O Banco Central está certo ao elevar os juros?
Os economistas Kenneth Rogoff e Robert Hetzel têm opiniões divergentes sobre como tratar a questão da inflação
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h03.
Kenneth Rogoff é professor da Universidade de Harvard e ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional. Foi também diretor do Harvard Center for International Development. É um especialista em finanças internacionais e macroeconomia. Robert Hetzel é pesquisador do Federal Reserve, o banco central americano, em Richmond, no estado da Virgínia. Obteve seu doutorado em economia na Universidade de Chicago e se especializou no estudo da atuação de bancos centrais no controle de inflação. Os dois responderam a perguntas da Exame sobre a crise da comida e do petróleo e a atuação dos BCs:
EXAME - O mundo está sofrendo com uma explosão de preços de petróleo e comida. Esse fenômeno aumenta a inflação brasileira. Como a causa do fenômeno é externa, o Banco Central deveria subir os juros ou deixar a inflação crescer dentro da margem de tolerância da meta?
Rogoff - Os bancos centrais de vários países estão percebendo que a inflação da comida e do petróleo é, em parte, conseqüência de uma longa temporada de juros baixos demais, principalmente nos países centrais como os Estados Unidos, a China e os países da União Européia. Acredito que os aumentos de comida e energia são a primeira manifestação de uma dinâmica inflacionária mais profunda. Os bancos centrais serão obrigados a praticar uma política monetária mais dura, com ou sem recessão nos Estados Unidos.
Hetzel - Com juros de curto prazo de 11,75% e uma previsão de inflação de 5%, o Brasil fica com uma taxa de juros real de 6,75%. É um patamar muito alto, especialmente considerando que o país tem acesso a financiamentos internacionais. Dessa forma, é difícil imaginar que a inflação fuja de controle. O Banco Central deveria deixar que o choque de preços causado pelo aumento de commodities, como comida e energia, gere um aumento temporário de inflação, desde que isso não ultrapasse limites que causem alarme.
EXAME - No Brasil, foi correto o Banco Central agir de forma abrupta e surpreender o mercado financeiro com um aumento da taxa de juros maior do que o esperado?
Rogoff - Sim, o Banco Central do Brasil está correto em antecipar o problema, ao invés de arriscar os enormes benefícios que o país conquistou ao controlar a inflação na década passada.
Hetzel - O banco central brasileiro só deve agir se perceber que está perdendo credibilidade. Para isso, deve ficar atento a taxa de câmbio e aos mercados de títulos para detectar impactos da taxa de inflação corrente nas expectativas futuras de subida dos preços. Afinal, qual é o benefício de construir credibilidade, se o BC não pode usá-la para evitar crises na economia real?
EXAME - Por que a taxa de juros real brasileira é tão alta?
Hetzel - Existem duas razões possíveis. A primeira é que os agentes econômicos esperam uma taxa de crescimento alta no futuro. Nesse caso, a explicação é que os indivíduos querem gastar hoje por conta dessa boa expectativa e, para contê-los, é preciso uma taxa alta. De outra maneira, a demanda agregada da economia cresceria mais rápido do que a capacidade de produção. A outra razão é o caso em que há um risco alto de calote da dívida do país, talvez causado por um rápido aumento de inflação. O Brasil é um país rico, mas que não tem tido um governo estável. Como isso mudou nos últimos anos, talvez o aumento de otimismo explique a necessidade de taxas de juros tão altas para conter a inflação. As respostas para essas questões nunca são claras de imediato. Mas o choque inflacionário derruba o padrão de vida das pessoas. Uma recessão só exacerbaria esse sofrimento.
EXAME - Alguns críticos dizem que o Banco Central teve de aumentar a taxa de juros agora, porque, devido à pressão política por crescimento, derrubou-a rápido demais em 2007. Como distinguir se o aumento recente da inflação brasileira foi causado por um choque vindo do exterior ou por erro na administração da taxa de juros?
Rogoff - Estamos observando que bancos centrais ao redor do mundo, independentemente da forma como atuam, estão se confrontando com a mesma dinâmica de inflação. Isso é um sinal muito forte de que a tendência de alta na inflação está sendo causada por um choque global. Por isso, será mais difícil para os bancos centrais controlarem a inflação sem derrubar o crescimento. Os próximos dois anos serão um teste importante para os regimes de meta de inflação, como o brasileiro. O sucesso recente de muitos deles ocorreu em um ambiente econômico muito benigno. No momento, com vários países sofrendo com a volta moderada da estagflação, a vida ficou mais difícil. Para contar com apoio a políticas de controle da inflação, os governos terão de explicar ao público que seus países estão enfrentando, devido à piora da economia mundial, um desafio muito mais difícil.