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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h23.
PERGUNTA
Qual será a linha política do novo governo?
O PT nasceu num berço sindical, mas ele já na maturidade representa segmentos amplos da sociedade brasileira. É um partido que almeja articular um pacto social juntando toda a sociedade civil; portanto, as suas raízes sindicais estão distantes. O PT tem sido governo em várias prefeituras importantes e estados e não tem nenhum comportamento corporativo. Eu diria que o PT é um partido de esquerda moderna, parecido com o Partido Socialista da França, com o Partido Trabalhista inglês, parecido com a esquerda italiana. Eu o colocaria nesse rol de partidos que pretendem, almejam uma sociedade capitalista -- porque o socialismo é algo totalmente indefinido hoje, não existe mais. Nós buscamos um capitalismo mais eficiente, porém humanizado. Nosso capitalismo tem deixado muito a desejar nestes oito anos que o Guedes chamou de social-democracia tucana. Acho que não é social-democracia, é mais um liberalismo tucano. Precisamos de um capitalismo que estimule a produção e, nesse ponto, quero discordar da fala do Octavio (de Barros), que colocou aí como eixo principal do novo governo uma obsessão de ter um superávit primário. Isso é realmente importante, e nós já nos comprometemos com ele. Mas, se ficarmos só orientados pelo superávit primário, vamos fazer o que fez o governo Cardoso em 1998, 1999: o que interessa é ter superávit primário e mais nada. A vulnerabilidade brasileira ainda existe e não se deve somente à questão fiscal, ela ainda se deve à questão dos recursos externos. O Brasil tem de ser mais competitivo, tem de fazer a reforma tributária. Ela pode ser feita no início e tem de viabilizar a redução do custo financeiro, a redução do spread bancário, e isso pode ser feito com mudanças na legislação.
PERGUNTA
Dá para confiar nesse pacto social?
Acredito que há um espaço, sim, nessa questão do pacto. É muito delicado, é muito complicado. Na reunião de quinta-feira (7 de novembro, a primeira reunião do pacto social), afirmei que tinha algumas preocupações com a questão do método, da forma e do tempo. Porque essa coisa de você dizer que vamos criar alguma coisa sem tempo para terminar... Quando você não tem tempo para terminar, geralmente não faz nada. Mas, se nós conseguirmos fugir dessa questão do assembleísmo, da tolerância com a discussão que não chega a lugar nenhum, tenho a impressão de que as pessoas que participarem desse pacto, desse conselho de desenvolvimento, poderão ser muito úteis. Em primeiro lugar, para transmitir à sociedade as possibilidades e dificuldades. Em segundo, para ajudar na pressão que tem de ser feita no Congresso para que muitas das reformas avancem.
Eu gostaria de acompanhar o espírito da resposta do Horacio, mas sou um pouco mais cético. Nesse ponto, pelo menos, estou mais com o Paulo Guedes. Os pactos se celebram primeiro substantivamente, por meio de uma agenda decisória, de um conteúdo de decisões que contemplem os interesses e as necessidades mais urgentes. Em segundo, pela instância apropriada, que é o Congresso Nacional. Tenho muito medo que esse tipo de mecanismo, ainda mais com uma pauta aberta e tempo indefinido, leve a uma proliferação de demandas. Quer dizer, tenho dificuldade de imaginar que a resultante das sugestões seja algo diferente de uma gastança, porque é difícil imaginar dezenas de grupos em volta de uma mesa apresentando seus pleitos em favor da austeridade. Parece mais provável que haja um viés de gastos aí, quando nós queremos o contrário, queremos um viés de contenção ou pelo menos de aprimoramento da qualidade do gasto.
Em segundo lugar, embora seja um severo crítico do Congresso Nacional e da nossa estrutura partidária, não abro mão da defesa da instituição. Acho que na democracia representativa é preciso sempre convergir para lá. Se há um pacto em gestação, mais uma razão para Lula ter uma robusta agenda legislativa que corporifique esse pacto.
