Energia solar: Brasil tem a maior reserva de matéria-prima do mundo para a produção de painéis fotovoltaicos (William Hong/Reuters)
Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2014 às 18h05.
São Paulo - O leilão de energia solar que ocorrerá em outubro no Brasil será essencial para definir o papel desse segmento na matriz energética nacional e qual será o peso do país nos planos de investidores e fabricantes de equipamentos na expansão de seus negócios nesta área.
O Brasil tem a maior reserva de matéria-prima do mundo para a produção de painéis fotovoltaicos, mas tem optado por investir em fontes mais baratas como hidrelétricas.
Mais recentemente, porém, o governo federal se voltou para a energia solar, na esteira de uma crise hídrica que baixou represas de várias usinas no país a níveis críticos e a matriz elétrica nacional passou a mostrar limitações.
A quantidade de energia solar contratada no leilão de outubro --que sinalizará o apetite dos empreendedores para o segmento-- será essencial para definir se este é o momento para que a fonte entre definitivamente na matriz nacional.
A expectativa é de que o leilão contrate ao menos 500 megawatts em novos projetos.
Mas alguns especialistas do setor apontam que a disputa poderá viabilizar até 1.000 MW, suficiente para atender mais de 4 milhões de residências, considerando um preço-teto de entre 230 e 260 reais por megawatt-hora (MWh).
Como comparação, o leilão A-3 do início de junho vendeu cerca de 1.000 MW, a maioria de usinas eólicas, ao preço médio de aproximadamente 130 reais.
O preço de 230 a 260 reais por MWh é próximo do praticado no leilão do governo pernambucano em dezembro passado, mas que até agora não teve contratos assinados por dificuldade em se cumprir exigências.
Considerados todos os projetos fotovoltaicos cadastrados na Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para o leilão A-5 de 30 de setembro, há pelo menos 6 mil MW de projetos potenciais que poderiam participar do leilão só de energia solar em outubro.
Em setembro, a energia solar vai competir com outras fontes.
Além do resultado do leilão de outubro, condições de crédito específicas para a fonte influenciarão a decisão de fabricantes de equipamentos de instalar ou ampliar atividades no Brasil, proporcionando o desenvolvimento de uma cadeia de produção ao longo dos próximos anos, como aconteceu com a energia eólica.
Para empresas e grupos do setor, só o fato do governo ter garantido que fará um leilão em que a energia solar não terá que competir com outras fontes mais baratas é um sinal positivo.
O secretário executivo de energia de Pernambuco, Eduardo Azevedo Rodrigues, disse em evento recente na Alemanha, que várias empresas mostraram interesse no Brasil.
"A conversa que tivemos lá é que após o leilão federal as empresas vão atualizar o plano de negócios para considerar a atuação no país", disse.
Chineses, Suíços, Brasileiros
"Nós estamos muito animados em relação ao leilão, que poderá ser uma alavanca para gerar mais demanda", disse Markus Vlasits, gerente da chinesa Yingli Green Energy do Brasil, maior fabricante de paineis solares fotovoltaicos do mundo e que considera o mercado brasileiro estratégico para seu crescimento.
Além das placas solares, fabricantes de inversores --equipamento essencial para distribuir a energia solar na rede elétrica-- consideram vir ao país ou aumentar a produção aqui.
A suíça ABB é uma das potenciais candidatas a ampliar a fabricação de equipamentos no país.
"Isso está em estudo... Depende da demanda; acho que todo mundo está esperando ansioso o leilão", disse o gerente do segmento solar fotovoltaico da ABB no Brasil, Bruno Monteiro.
A brasileira WEG, que fabrica inversores entre outros equipamentes elétricos, afirma que já tem capacidade suficiente para atender imediatamente o mercado fotovoltaico nacional.
"O leilão de outubro tem previsão de entrega em três anos... Se (a demanda) for muito grande, temos três anos para nos preparar, isso é mais tempo que o necessário", disse o diretor-superintendente da WEG Automação, Umberto Gobbato.
No segmento módulos fotovoltaicos, se as condições forem favoráveis, o leilão também dá tempo para instalação de indústrias no país, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
Atualmente, o Brasil tem apenas uma fabricante de módulos solares, a Tecnometal, com capacidade de produção anual de 25 MW.
"O leilão dá tempo suficiente para aparecer pelo menos mais dois ou três fabricantes", disse o assessor do grupo de Geração, Transmissão e Distribuição (GTD) da Abinee, Roberto Barbieri.
BNDES?
Os investidores esperam que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) defina condições que viabilizem o empréstimo para a construção de usinas, sem forte exigência de conteúdo nacional num primeiro momento.
A expectativa é que a definição sobre o financimento, que deve incluir exigência progressiva de nacionalização da indústria solar nos próximo anos, saia até o começo de agosto, a tempo de potenciais candidatos do leilão definirem estratégias.
Barbieri, da área de GTD da Abinee, disse que uma das discussões atuais é qual o tempo viável para nacionalizar cada processo dentro da cadeia produtiva da energia solar.
O gerente da ABB Bruno Monteiro disse que os inversores solares representam até 15 por cento do investimento nas plantas de energia solar, enquanto os módulos - placas que convertem a luz do Sol em energia elétrica - respondem por entre 40 e 60 por cento. Para ele, se não é possível a produção local do módulo, pelo menos metade da planta não terá conteúdo local.
