Economia

Opinião: Uma defesa da nota de 500 euros

"Desistir do dinheiro vivo aumenta as chances da catástrofe econômica" defende Jay L. Zagorsky, economista da Ohio State University

Duas notas de 500 euros em foto de estúdio (Angel Navarrete/Bloomberg)

Duas notas de 500 euros em foto de estúdio (Angel Navarrete/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 12 de fevereiro de 2018 às 08h00.

Última atualização em 2 de março de 2018 às 11h30.

Artigo de Jay L. Zagorsky, economista e pesquisador da The Ohio State University

Um mundo sem dinheiro vivo parece maravilhoso à primeira vista, porque seria conveniente e rápido. Você não precisaria sacar dólares ou euros com antecedência. Você não precisaria se preocupar com seu dinheiro sendo roubado ou perdido. Pagar pelas coisas com seu telefone é muito suave.

Muitos países ao redor do mundo estão se afastando consistentemente do dinheiro. Canadá, Reino Unido e Suécia abraçaram em grande medida a sociedade sem dinheiro vivo. Os Estados Unidos também estão firmes neste movimento, com as pessoas mantendo quantidades cada vez menores de dinheiro.

No entanto, a última onda de desastres naturais e falhas de segurança em entidades financeiras importantes expôs uma falha enorme desta tendência: quando a luz acaba, as linhas de telefone morrem ou informações de contas são roubadas, fica impossível utilizar caixas eletrônicos, cartões de débito e crédito e pagamento pelo celular - não importa o quão rico você seja.

Em outras palavras, desistir do dinheiro vivo aumenta as chances da catástrofe econômica que acontece quando as pessoas não podem mais intercambiar facilmente os bens que necessitam e desejam. A solução para esta questão de segurança nacional é simples: trazer de volta notas de valores altos como a de 500 dólares, que foi descontinuada em 1969.

Países estão abandonando o dinheiro vivo

Recentemente, alguns economistas notáveis sugeriram que os países caminhassem em direção a uma sociedade sem dinheiro vivo, com ações como eliminar a nota de 100 dólares.

Kenneth Rogoff, um professor de Harvard que também foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, escreveu no Wall Street Journal que eliminar o dinheiro reduz o crime ao assegurar que os que trapaceiam nos impostos, os senhores das drogas e os terroristas não podem financiar facilmente as suas atividades.

Se apenas notas pequenas forem permitidas, então pessoas que estão fazendo pagamentos ilegais precisarão de malas entupidas de enormes quantidades de notas de pequeno valor, como 5 ou 10 dólares. Isso é muito mais difícil do que usar discretamente um envelope pequeno recheado com algumas poucas notas de altíssimo valor.

Alguns países eliminaram notas de valor alto para reduzir a corrupção. A Índia em 2016 eliminou a nota de 500 rúpias (cerca de US$ 7,69) e de 1.000 rúpias por esta razão, antes de criar novas denominações.

Larry Summers, um economista que também foi presidente de Harvard e Secretário do Tesouro, argumentou pela eliminação da nota de 100 dólares e de 500 euros (cerca de 592 dólares) de circulação.

Alguns meses depois da sua recomendação, o Banco Central Europeu decidiu parar de emitir as notas valiosas até o final de 2018, em uma tentativa de reduzir a corrupção e o terrorismo. O Wall Street Journal reportou, no entanto, que ainda não existe nenhuma movimentação para matar Ben Franklin e sua nota de 100 dólares.

Os riscos de uma sociedade sem dinheiro vivo

Apesar de que eliminar notas de alto valor torna as transações ilegais mais difíceis, também introduz novos riscos. Uma sociedade sem dinheiro vivo que usa apenas cartões de crédito, cartões de débito e transferências eletrônicas é dependente de uma rede complexa para substituir o dinheiro físico. Esta rede precisa de três coisas para funcionar o tempo todo.

Primeiro, precisa sempre haver eletricidade para carregar os computadores e o armazenamento eletrônico. Segundo, a comunicação entre todas as partes da rede precisa estar disponível. Finalmente, a rede precisa ser segura, para que apenas transações de dinheiro autorizadas ocorram.

Todos estes três requisitos, fundamentais para uma sociedade sem dinheiro, foram quebrados recentemente de forma dramática.

Os furacões Irma e Maria devastaram Porto Rico em setembro. Muitas semanas depois, menos de 20% da eletricidade havia sido retomada, e ninguém sabia realmente quando o resto da ilha voltaria a ter luz.