Eu, quando disse social-sindicalismo, não quis de forma alguma ofender o PT. Até deixei muito claro que tenho grandes esperanças de que o partido transcenda o útero. Ao contrário, eu é que devia ficar muito ofendido. Não tenho culpa de as pessoas fazerem coisas malfeitas em nome do liberalismo. Deposito as maiores esperanças no PT exatamente porque lá nós temos médicos. E olha, Guido: você e o Mercadante, quando falam, são ótimos. A pergunta é se o PT está à altura. O médico (Antônio Palocci) é bom e o outro, o Zé Dirceu, é excepcional, tem comando. Vamos remeter essa agenda ao Congresso Nacional. É lá que é o fórum. Tem dinheiro que não acaba mais no Orçamento. Vamos tirar aí os fisiológicos do PFL, as cotas, as verbinhas que vão para o PMDB, para o PSDB. Tira isso e vocês vão achar dinheiro que não acaba mais. O verdadeiro pacto social está lá no Orçamento. Vocês acham que educação é importante? Mais recursos para educação, e menos para a Zona Franca de Manaus. O lugar do pacto é o Congresso. E o acordo tem de chegar ao Tesouro.
Uma parte das minhas observações cautelosas aqui é exatamente porque, ao contrário do Guido e do Paulo Guedes, eu participei do governo. Vivi um pouco esse mundo real. Se fosse tudo tão fácil, já teria sido feito. Acho que a inflação não teria se estabilizado se não tivéssemos usado a âncora cambial. O erro central foi não ter partido, no começo de 1997, para uma flexibilização do câmbio. Houve receio mesmo de fazer isso. Estou à vontade para falar porque propus a flexibilização do câmbio em fevereiro de 1997, exatamente para poder baixar a taxa de juro, para poder reduzir a dependência externa, para deixar de crescer a dívida pública em proporção tão alta.
Há uma questão macroeconômica efetivamente, acho que houve um equívoco no abuso da âncora cambial. Mas quero alertar que do ponto de vista do mundo real as coisas são um pouco mais difíceis. Por exemplo, o Paulo Guedes recomendou cortar o subsídio para a Zona Franca de Manaus, esquecendo que isso está nas disposições transitórias até 2003. Este país tem capacidade para resolver problemas, tem potencial gigantesco, mas não vamos nos iludir: ele é complicado. O Guido vai ver isso na hora em que sentar com o governador e começar a discutir o que é uma reforma tributária. O que eu concordo, aí sim, com o Paulo, é que existem certos momentos em que temos de ousar. Vou dar um exemplo concreto: não é possível ter taxas de impostos tão altas, que acabam criando uma indústria muito sofisticada de evasão fiscal, uma indústria de roubo de carga, de contrabando. Não tem escape, essa coragem vai ter de existir, a alíquota tem de ser diminuída para aumentar a base. Quanto à privatização, quero lembrar: toca telefone celular de vez em quando aí na platéia, é porque ela ocorreu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse momento a gente precisa ter fé. Acho muito importante dar um sinal positivo para o mercado, principalmente o mercado externo, que está com uma tolerância muito reduzida em relação ao nosso país. É preciso que tenhamos mais disposição do que ceticismo para que as coisas dêem certo.
Uma coisa é conversar com todo mundo, ouvir bastante, como um conselho consultivo. Outra coisa é o seguinte: onde é que é a arena? A arena é o Congresso. Não vamos nos desviar de lá. É para lá que tem de ir a agenda de reformas. Outra observação: a social-democracia em países ricos tem sofrido problemas. As eleições foram perdidas em Portugal, Espanha, Itália, França. O recado da Europa foi claro. Em 20 anos a geração de empregos na Europa com a social-democracia foi zero. Isso é literal, não é uma forma de expressão. Nenhum emprego. Enquanto isso a economia americana criou 1,3 milhão de empregos por ano durante 15 anos seguidos. Meu recado é o seguinte: não vamos matar a plantinha que é a idéia do vigor dos mercados. É uma espécie em extinção no Brasil. O empresário brasileiro está em extinção. Não é coincidência que o Lafer avô era ministro do Getúlio Vargas, o Lafer neto está na Fiesp. O maior empresário brasileiro há 25, 30 anos, desde que eu comecei a ler jornal, é o Antonio Ermírio de Moraes. Isso é falta de dinamismo. Isso é um quadro social estagnado. Então, minha última sugestão é pensar nos encargos, pensar numa coisa gradual. Vamos pegar esses encargos sociais, que são 100%, e reduzi-los: no primeiro ano caem para 80%, no segundo para 60%, no terceiro para 40% e no último para 20%. A mesma coisa em relação ao imposto de renda. Vamos reduzir 20% no primeiro ano, mais 20% no segundo etc. Testem. Tiveram a ousadia de meter a mão na poupança inteira, congelar tudo, tiveram a ousadia de congelar preço, de seqüestrar ativo, de laçar boi no pasto no Plano Cruzado... por que é que não fazem uma reforma tributária gradual?
