tema. Ele diz que não quer tarifas, mas ignora que ela existe de 1995 e só foi suspensa. Ela não está sendo imposta. Ele esquece também que o EUA tarifa o açúcar brasileiro em 140%. A visão dele sobre o tema é: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, afirma Gussi.

De acordo com o Gussi, bastava os EUA aumentarem a mistura de etanol na gasolina de 10 para 11% para que dar conta do excedente do país, evitando pressionar outros países para fazer a importação do etanol de milho.

Para Gussi, o fim da taxação do açúcar brasileiro poderia compensar o fim das taxas ao etanol americano, se fossem com valores equivalentes. Assim, o setor no Brasil poderia até perder competitividade interna, mas as vendas de açúcar aos EUA garantiriam a receita.

Apesar de mais barato, devido aos subsídios oferecidos pelo governo, o etanol norte-americano é mais “sujo”. O combustível feito com a cana-de-açúcar reduz em até 90% as emissões de carbono na comparação com a gasolina. Já o de milho, feito nos EUA, reduz em 50%.

 

Produção de açúcar e etanol: berço do grupo Cosan, que hoje opera também combustíveis, lubrificantes, gás e ferrovias

Produção de açúcar e etanol: combustível brasileiro é mais verde que o dos EUA (Rodolfo Beuher/Reuters)

Concorrência

A permanência da cota de 750 milhões de litros sem tarifas ou a total desoneração da compra do combustível norte-americano, como quer Trump, poderia causar graves problemas para o setor do Brasil, que tem hoje estoques 40% acima do padrão, devido à pandemia do coronavírus.

Como os Estados Unidos dão subsídios ao setor de milho, o etanol de lá, sem tarifas, acaba chegando muito barato ao Brasil, sendo preferência das distruibuídoras de combustíveis.Em 2019, dos 1,4 bilhão de litros importados aqui, 1,3 vieram dos Estados Unidos.

Para o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, o governo brasileiro não deve sucumbir ao pedido de Trump.

“Embora respeitando a afinidade do presidente Bolsonaro e Trump, a lealdade do presidente tem que ser com 210 milhões de brasileiros. Eu não acredito também que o presidente Bolsonaro usaria esse tema para ajudar Trump na eleição americana, até porque isso seria ilegal. Como não tem justitfica econômica, nós estamos tranquilos. As mensagens que temos recebido do governo são de tranquilidade”, explicou Bussi.

As explicações internas

De olho nos percalços da corrida eleitoral deste ano, o republicano quer agradar o eleitorado do interior do país, que depende da produção e exportação agrícola. Pesquisas têm mostrado Trump atrás do democrata Joe Biden nas intenções de voto dos eleitores norte-americanos.

Na entrevista coletiva desta terça, Trump voltou a elogiar Bolsonaro nesta terça enquanto fazia as ameças.

"Não queremos as pessoas impondo tarifa a nós, embora eu tenha uma relação muito boa com o presidente Bolsonaro. Ele está indo bem, ele se recuperou da covid-19, o que é ótimo, eu envio minhas saudações", disse o presidente.

Mesmo com excedente de etanol de milho em seu país, os Estados Unidos ainda assim importam o combustível brasileiro. Do 1,9 bilhão de litros exportados em 2019, 1,1 bilhão foram para o país, principalmente para o estado da Califórnia, que prioriza a economia “verde”.

As ameças de Trump de impor tarifas a compras de bens brasileiros se somam a diversas movimentações que o presidente toma desde que assumiu defendendo os interesses de produtores norte-americanos, em vez da bandeira do livre-comércio, algo que sempre fez parte dos Estados Unidos. Em 2019, Trump chegou a ameaçar a taxar importações de alumínio, inclusive do Brasil, mas manteve o país com a posição de preferência que tinha.

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