Economia

Não se luta guerras usando mercados, diz autor de plano contra covid-19

Glen Weyl, pesquisador da Microsoft, aposta em testagem e rastreamento e crê em restrições futuras a viagens "de país irresponsável para pais responsável"

Glen Weyl no Bloomberg Equality Summit em Nova York em março de 2019 (Bess Adler/Bloomberg)

Glen Weyl no Bloomberg Equality Summit em Nova York em março de 2019 (Bess Adler/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 10 de maio de 2020 às 08h00.

Última atualização em 10 de maio de 2020 às 08h00.

O combate ao coronavírus e a retomada da atividade econômica não são objetivos opostos, e sim complementares. Este é o consenso que surge com os exemplos de países que estão controlando a doença e nos estudos das universidades de ponta, como mostra a última reportagem de capa da EXAME.

Recentemente, o Centro de Ética Edmond Safra, da Universidade de Harvard, lançou um “Mapa da Estrada" com apoio de 23 estudiosos. Um dos coordenadores foi o economista Glen Weyl, pesquisador da Microsoft, fundador da RadicalxChange Foundation e autor de "Mercados Radicais" com Eric Posner.

"Se você supõe que a escolha é entre rendição ao vírus ou congelamento econômico, os objetivos são opostos. Mas se a ideia é ter o custo econômico mínimo com impacto em saúde máximo, a abordagem é totalmente diferente" diz Weyl em entrevista exclusiva para a EXAME realizada na semana passada.

O plano divulgado, pensado para os Estados Unidos, mas adaptável para outros países, é baseado na estratégia TTSI: testagem, rastreamento e isolamento social, na sigla em inglês. A meta é fazer 20 milhões de testes por dia (6% da população americana) até o final de julho.

O custo estimado é altíssimo, de US$ 50 bilhões a US$ 300 bilhões ao longo de dois anos. No entanto, empalidece diante do custo da quarentena coletiva: US$ 100 bilhões a US$ 350 bilhões por mês.  E, mesmo com o dinheiro, será um enorme desafio logístico e tecnológico, comparável a um esforço de guerra.

"Não lutamos guerras através de mercados, lutamos guerras através de cadeias integradas de suprimentos", diz Weyl. Veja a entrevista:

Há uma oposição entre objetivos de saúde pública e de economia?

Se você supõe que a escolha é entre rendição ao vírus ou congelamento econômico, os objetivos são opostos. Mas se a ideia é ter o custo econômico mínimo com impacto em saúde máximo, a abordagem é totalmente diferente: mobilizar a economia para produzir os resultados de saúde necessários.

Em uma época de guerra, você perguntaria se a questão é a economia ou ganhar a guerra? Você precisa da economia operando em capacidade máxima precisamente para conseguir o objetivo de vitória.

A pressão por reabertura rápida desconsidera a psicologia do consumidor. Com muita incerteza, reabrir não será suficiente para reativar a economia. Qual o papel da confiança nesse processo?

O que está travando a economia é o medo das pessoas em sair, não as ordens para ficar em casa. As autoridades de saúde poderiam até tranquilizar as pessoas e fazer com que retornem para a economia. Mas se fizerem isso quando não for seguro de fato, estarão minando a confiança no sistema, necessária para termos qualquer chance de uma economia funcional na pandemia.

Seria um enorme erro dar falsas garantias só porque queremos magicamente voltar ao trabalho em meio a um vírus como esse.

Um dos pilares do relatório é testagem. Países que conseguiram conter a doença inicialmente, como a Coreia do Sul, usaram isso. Mais algum teve sucesso após o vírus já estar disseminado?

Austrália e Nova Zelândia, mas nunca chegaram a ser afetados de forma tão intensa. A Alemanha fez um bom progresso, mas não diria que já tiveram sucesso. A verdade é que nenhum lugar controlou a doença depois de ter chegado ao nível de penetração dos EUA, Europa e o Brasil. Nesse sentido, é sem precedentes. Mas todo país que controlou a doença o fez através de TTSI.

Mas o nível de testagem que vocês pedem exige economias de escala e inovação. É possível fazer algo do tipo localmente, ou isso exigiria coordenação federal em países grandes como Brasil?

Não precisa ser feito pelo governo federal, pode ser feito por um consórcio de estados ou municípios trabalhando juntos. Mas sim, requer escala e não pode ser feito de forma descentralizada.

Esta ideia é adaptável ou é pensada apenas para o contexto americano?

Definitivamente adaptável para outros países ricos. Nos EUA está claro que é muito melhor, considerando o custo de congelamento econômico contra o custo do plano. Em países pobres, é mais complicado.

O fardo do lockdown é tão pesado que é menos óbvio que vale a pena, especialmente se a doença já tiver progredido muito. Mas provavelmente sim.

Hoje não há incentivos claros para o setor privado criar escala para testes, por exemplo. Como isso funcionaria? Seria positivo relaxar regulações para empresas gerarem inovação, por exemplo?

O problema agora é que quem compraria, não está deixando claro qual é o valor dos testes para a sociedade. Não é um problema de falha de mercado no sentido tradicional, é uma falha do público entender quais são os seus alvos e dar um rumo claro para o setor privado.

Não lutamos guerras através de mercados, lutamos guerras através de cadeias integradas de suprimentos. É por isso que toda a logística militar é feita por sistemas de tecnologia militares. Porque você precisa rapidamente produzir a coisa certa, e é muito difícil para um sistema muito descentralizado atingir a coordenação necessária para esse tipo de logística just in time.

Uma parte critica disso é abrir caminho para experimentação com tratamentos, e permitir que as pessoas mudem o uso das suas fábricas e instalações de forma muito rápida ao invés de encarar barreiras regulatórias, além de mudar de profissão de uma forma que geralmente não seria permitida.

Na questão do rastreamento, falamos em uso da tecnologia. Seria possível utilizar produtos de empresas e aplicativos que já são utilizados, por exemplo?

Há muita atenção no rastreamento via tecnologia, mas ele não é a principal nem a maior ferramenta. A tecnologia básica, que tem sido usada por muitos anos, é a do contato manual: colocar pessoas falando com quem pegou a doença para entender com quem eles tiveram contato. Isso funciona melhor.

A tecnologia é burra, porque ela entende localização, mas não em quem você estava tocando e com qual distância. A tecnologia é mais útil para alertar as pessoas que estiveram no mesmo espaço público que você e talvez tenham sido expostas ao vírus. Tecnologia é um suplemento, não um substituto.

Há muita discussão sobre qual será o nível de queda e de recuperação. O que já podemos inferir de países que estão mais avançados no ciclo? Você é otimista sobre uma recuperação rápida?

Tudo depende do controle da doença. A região mais atingida da China teve uma queda de atividade entre 30% e 40%. Então creio que veremos uma queda muito acentuada.

A resposta sobre a velocidade do retorno depende do quão rápido conseguimos implementar algo como TTSI, permitindo ou mesmo encorajando a atividade, ou se vamos acabar ligando e desligando o distanciamento social extremo por meses ou mesmo anos.

Se chegarmos nessa situação, veremos essa queda extrema por um período extenso e vai ser cada vez mais difícil de se recuperar, devido ao alto nível de incerteza e pouca capacidade de planejamento.

Viagens internacionais e eventos terão que esperar por uma vacina?

Não estou tão certo disso. Creio que poderia haver viagens entre países que tem programas TTSI, porque eles poderiam basicamente confiar nas medidas do outro. Mas não haveria possibilidade de viagem de um país irresponsável para um pais responsável, pois isso minaria os esforços.

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