Eu quero terminar com apenas uma observação. No Brasil parece que existe uma norma cultural de que nós nunca devemos dizer muito claramente que as coisas vão dar certo ou vão dar errado. Há uma expectativa de que nós digamos que elas sempre se ajeitam. Não gosto dessa interpretação. As coisas podem dar muito certo se nós tivermos a agenda certa. No início do governo Fernando Henrique nós vimos a oportunidade de um desenvolvimento muito maior que o alcançado. No Plano Cruzado nós vimos a oportunidade de uma coisa muito mais audaciosa. Não deu certo porque não fizemos dar certo. E pode dar muito, mas muito errado se nós não tivermos a agenda e a determinação. Um país com essa qualidade educacional que nós temos na educação primária, com esse temor diário que nós vivemos de andar pela rua, isso já está dando muito errado. Se nós perdermos tempo com uma agenda difusa, indefinida, com ziguezague, com incapacidade de escolher, vai dar errado, e muito mais errado do que está dando.
A política monetária precisa ser despolitizada definitivamente e o país precisa avançar de forma acelerada para a autonomia operacional do Banco Central. Temos que dar crescente autonomia, e é evidente que sem dominância fiscal. É importante que o PT defina logo quais são as metas novas e qual será a sua atitude em relação a esse tema da inflação, que é fundamental. Porque, se não levarmos a sério esse tema da inflação, vamos nos dar conta de que ingressaremos numa rota de financiamento inflacionário da economia. Se nós aumentamos nossa dívida interna supostamente para combater a inflação, não teria sentido nenhum agora chamar a inflação de volta para combater a dívida.
Temos um parque industrial dinâmico, pronto para responder aos desafios de um crescimento que esperamos que venha por aí. Temos um mercado potencial muito grande, que está represado. Se o governo conseguir criar as condições, mesmo que não sejam as condições ideais, mas se conseguir já soltar algumas amarras, acho que podemos, sim, ter uma evolução muito positiva e acho que as coisas podem dar muito certo.
O maior desafio das empresas não é projetar se o PIB cresce 1% ou 2,5%, é projetar o impacto que todas essas mudanças têm na sua estratégia. A coisa mais fácil é perder foco estratégico quando a gente está com políticas mais defensivas. É só olhar a bolha da internet, por exemplo. O desafio maior para os empresários não é fazer as projeções, é conseguir manter o foco estratégico na hora em que está entrando um governo novo, com uma proposta nova, encontrando um mundo com alguns problemas. Com juros altos e sem crédito é muito fácil uma política defensiva escorregar numa perda de foco, e aí a empresa sufoca. Esse é o verdadeiro desafio para administrar 2003 e, dentro dele, os que puderem desenvolver mais a exportação certamente estarão incorporando, recuperando uma parte desse foco estratégico.
Insisto numa visão moderadamente otimista para 2003. Existem vários problemas na economia brasileira, mas também grande potencialidade. Um dos problemas centrais é a reconquista da confiança e, portanto, do crédito. Isso pode ser conseguido, apesar dos cenários negativos. Aí já teríamos meio caminho andado para viabilizar o início de um crescimento sustentado no Brasil. Com isso não estou subestimando a gravidade dos nossos problemas. Não há essa elasticidade orçamentária que o Paulo Guedes sugeriu, realmente o Orçamento é muito engessado. Não é com verba orçamentária que você vai promover um crescimento no país. Será preciso mobilizar verbas extra-orçamentárias, criar condições para que o setor privado faça a recuperação, aumente os investimentos. Há uma agenda clara, determinada, cujo foco é começar desde já a discutir no Congresso a elaboração das reformas que deverão ser aprovadas no próximo ano. O novo governo está tentando articular uma base de sustentação no Congresso. A agenda é muito clara: reforma tributária, reforma previdenciária, reforma política. A reforma tributária não é tão difícil quanto a gente imagina. Os novos governadores, o Congresso vão estar sob o foco da sociedade e é aí que entra a questão do Conselho. Ele não é uma instância de decisão, é uma instância de consulta. Vários segmentos da sociedade civil se queixavam de que o governo anterior não tinha uma instância de interlocução. Então, o nosso presidente agora se comprometeu a ouvir.