Joaquim Levy: a redução da meta fiscal foi um revés para o ministro (REUTERS/Paulo Whitaker)
Da Redação
Publicado em 3 de agosto de 2015 às 16h53.
São Paulo — O corte na meta fiscal do país, em julho, trouxe a percepção de que o ministro Joaquim Levy perdeu poder. A revista EXAME conversou com três especialistas sobre isso. Veja o que eles disseram:
Cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília
EXAME — O ministro Levy encolheu com o anúncio da nova meta fiscal?
Fleischer — Dilma e o próprio ministro Levy não admitem isso, mas o anúncio foge do que queria o ministro Levy. O ministro queria segurar as metas por mais tempo. Então, foi um revés, mas temporário. O ministro conseguiu se equilibrar no cargo.
Imagino que a estratégia dele neste momento seja a de encarar a realidade difícil da economia do que ficar acreditando em previsões otimistas demais – e que depois não se realizam e ter que se desdizer publicamente. Era o que costumava acontecer com o ministro Mantega.
O Levy não quer repetir essa postura. Esse realismo diante de uma economia desafiadora pode ser bom para o ministro Levy no médio ou longo prazo. Pode inclusive fortalecer a posição dele no governo.
Levy era o avalista do governo no início do mandato. E agora?
Ele continua sendo avalista, não tanto pelos resultados que entregou, mas porque a confiança dos agentes econômicos no resto do governo é muito ruim.
A presidente Dilma achou no início do segundo mandato que manter um discurso de austeridade ajudaria em sua popularidade. Aconteceu o contrário – ela perdeu apoio de suas bases com a mudança de posição.
O ministro Levy continua sendo bem-quisto pelos empresários porque continua mantendo sua posição. E como o ajuste fiscal de 2015 está incompleto, em boa medida por responsabilidade do Congresso, que votou emendas que vão na direção contrária à contenção de gastos, a necessidade de um ajuste fiscal deve continuar pelos próximos anos.
Existe uma percepção no mercado de que sem o ministro Levy as coisas poderão ser ainda piores. É uma espécie de ameaça que deve ajudar a manter a força do ministro Levy. É uma carta na manga do ministro.
Não dava para ter tentar por mais algum tempo atingir a meta fiscal?
Em teoria, sim. O próprio ministro queria fazer o anúncio no segundo semestre, mas a perspectiva econômica piorou rapidamente desde o começo do ano, quando foram lançadas as bases para o ajuste fiscal.
A arrecadação de impostos caiu, ao contrário do que se esperava. Insistir numa meta baseada numa realidade que não existe mais seria ruim para a condução do ajuste.
Professor de direito na Fundação Getúlio Vargas e sócio-fundador de Sundfeld Advogados
EXAME — O ministro Levy encolheu com o anúncio da nova meta fiscal?
Sundfeld — Sim. Pode-se dizer que o ministro Levy não conseguiu se impor diante de um governo que não carregou a bandeira do ajuste fiscal na campanha eleitoral. Nos últimos seis meses houve um enfraquecimento do ímpeto inicial do ajuste.
Além disso, ele não conseguiu colocar uma agenda positiva pós-ajuste. Colaboraram para isso a desorganização fiscal do governo Dilma 1 e os enormes desafios políticos de um governo que reúne muitos setores com opiniões discordantes.
Diante da falta de resultados, esfriou a capacidade do ministro em recuperar a economia.
Não estamos desistindo da meta fiscal cedo demais? Poderíamos tentar mais um pouco?
Sim, mas a questão vai além disso. Havia um risco jurídico para o governo em manter a meta fiscal em 1,2%. No ano passado, as contas do governo quase foram rejeitadas pelo Congresso porque decidiu-se mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias em dezembro, às vésperas do segundo mandato, uma vez que a meta de 2014 não tinha sido entregue.
A presidente Dilma não pode correr o mesmo risco em 2015 – até mesmo porque ela está sendo julgada pelos desequilíbrios fiscais do ano passado.
Ao sinalizar, agora, que a meta fiscal não será batida, ela ganha tempo para o Congresso votar alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015 e evitar o mesmo risco do ano passado. Será difícil explicar a mudança no Congresso, numa crise política como o atual, mas é menos arriscado fazer isso agora do que no fim do ano.
Qual efeito disso no ânimo dos empresários e agentes econômicos?