O Brasil tem a maior reserva de silício do mundo, matéria-prima para produzir células fotovoltaicas na geração de energia solar. Mas para que haja interesse de fabricantes em todas as etapas do processo produtivo no país é preciso haver escala.
Atualmente, o Brasil já transforma silício mineral para grau metalúrgico. Falta transformar o silício grau metalúrgico para grau solar e, depois, para célula fotovoltaica, utilizada na montagem dos painéis solares que geram a energia.
A transformação de silício grau solar em célula fotovoltaica já chegou a ser feita no Brasil na década de 1980 pela empresa Heliodinâmica, que posteriormente fechou.
"Essa tecnologia é conhecida no Brasil, não é absurdo fazer isso, o problema é o custo", disse Barbieri, ao se referir à Heliodinâmica.
Uma demanda anual de 500 MW por ano, segundo Barbieri viabilizaria a transformação do silício do grau solar para a célula solar no país.
Já para a realização do processo anterior, de transformação do silício metalúrgico ao grau solar, seria necessária uma demanda anual de 1.000 MW anuais, segundo ele.
A tecnologia de produção de células fotovoltaicas da Heliodinâmica foi comprada pela Tecnometal, mas não está sendo usada na empresa, diz o gerente de Novos Negócios de Energia da Dya Energia Solar, do grupo Tecnometal, Leonardo Aguiar.
"Essa tecnologia está em 'stand by'. Hoje, o que está sendo feito é a montagem de módulos e trazemos a célula de fora do país. Tendo o financiamento do BNDES, talvez isso se viabilize."
Alguns empresários consideram que hoje é mais competitivo importar painéis do exterior. Mas caso o financiamento do BNDES e outras desonerações para importação de algumas partes de módulos saiam por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), por exemplo, a expectativa da Tecnometal é de ser mais competitiva.
"Hoje, se paga mais imposto para importar as partes (do módulo) que para trazer o módulo já manufaturado... Com o Padis mais o benefício do BNDES, sem dúvida, a gente vai ser mais competitivo", disse Aguiar.
Alternativas ao BNDES
Apesar da importância de uma regra de financiamento por meio do BNDES, alguns investidores buscam alternativas enquanto a formalização de normas para esse tipo de empréstimo não sai.
Ricardo Valente, sócio da SSE Soluções Sustentáveis em Energia, que prepara projetos para o leilão de outubro, disse que trabalha com investidores brasileiros e europeus, que têm mostrado interesse no setor.
"Se o BNDES aprovar algo melhor, vamos recalcular para ver se entramos com um preço mais baixo".
A busca por alternativas ao BNDES também vem de vencedores do leilão de energia de Pernambuco, no fim de 2013. Os parques têm que estar em operação a partir de julho de 2015, o que dificulta aguardar o BNDES.
A alemã Sowitec, que venceu o leilão pernambucano com um projeto de 30 MW, acha "praticamente impossível" ter crédito via BNDES a tempo. "Estamos buscando fundos internacionais, há parceiros interessados no projeto e que poderiam aportar nesse financiamento. Mas não temos definição final", disse o engenheiro eletricista da Sowitec do Brasil Edgard Almeida.
Já a Kroma Comercializadora está iniciando o projeto que venceu o leilão com capital próprio, segundo o presidente Rodrigo Mello. "Alguns fundos internacionais também tem interesse no projeto", acrescentou.
Geração Distribuída
Leilões públicos para projetos de energia solar são essenciais também para criar demanda e desenvolver o mercado de geração distribuída, de instalação de placas solares nas residências e estabelecimentos comerciais e industriais.
"Esse mercado solar só vai se desenvolver se tiver nos telhados das casas", disse o gerente da Dya Solar, da Tecnometal, Leonardo Aguiar, ao se referir ao uso de placas solares pelos consumidores para produzir a própria energia.
Leilões públicos regulares podem criar uma demanda firme por equipamentos solares que incentive fabricantes globais a se instalarem no país, permitindo queda nos preços dos equipamentos, e a instalação nos telhados das casas.
O secretário-executivo de Energia do Pernambuco, Eduardo Rodrigues, disse que o governo local vem desenhando um modelo de financiamento para geração distribuída com crédito barato para pequena e média indústria investir em autoprodução.
"O futuro da energia solar está na geração distribuída", disse.
A Renova Energia, uma das maiores empresas de geração de energia renovável no país, também desenvolve modelos de negócio na geração distribuída.
O diretor financeiro da empresa, Pedro Pileggi, diz que a energia solar já se apresenta como viável para determinados tipos de clientes em algumas regiões.
Entre os modelos de negócio da Renova para o segmento está a venda do sistema de geração solar e o aluguel de equipamentos.
"Para colocar o pé no setor fizemos alguma venda do sistema; Mas estamos mirando ser o dono do ativo", disse Pileggi.
Em geração distribuída, segundo ele, a Renova tem cerca de 5 a 6 clientes, incluindo mineradora, indústria, universidade e companhia da área de tecnologia.
A Renova tem cerca de 200 MW em projetos de geração solar prospectados na Bahia e avalia com que quantidade participará do leilão de outubro.
"Eu acho que a geração distribuída, daqui há 5 anos, realmente vai vai puxar a demanda do setor (solar)", disse o executivo, destacando, porém, a importância da previsão de leilões solares no mercado regulado para garantir demanda para os fabricantes de equipamentos se instalarem no Brasil.