Por que a meia-entrada encarece a inteira?
Na teoria, a meia-entrada pretende reduzir o preço pago pelos beneficiados. Mas, na prática, acaba aumentando o preço pago pelos demais
Da Redação
Publicado em 27 de setembro de 2015 às 16h38.
São Paulo - A lei brasileira da meia-entrada determina que estudantes e idosos paguem metade do valor do ingresso comprado pelas demais pessoas.
Num cinema , se a inteira custar 30 reais, a meia-entrada sai por 15. Logo, se não tivéssemos lei da meia-entrada, todos pagariam 30 reais, correto? Errado.
Na teoria, a meia-entrada pretende reduzir o preço pago pelos beneficiados. Mas, na prática, acaba aumentando o preço pago pelos demais. A ideia de estudantes e idosos pagarem metade do valor de ingressos equivale à existência de uma lei, ainda que informal, de preço dobrado para quem não tiver direito ao benefício.
Ambas as leis fixam exatamente da mesma forma apenas o chamado “preço relativo” dos ingressos para beneficiários em relação aos bilhetes vendidos aos não beneficiários. Se a inteira for 10 ou 20 reais, a meia deverá custar 5 ou 10, respectivamente. Mas a escolha do valor absoluto do ingresso (ou seja, a escolha entre um preço de 10 ou 20 reais para a inteira) é uma decisão do empresário . E, em geral, o preço escolhido por ele para a inteira será maior que o preço único que vigoraria se não existisse a lei da meia-entrada.
Para entender melhor, considere as seguintes duas hipóteses extremas.
No primeiro caso, você é produtor de shows do Roberto Carlos. O espetáculo promovido por você será num lugar inacessível para idosos e poucos estudantes gostam do rei (esta parte da hipótese não está muito longe da verdade). O público, portanto, é composto em sua esmagadora maioria por quem pagaria a entrada inteira.
Sem lei da meia-entrada, digamos que o preço que traria o maior lucro fosse 100 reais. E o que acontece, já que existe a lei da meia-entrada? Como poucos ou nenhum dos beneficiários vai ao show do Rei, nada muda. Você cobra 100 reais pela inteira e 50 pela meia, o que te traz o mesmo lucro, com ou sem a lei.
No segundo caso extremo, você está organizando uma festa para estudantes de faculdade, cujo público é integralmente de beneficiários. Digamos que, sem a lei da meia-entrada, você cobraria também 100 reais por cada ingresso. Mas, como essa lei existe e seu público é composto por beneficiários, você acaba fixando o valor da meia nos mesmos 100 reais do show do Roberto e, consequentemente, cobrará 200 reais pela inteira.
Nos dois exemplos, o preço único que existiria sem lei da meia-entrada era de 100 reais. No primeiro episódio, a inteira continuou custando os mesmos 100 reais e a meia (que ninguém vai comprar) passou a custar 50 reais. Logo, o valor pago pelos beneficiários da lei realmente cai pela metade, mas não há efeito prático algum. Nenhum beneficiário comprou o ingresso, não é mesmo?
Na segunda hipótese fictícia, no entanto, a meia-entrada passou a ser fixada nos 100 reais anteriores. E isso jogou o preço da inteira para o dobro: 200 reais. Assim, com um público repleto de estudantes, a consequência efetiva da lei é fazer esses consumidores pagarem a metade do dobro. Ou seja, o mesmíssimo valor, caso não houvesse a lei.
Essas duas historinhas nos ajudam a entender como funciona a situação mais corriqueira, quando beneficiários e não beneficiários frequentam o mesmo evento. Se o organizador cobra 100 reais na inteira e 50 na meia, ele vai receber pouca receita dos ingressos vendidos para quem paga meia. Em compensação, caso ele cobre 200 reais na inteira e 100 na meia, o preço elevado da inteira espanta parte significativa do público, os não beneficiários. Desse modo, o que ele faz? O empresário joga o preço da inteira, que traz o maior lucro, para cima, num valor intermediário entre 100 e 200 reais.
Fechando a conta: aposentados e estudantes se beneficiam, sim, embora menos do que as pessoas supõem. Mas isso acontece em detrimento do restante do público, que paga entradas mais caras.
