PEC do teto reduzirá tamanho do Estado, diz professor da FGV
“E sem a reforma da Previdência, o teto está fadado a não dar certo”, diz Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da FGV em São Paulo
João Pedro Caleiro
Publicado em 21 de outubro de 2016 às 12h41.
Última atualização em 21 de outubro de 2016 às 16h47.
São Paulo – “Não é só um ajuste que está na PEC do teto, é uma diminuição do tamanho do Estado”.
A avaliação é de Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.
Aprovada em primeiro turno pelo Congresso, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 define um teto para os gastos públicos com duração de duas décadas, corrigido a cada ano pela inflação do anterior.
Para o governo e grande parte dos economistas, a crise fiscal é a maior responsável pela crise atual e a medida é essencial para conter a trajetória explosiva de crescimento dos gastos e da dívida pública.
Para os críticos, a emenda vai prejudicar Educação e Saúde, cujos gastos também serão corrigidos pela inflação e não estarão mais vinculados ao tamanho da receita como hoje.
Marconi acha que o período de 20 anos é exagerado e também teme que investimento e políticas sociais sejam sacrificados em detrimento da Previdência, que cresce de forma inercial e pode achatar todo o resto.
“Sem a reforma da Previdência, o teto de gastos está fadado a não dar certo”, diz ele. Veja a entrevista concedida ontem para EXAME.com:
EXAME.com – O prazo de 20 anos não é longo demais? Não seria melhor ter um critério objetivo de vigência como a queda da dívida para determinado nível em relação ao PIB?
Nelson Marconi – Pois é. Uma coisa é fazer ajuste fiscal para ter contas em ordem, o que eu acho necessário, e outra é fazer uma definição de 20 anos que coloca uma redução da participação do Estado e vai cortar uma série de despesas prejudicando políticas sociais.
Poderiam ter colocado uma regra de teto até estabilizar a dívida, o que leva um certo tempo, ou até retomar o superávit primário.
Eu fiz uma estimativa de que isso demoraria uns 10 anos para acontecer, mas os pressupostos são conservadores: evolução significativa do gasto da Previdência, sem reforma, e crescimento baixo da arrecadação.
Se você faz um ajuste, começa a diminuir a taxa de juros ( o que já aconteceu nessa semana ) e retoma a economia. A arrecadação, que no curto prazo é o principal problema, voltaria com mais rapidez, assim como o superávit. Você pode dizer que essa é a meta e quando alcançar acaba a regra.
Seria mais razoável; do contrário você vai ter problemas de redução séria do tamanho do Estado e do investimento.
O que provavelmente vai acontecer é que o governo vai demorar para aprovar a reforma da Previdência então vai reduzir o investimento, se demorar ainda mais ele vai reduzir ainda mais o custeio, e aí vêm as despesas mais flexíveis com impacto em educação e saúde.
EXAME.com - A dúvida maior é essa. Muitos cálculos de perdas nessas duas áreas não consideram o fato de que elas ainda podem crescer se houverem cortes equivalentes. Mas como garantir isso diante do lobby de outras áreas por recursos?
Marconi - As áreas mais flexíveis para ajuste de despesa são investimento e custeio.
O investimento já foi sacrificado e precisaria na verdade ser retomado. Aí ele vai passar a sacrificar outras áreas que tem uma rigidez menor, como as de custeio, que a legislação não define como deve ser gasto.
Dentro disso, o peso das despesas sociais é muito grande: manutenção de saúde e educação, por exemplo. Então invariavelmente vai bater aí e teria que ter restrição, o que eu acho um problema. Significa corte em ambulância, manutenção das escolas, etc. Você pode dizer que tem uma gordura aí, mas é para o próximo governo e não para 20 anos.
EXAME.com – Mas se a economia se recuperar e a receita crescer de forma vigorosa, o Congresso vai se amarrar nesse limite por muito tempo? Você não acha possível que nesse cenário eles mesmos iriam revogar a medida antes?
Marconi – O Temer mesmo falou isso outro dia: que se a economia melhorar, o Congresso poderia rever a medida em um prazo menor. Eu acho que a lógica política seria essa.
Mas para mudar de novo precisa ter dois terços das duas casas em duas votações por emenda constitucional - o que não é tão simples. E você está restringindo um governo próximo de decidir como gastar. Tem um ciclo político aí que você está tentando neutralizar, o que não tão fácil de fazer.
EXAME.com – A sensação é que a medida foi desenhada dessa forma dura para fazer o ajuste de curto prazo no longo. Compra tempo e boa vontade para fazer outras reformas e fazer a economia se recuperar.
Marconi – Ok, mas não precisa de 20 anos para isso, é um exagero. Não é só um ajuste que está na medida, é uma diminuição do tamanho do Estado – e tem gente que acha ótimo, mas eu acho que chegamos em um ponto de participação em políticas sociais que não deveria ser revertido.
A despesa que precisa passar por um ajuste mais rápido e significativo é a Previdência. E não por causa do INSS e da Previdência urbana, que tem que mexer para evitar uma piora no futuro, mas pela Previdência dos servidores e da aposentadoria rural, que são os que mais afetam o resultado primário negativo.
Se não mexer aí, vai pressionar muito as outras despesas. Sem a Previdência, a PEC está fadada a não dar certo. A pressão vai ser tão grande que o governo vai precisar voltar atrás, não vai haver margem de manobra.
A PEC não vai melhorar o resultado fiscal de cara. Vai ter alguma influência sobre as expectativas, logicamente, mas o governo está direcionando uma força muito grande para o teto que deveria ir para a Previdência.
Para o teto, deveria colocar uma regra que permitisse mais investimento, ou que valesse até atingir o superávit, ou revista a cada governo, ou controlada em relação ao PIB. Desse jeito, está invertendo as coisas.
EXAME.com - Um dos argumentos é que há muito espaço para melhorar a eficiência do gasto e que o teto seria uma forma de pressão para que isso acontecesse. Há margem para isso?
Marconi - Vai ter uma pressão pelo uso melhor dos recursos, sim. Um estudo que fiz com o Felipe Salto no ano passado mostra que o governo pode ser mais eficiente; a gente estimou que o preço das compras do governo seria 40% maior do que no setor privado, em média.
Há espaço para ganhos, mas sobre gastos de custeio e investimento. Mas a Previdência depende das regras próprias e os juros dependem da política monetária, por exemplo. Já pessoal e uma série de outras despesas são obrigatórias, onde a margem de manobra é pequena.
Em custeio administrativo do Planejamento, por exemplo, o governo vem conseguindo ganhos de eficiência desde o ano passado. Já está nessa toada e mesmo que tenha espaço para fazer mais, não seria suficiente para compensar um déficit de 170 bilhões.