E já que a eletricidade foi cortada para quase todas as cidades, a ilha inteira voltou para uma economia baseada no dinheiro vivo, cuja disponibilidade estava muito limitada. Cartões de débito e crédito não podiam ser usados porque não havia como processar transações ou energia para carregar terminais e leitores de cartão.

Incêndios florestais também devastaram o norte da Califórnia. Um dos problemas causados pelo fogo foi que as chamas destruíram várias torres de celular. Quando a rede telefônica cai, fica impossível contatar seus entes queridos e também fazer leitores de cartões de débito e crédito se conectarem à rede.

Sem conexão, aqueles sem dinheiro não podem comprar combustível para ir embora, pagar hotéis para abrigo temporário ou comprar comida.

A devastação em Porto Rico causada pelos furacões recentes mostra o que pode acontecer quando a sociedade é muito dependente do dinheiro eletrônico e há pouca oferta de dinheiro vivo.

Finalmente, aprendemos recentemente o quão insegura se tornou a rede que processa nossas transações e dados financeiros.

Como a maior parte das pessoas já não tem pilhas de cédulas e moedas, nosso dinheiro consiste de entradas em sistemas de dados de bancos e corretoras. Se essas entradas mudam ou desaparecem, a riqueza das pessoas some também.

O Pentágono está tentando assegurar que ciberataques não possam perturbar o sistema financeiro. No entanto, a capacidade de atores renegados, como a Coreia do Norte, está em alta. Ela foi implicada até no roubo de milhões de um banco taiwanês.

A quebra recente do banco de dados da Equifax e as invasões de hackers em várias outras instituições financeiras mostram que segurança é um grande problema.

Esses ocorridos mostram como são precários os três pilares da sociedade sem dinheiro e o quão rapidamente eles podem ceder.

Quando esta rede quebra, pessoas que não tem o dinheiro são forçadas a fazer escambo, e o escambo é devastador para uma economia, porque ele exige uma "coincidência dupla de necessidades".

Uma coincidência dupla significa que o seu desejo de trocar algo deve, por acaso, acontecer no exato mesmo momento em que alguma outra pessoa quer o que você está oferecendo e também tem algo que você quer.

Além disso, poucas pessoas em uma economia moderna detém muitos bens ou podem prover serviços que são úteis para o escambo.

Quando um desastre natural ou uma guerra explode, ninguém quer fazer trocas por uma coleção de bonecas antigas, cartões de beisebol ou porcelana.

Uma solução

Quando funciona, uma sociedade sem dinheiro é maravilhosa. Eu aprecio não precisar carregar notas ou me preocupar com elas quando viajo. As redes, quando funcionam, são incríveis. Já chequei meu saldo bancário na ponta de um deserto em Botsuana usando um caixa eletrônico e paguei meus impostos através de um celular em Tóquio.

No entanto, uma sociedade sem dinheiro significa que a economia de um país está vulnerável a qualquer coisa que cause uma disrupção de longo prazo na eletricidade, comunicação ou segurança. E estas ameaças estão em alta.

O número de desastres naturais atingindo os Estados Unidos está crescendo, e guerras não são mais combatidas usando apenas armas convencionais. Os computadores que hoje controlam um país têm um papel muito maior.

A transição para uma economia sem dinheiro torna um país mais vulnerável tanto a desastres quando a guerras. Defesa nacional não é apenas sobre botas, guerras e balas. É sobre manter uma economia funcionando o tempo todo.

O dinheiro pode garantir que uma economia não vai sucumbir em uma emergência, já que as pessoas com dinheiro ainda poderão vender e comprar.

A solução é simples. Os governos precisam retomar as cédulas de valor mais alto, como as de 500 dólares e euros. Há claramente desvantagens em trazê-las de volta, tornando mais fácil para a corrupção e o crime florescerem.

Mas eu acredito, no entanto, que as vantagens superam as desvantagens, particularmente em relação à utilidade do dinheiro durante desastres.

Se os governos trouxerem ou não de volta as notas mais valiosas, estoque algum dinheiro em casa no caso de emergência. Quando o desastre estiver prestes a acontecer e for a hora de fugir, ter dinheiro na sua carteira ou bolsa pode fazer a diferença. O dinheiro te dá poder de compra quando todo o resto falha.

Publicado originalmente no site The Conversation e traduzido por João Pedro Caleiro com permissão do autor

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