Economia

"Milagre econômico" e desigualdade social: o contraste da ditadura

Apesar do crescimento acelerado na economia brasileira durante a ditadura militar, houve aumento na concentração de renda do país

Posse de Castelo Branco como Presidente da República, 1964: “Para que o reajuste do salário mínimo fosse alterado, os militares limitaram o direito à greve e lideranças sindicais passaram a ser perseguidas” (Arquivo Nacional/Divulgação)

Posse de Castelo Branco como Presidente da República, 1964: “Para que o reajuste do salário mínimo fosse alterado, os militares limitaram o direito à greve e lideranças sindicais passaram a ser perseguidas” (Arquivo Nacional/Divulgação)

Isabela Rovaroto

Isabela Rovaroto

Publicado em 31 de março de 2019 às 14h24.

Última atualização em 1 de abril de 2019 às 12h35.

São Paulo — Ao longo da trajetória política de Jair Bolsonaro, não foram poucas suas declarações positivas sobre a ditadura militar. Definido pelo presidente como “o melhor período do país”, o regime instaurado pelas Forças Armadas de fato foi responsável pela criação de empregos e pelo maior ritmo de crescimento econômico da nossa história. Contudo, é verdade também que a desigualdade entre ricos e pobres cresceu, houve a desvalorização dos salários e um aumento sem precedentes da dívida externa.

Um dos argumentos utilizados por defensores do regime militar é o “milagre econômico”, período conhecido pelo grande avanço da economia do Brasil que, entre 1968 e 1973, cresceu, em média, mais de 10% ao ano. Só em 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil avançou 14%, o maior ritmo já alçando.

Entretanto, o que o PIB não é capaz de mostrar é que a distribuição de renda ao longo desses seis anos ocorreu de forma desigual.

Os primeiros anos do regime militar foram marcados por reformas e ajustes econômicos. Uma das primeiras medidas adotadas para garantir o crescimento acelerado foi a alteração do reajuste do salário mínimo. Com o objetivo de conter o crescimento dos salários, a nova lei salarial não garantia que a correção dos salários fosse feita de acordo com a inflação.

“Para que o reajuste do salário mínimo fosse alterado, os militares limitaram o direito à greve e lideranças sindicais passaram a ser perseguidas”, explicou Pedro Paulo Bastos, professor e pesquisador da Unicamp. “Entre 1964 e 1967, o salário mínimo caiu em torno de 35%”.

Classe média

A ditadura militar também foi responsável por políticas de desenvolvimento das cidades. Em 1966, durante o governo do marechal Castelo Branco, foi criado o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que recolhe parte do salário dos trabalhadores com carteira assinada. O recurso era encaminhado ao sistema financeiro da habitação. Uma parte era transferida aos bancos privados, responsáveis por empréstimos imobiliários. O crédito porém, não era acessível a toda população.“Os bancos privados destinaram os recursos aos setores mais ricos da sociedade, que passaram a ter acesso ao crédito subsidiado pelo Estado para o financiamento de moradia”, afirmou Pedro Paulo Bastos.

A outra parte da verba arrecadada com o FGTS era destinada a construção de moradias no subúrbio das grandes cidades. Com os investimentos em infraestrutura, essas regiões foram valorizadas e muitas construtoras e empreiteiras enriqueceram. “O investimento público e o consumo das famílias de alta renda foram responsáveis pelo início do crescimento econômico e nos anos 1970 atraíram o investimento privado para o Brasil”, explicou o pesquisador.

A melhora da atividade econômica também se deu em boa parte por conta do mercado externo favorável. Além dos investimentos estatais, o regime militar contou com o crédito estrangeiro para desenvolver o parque industrial e realizar obras de infraestrutura. O resultado foi a abertura de novos vagas de emprego no mercado formal e a expansão do mercado interno.

Em 1973, no entanto, o Brasil passou a sofrer com os efeitos de uma crise externa. O aumento da tensão entre países membros da Opep - que reúne os maiores exportadores de petróleo do mundo - fez com que os preços do insumo disparassem. A tensão externa perdurou por alguns anos, gerando novos estopins, e o modelo baseado em exportações e crédito estrangeiro que o Brasil vinha adotando até então passou a ser insuficiente para impulsionar a economia nacional.

"Apartheid urbano"

No campo, o período da ditadura é marcado por um grande êxodo rural. Ao longo do "milagre econômico", cerca de 10 milhões de pessoas migraram para as cidades. Sem qualificação, a mão de obra barata se concentrou na construção civil e na prestação de serviços. “O 'apartheid urbano' brasileiro acontece nesse período. A população pobre cresce nas periferias sem acesso aos serviços público e aos melhores empregos”, afirmou Pedro Paulo Bastos. Hoje, segundo dados do IBGE, só 16% da população vive no campo. 

Em termos econômicos, houve uma melhora na renda da população inteira. De acordo com Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o bem estar econômico da população cresceu, mas a falta de investimento na qualificação para o mercado de trabalho foi responsável pelo aumento da desigualdade. “Com o crescimento econômico foi necessária mão de obra qualificada, mas com o baixo investimento em capital humano, ela não estava disponível. Na ditadura, cresceu a distância entre a renda dos mais escolarizados e os mais pobres”.

Diferente de outros países que viveram um regime de fechamento político, como a Coreia do Sul, não houve por parte dos militares uma preocupação em investir em educação. A alta da desigualdade social criada durante a ditadura só foi revertida no século XXI. “O Brasil continua com uma desigualdade muito grande, mas foi apenas nos anos 2000 que o país conseguiu zerar o alto índice de desigualdade social econômica criado durante a ditadura militar, retomando o índice do início da década de 1960”, explicou Neri.

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