Gurría e Bolsonaro: secretário da OCDE disse em 2018 que o Brasil era favorito entre candidatos a membro do grupo (Montagem EXAME com fotos de Buda Mendes/Getty Images e Jason Alden / Bloomberg/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 18 de janeiro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 18 de janeiro de 2020 às 09h00.
São Paulo — Apoio dos Estados Unidos o Brasil já tem. Falta agora a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovar o ingresso do país no grupo do "clube dos ricos".
Criada em 1961, a OCDE reúne hoje 36 países e exige que seus membros se enquadrem em determinados padrões nos campos econômico, financeiro, comercial, social e ambiental.
O Brasil é parte de 82 dos 254 instrumentos normativos da Organização, segundo a Casa Civil, e está solicitando adesão a outros 65 instrumentos.
Isso não significa, no entanto, que o candidato que não tiver os 254 instrumentos será negado, explica Constanza Negri, gerente de política comercial da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
"Há países-membro da organização, inclusive, que têm menos instrumentos do que o Brasil tem hoje", diz. Mesmo porque, segundo a porta-voz, só uma minoria das medidas normativas são obrigatórias de fato, "o que a OCDE chama de vinculantes".
É inegável, porém, que o Brasil precisa, ao menos mostrar que busca avanços importantes para ser aceito, sobretudo em seu ambiente de negócios. O primeiro, segundo Constanza, diz respeito ao sistema tributário.
"O complexo e peculiar modelo tributário brasileiro é o que mais destoa com o adotado nos outros países. Além de estimular a cumulatividade, penaliza as exportações e cria muitas dificuldades para o ambiente de negócios", diz.
Essa necessidade foi ressaltada em abril do ano passado pelo ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), relator da reforma tributária no governo de Michel Temer:
“Não vamos ingressar na OCDE com este sistema tributário”, disse ele no evento 100 dias de governo Bolsonaro, realizado por VEJA e EXAME em São Paulo.
A boa notícia, segundo Constanza, é que há intensa discussão sobre essa questão, tema de propostas bem aceitas pelo mercado e que já estão em tramitação no Congresso Nacional.
"Isso mostra que o país está empenhado em mudar uma questão crítica para o relacionamento com outros países", diz.
A partir do momento que o país é aceito como candidato oficial, passa a realizar um exercício técnico chamado de avaliação de 360 graus (ou roadmap, termo em inglês que significa "mapa da estrada".)
"É nessa fase que o secretariado da OCDE vem aqui fazer um raio x nas diferentes politicas do país e pode pedir mudanças", explica Constanza.
Desse momento em diante, começa uma negociação entre o país candidato e a organização. Essa é a fase mais demorada, podendo levar em média dois anos.
Após isso, se correr tudo bem, o Brasil torna-se membro e um acordo final vai para o Congresso Nacional. Após sua aprovação, o Brasil pode, finalmente, assinar o acordo de adesão ao grupo.
A CNI atualizou neste mês uma lista de instrumentos solicitados pela OCDE e que são importantes para o mapa estratégico da industria.
Um deles são as diretrizes para governança corporativa de empresas estatais, o que falta no Brasil. Outro é um grupo de trabalho sobre suborno em transações comerciais internacionais.
Outros dois instrumentos pendentes, mas já em negociação, são os códigos de liberalização dos movimentos de capitais e de liberalização de operações correntes intangíveis (veja mais exemplos na tabela abaixo).
Para acelerar esse processo, a Casa Civil pretende criar até segunda-feira uma secretaria específica para lidar diretamente com a questão da OCDE, disse o ministro Onyx Lorenzoni nesta semana.
Lorenzoni não deu prazo para que o Brasil seja admitido formalmente no grupo, mas disse que o processo de adesão de um país à OCDE leva em média três anos.
Os Estados Unidos confirmaram nesta semana sua intenção de apoiar a proposta do Brasil de entrar na OCDE.
Esse posicionamento havia sido anunciado durante encontro entre Bolsonaro e o presidente americano Donald Trump, na Casa Branca, em março de 2019. Em outubro, porém, os EUA divulgaram uma carta para o órgão ignorando o Brasil e mostrando preferência ao ingresso imediato de Argentina e Romênia.
O cenário mudou após a posse do novo presidente argentino, o peronista Alberto Fernández, que entrou no lugar do liberal Mauricio Macri.
Além do Brasil, outros cinco países esperam uma decisão sobre pedidos de adesão à OCDE: Argentina, Romênia, Peru, Croácia e Bulgária.
Apesar de ter sido o último desses a pedir para participar do grupo, o Brasil é o país que tem a maior porcentagem de instrumentos exigidos pela OCDE, como mostra o gráfico abaixo.
O secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, já chegou a dizer em evento no Brasil, em 2018, logo após o pedido para fazer parte do grupo, que o país era o mais próximo de ser aceito.
O país é considerado "membro-chave" da OCDE desde 2012, assinou um acordo de cooperação com o órgão em 2015 e solicitou oficialmente a sua adesão em 2017, por iniciativa do governo Temer.