Economia

Já é Natal: inflação, dólar e frete alto fazem varejo antecipar data

Com panetones e enfeites nas prateleiras, redes analisam troca de importados por produtos locais, como pirarucu no lugar do bacalhau

Segundo especialistas em varejo, dois tipos de cliente estão na mira do comércio. Saiba quais são (Bauducco/Divulgação)

Segundo especialistas em varejo, dois tipos de cliente estão na mira do comércio. Saiba quais são (Bauducco/Divulgação)

AO

Agência O Globo

Publicado em 25 de setembro de 2021 às 12h32.

O Dia da Criança ainda nem chegou, mas panetones, guirlandas, Papais Noéis e enfeites made in China já ocupam lugar de destaque nas prateleiras. No ano da inflação a 10% e do dólar a R$ 5,30, o Natal começa em setembro e o bacalhau corre o risco de ser desbancado pelo pirarucu, um concorrente local sem muita tradição no evento.

A invasão antecipada de importados e produtos típicos das festas de fim de ano nas gôndolas tem também um componente emocional. Para mudar o calendário das compras, o varejo conta com ingredientes como o avanço da vacinação e a vontade de passar as festas de fim de ano com a família após mais de um ano e meio de pandemia.

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Segundo especialistas em varejo, dois tipos de cliente estão na mira do comércio. No primeiro grupo estão os que viram o orçamento encolher em 2021 — com aumento da informalidade e do desemprego, que atinge mais de 14 milhões de brasileiros. Vão precisar de planejamento e prazo para compor a ceia. No segundo grupo estão aqueles que não foram tão afetados pela crise. Para estes, que não sentem a terra tremer com a escalada do dólar, o fim do ano pode ser o momento supremo da máxima “eu mereço”, ainda que qualquer promoção seja vista como um presente.

— Há o consumidor impactado pela pandemia, que vai optar pelo básico, em tamanhos econômicos. Vai fazer a pesquisa pelo melhor preço e optar por lojas de desconto. E há o não impactado, que vai buscar inovação e prezar por itens mais caros com maior benefício agregado, mas ainda de olho nos descontos — afirmou Felipe Santarosa, líder de Atendimento ao Varejo da NielsenIQ.

No Zona Sul, o gorro vermelho já compõe o uniforme e torres de panetones italianos e alimentos natalinos atraem a atenção de quem não tem medo do câmbio ou das calorias. Segundo o diretor executivo da rede, Pietrangelo Leta, a expectativa é trazer mais de 80 variedades de azeites e manter a oferta de bacalhau norueguês importado o ano inteiro. Mas manter o glamour não está sendo fácil nem barato. Foi necessário reduzir a margem de lucro para ter preços convidativos.

De acordo com Leta, o setor de alimentos já passa pelo quarto reajuste neste ano, o dobro do esperado. A rede já iniciou negociações para obter descontos de 5% a 8% nos produtos mediante a antecipação do prazo de pagamento de 60 para 30 dias.

O IPCA-15, a prévia da inflação de setembro, registrou a maior alta para o mês desde 1994, 1,14%. Alimentos e bebidas subiram 1,27% no período. No acumulado em 12 meses, o índice de preços já supera os 10%.

Mas se as estrelas da festa ficaram menos acessíveis com o preço do frete nas alturas, o jeito é dar espaço a alguns talentos locais. O Zona Sul estuda usar o pirarucu, peixe de águas fluviais nativo da Amazônia, como alternativa ao bacalhau e até ao salmão, para sashimi.

— Olhamos o que o mercado não oferece. Se o mercado está indo para o básico, as commodities, procuramos o diferencial. E também pensamos em uma forma de repassar menos os custos para o consumidor — afirmou Leta.

Mas o frete mais caro não é dor de cabeça só para os supermercados. Na Dora Presentes, na Saara, no Centro do Rio, guizos, enfeites, redomas de casinhas com chaminés envoltas em flocos de neve, árvores de Natal e Papais Noéis que não vieram da Lapônia, mas de Pequim, também tiveram seu preço afetado pelo custo do transporte dos produtos.

— O preço para trazer um contêiner da China para o Brasil aumentou sete vezes na comparação com os valores pré-pandemia — afirmou Leonardo Pena, que administra a loja.

Os produtos já tinham sido afetados pelos aumentos dos fornecedores, de 30% a 40%. Sem espaço para reduzir a margem de lucro, o jeito foi repassar parte dos reajustes.

Na loja, a procura por itens natalinos começa em janeiro, logo depois que a festa termina. Para inovar, este ano foram escolhidos itens que vão de estampas para capas de almofadas a passadeiras e até mesmo papel higiênico.

Depois de registrar o pior faturamento para agosto em quatro anos, Pena adiantou a venda da decoração natalina para o começo de setembro. Os produtos já representam 5% do faturamento da loja. Até dezembro, ele espera que esse percentual ultrapasse os 50% e que este Natal não seja igual àquele que passou.

— O Natal, para nós, é a data mais importante do ano. Como começamos a receber muita coisa em agosto, decidimos antecipar. A previsão é que a loja esteja totalmente arrumada para o Natal até o meio de outubro — afirmou.

Para Ulysses Reis, coordenador do MBA em Varejo da FGV, antecipar os produtos nas gôndolas e prateleiras é também uma forma de produzir expectativa e antecipação em relação às festas em um período particularmente difícil na economia:

— As pessoas estão querendo pagar menos. Os fornecedores estão com dificuldades porque concediam prazos maiores para os varejistas e maior flexibilidade. Tem um cenário de crise misturado com o impacto da fabricação parada nos últimos tempos.

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