Mostra que o governo não consegue gerar alternativas viáveis e em quantidade suficiente para usar bem seus recursos. Mostra uma paralisia. É um governo que não consegue governar.
É um governo que dividiu ministérios entre vários partidos e grupos e não os consegue mobilizar em torno de uma resposta para a economia.
É um governo que, em vez disso, fica administrando o dia a dia, sem fazer o que uma situação gravíssima como a atual na economia exige. Paulatinamente isso causa uma corrosão na confiança de empresários.
No começo do ano, o ministro Levy era considerado um avalista do governo Dilma 2. A imagem mudou?
Não. Ele continua sendo para os agentes econômicos uma grande esperança num governo completamente perdido. Em seis meses ele criou uma trânsito invejável com políticos da base aliada. E ninguém entre os agentes econômicos duvida da capacidade de trabalho e competência dele.
As tentativas dele de colocar o ajuste fiscal em pé nesses seis meses são um exemplo disso. A questão é que o desafio dele é alto demais. A presidente Dilma não foi eleita com a plataforma de ajuste fiscal. É difícil para ela deixar o ministro Levy como protagonista do governo. No entanto a corrosão dos indicadores econômicos está muito forte.
Podemos chegar a uma situação em que o ministro Levy será a última esperança de manter o governo em pé. Foi o que aconteceu quando Fernando Henrique Cardoso foi chamado pelo ex-presidente Itamar Franco para o posto de ministro da Fazenda, em 1993. Itamar percebeu que não tinha mais condições de governar sozinho e FHC agiu como uma espécie de primeiro-ministro.
Foi o que salvou o governo de Itamar. Pode acontecer o mesmo agora, porque as demais opções da presidente Dilma estão se estreitando. Seria uma saída ousada, se for levar em consideração a personalidade centralizadora da presidente. A confiança no ministro Levy pode até ser reforçada caso ele consiga puxar uma agenda de reformas, como privatizações.
É correto dizer que a mudança da meta fiscal evidencia que venceu uma posição contrária à do ministro Levy?
Sim, mas a mudança foi baseada num risco muito concreto – o da presidente se complicar ainda mais na prestação de suas contas caso não consiga entregar um resultado fiscal também em 2015. A posição do ministro continua com prestígio em setores do governo.
Diretor-presidente do Centro de Liderança Pública e mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School
EXAME — O ministro Levy encolheu com o anúncio da nova meta fiscal?
D´Ávila — Sim, existe um grande cabo de guerra entre os ministérios da Fazenda e do Planejamento e o ministro Levy saiu perdendo. Foi uma boa oportunidade para o ministro ir embora do governo, pois ele foi derrotado no âmago de sua estratégia para consertar a economia.
Não dava para ter esperado mais tempo para mudar a meta fiscal?
Certamente, mas o governo fez uma escolha pela sobrevivência política. Com uma meta mais relaxada, o governo quer usar parte desses recursos para cooptar os governadores para uma agenda mais próxima dos interesses do governo. Dessa maneira, quer tentar diminuir a pressão que sofre do Congresso.
Qual o efeito da redução da meta fiscal sobre o ânimo dos empresários?
Analistas econômicos e empresários de modo geral já esperavam uma revisão na meta, por causa da fraca atividade econômica do primeiro semestre.
Acontece que a nova meta fiscal veio abaixo do que se esperava, algo em torno de 0,8% do PIB. A meta de 0,15% é frustrante. Os esforços fiscais que estão sendo deixados de lado agora vão retardar a recuperação da economia. É uma sensação que abala a confiança de empresários e investidores.
No início do ano, o ministro Levy era tido como avalista do governo Dilma 2. E agora?
O ministro perdeu importância. A posição dele foi vencida. E, para piorar, estamos num círculo vicioso. A pauta do Congresso é muito ruim do ponto de vista fiscal.
Parece que cada deputado quer defender seu grupo de interesse colocando mais gastos na conta do governo. Fazendo uma analogia, é como se cada deputado quisesse defender a sua meia-entrada no cinema. Desse jeito, a posição do ministro Levy como avalista de governo sai enfraquecida.
É preciso ter um diálogo maior com o Congresso, que possa tornar deputados e senadores aliados das medidas fiscais e de uma agenda nacional baseada em medidas para recuperar as exportações, a competitividade da nossa economia.