* Economista e mestrando da Universidade de São Paulo (USP)
São Paulo - A lei brasileira da meia-entrada determina que estudantes e idosos paguem metade do valor do ingresso comprado pelas demais pessoas.
Num cinema , se a inteira custar 30 reais, a meia-entrada sai por 15. Logo, se não tivéssemos lei da meia-entrada, todos pagariam 30 reais, correto? Errado.
Na teoria, a meia-entrada pretende reduzir o preço pago pelos beneficiados. Mas, na prática, acaba aumentando o preço pago pelos demais. A ideia de estudantes e idosos pagarem metade do valor de ingressos equivale à existência de uma lei, ainda que informal, de preço dobrado para quem não tiver direito ao benefício.
Ambas as leis fixam exatamente da mesma forma apenas o chamado “preço relativo” dos ingressos para beneficiários em relação aos bilhetes vendidos aos não beneficiários. Se a inteira for 10 ou 20 reais, a meia deverá custar 5 ou 10, respectivamente. Mas a escolha do valor absoluto do ingresso (ou seja, a escolha entre um preço de 10 ou 20 reais para a inteira) é uma decisão do empresário . E, em geral, o preço escolhido por ele para a inteira será maior que o preço único que vigoraria se não existisse a lei da meia-entrada.
Para entender melhor, considere as seguintes duas hipóteses extremas.
No primeiro caso, você é produtor de shows do Roberto Carlos. O espetáculo promovido por você será num lugar inacessível para idosos e poucos estudantes gostam do rei (esta parte da hipótese não está muito longe da verdade). O público, portanto, é composto em sua esmagadora maioria por quem pagaria a entrada inteira.
Sem lei da meia-entrada, digamos que o preço que traria o maior lucro fosse 100 reais. E o que acontece, já que existe a lei da meia-entrada? Como poucos ou nenhum dos beneficiários vai ao show do Rei, nada muda. Você cobra 100 reais pela inteira e 50 pela meia, o que te traz o mesmo lucro, com ou sem a lei.
No segundo caso extremo, você está organizando uma festa para estudantes de faculdade, cujo público é integralmente de beneficiários. Digamos que, sem a lei da meia-entrada, você cobraria também 100 reais por cada ingresso. Mas, como essa lei existe e seu público é composto por beneficiários, você acaba fixando o valor da meia nos mesmos 100 reais do show do Roberto e, consequentemente, cobrará 200 reais pela inteira.
Nos dois exemplos, o preço único que existiria sem lei da meia-entrada era de 100 reais. No primeiro episódio, a inteira continuou custando os mesmos 100 reais e a meia (que ninguém vai comprar) passou a custar 50 reais. Logo, o valor pago pelos beneficiários da lei realmente cai pela metade, mas não há efeito prático algum. Nenhum beneficiário comprou o ingresso, não é mesmo?
Na segunda hipótese fictícia, no entanto, a meia-entrada passou a ser fixada nos 100 reais anteriores. E isso jogou o preço da inteira para o dobro: 200 reais. Assim, com um público repleto de estudantes, a consequência efetiva da lei é fazer esses consumidores pagarem a metade do dobro. Ou seja, o mesmíssimo valor, caso não houvesse a lei.
Essas duas historinhas nos ajudam a entender como funciona a situação mais corriqueira, quando beneficiários e não beneficiários frequentam o mesmo evento. Se o organizador cobra 100 reais na inteira e 50 na meia, ele vai receber pouca receita dos ingressos vendidos para quem paga meia. Em compensação, caso ele cobre 200 reais na inteira e 100 na meia, o preço elevado da inteira espanta parte significativa do público, os não beneficiários. Desse modo, o que ele faz? O empresário joga o preço da inteira, que traz o maior lucro, para cima, num valor intermediário entre 100 e 200 reais.
Fechando a conta: aposentados e estudantes se beneficiam, sim, embora menos do que as pessoas supõem. Mas isso acontece em detrimento do restante do público, que paga entradas mais caras.
* Economista e mestrando da Universidade de São Paulo (USP)