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Com ideologias opostas, Brasil e México se unem na negação da covid-19

Países já não vinham bem antes da chegada da pandemia e agora encaram as consequências tanto em termos de saúde quanto econômicos

Membros do povo Wixarikas andam pelo centro da Cidade do México com máscaras protetoras em fase mais branda da quarentena, em 29 de junho de 2020 (Cristian Leyva/NurPhoto/Getty Images)

Ligia Tuon

Publicado em 1 de julho de 2020 às 06h00.

Última atualização em 1 de julho de 2020 às 09h38.

Em abril, os dois países mais populosos da América Latina - Brasil e México - já viviam uma escalada do número de casos de covid-19. Mas você não saberia por acompanhar seus líderes.

O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, de esquerda, aparecia em multidões beijando criancinhas. O brasileiro Jair Bolsonaro, de direita, participava de passeatas e abraçava apoiadores.

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Em comum, o desprezo às recomendações da Organização Mundial da Saúde ( OMS ) e dos Ministérios da Saúde dos próprios países de distanciamento social, assim como as críticas ao fechamento do comércio liderado por autoridades locais.

Agora, ambos os países, que já não vinham bem antes da chegada do vírus, encaram as consequências tanto em termos de saúde quanto econômicos. De acordo com as últimas projeções do Fundo Monetário Internacional, a economia brasileira pode ter recessão de 9,1% no ano, e a do México, 10,5%.

O México está em 11ª lugar na lista de países com maiores números de casos, feita pela Universidade americana Johns Hopkins, com 216.852 confirmações. Acima dele no ranking, além do Brasil, que ocupa a segunda posição, estão Peru e Chile, na 6ª e na 7ª, respectivamente. O ritmo de crescimento da doença no país, no entanto, ainda preocupa.

Efeitos

O México não aplicou medidas de isolamento até o final de março, o que fez com que os impactos da pandemia só aparecem de forma mais nítida no segundo trimestre. Em abril, o Indicador Global de Atividade Econômica (IGAE), uma aproximação ao PIB mensal, caiu a uma taxa anual de 19,7%, a maior contração já registrada pelo Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi, na sigla em espanhol).

No início de junho, pior momento desde o início da pandemia, com mais de mil mortes por dia e novos recordes durante três dias consecutivos, Obrador preferiu seguir com um plano de abertura gradual do comércio. Só na quinta-feira passada (25) voltou atrás, diante de uma piora alarmante nos números, e anunciou novamente a suspensão de todas as atividades não essenciais.

Os dois países tem fragilidades parecidas, como a abundância de bairros e cidades pobres onde milhares de pessoas vivem aglomeradas em espaços pequenos e, muitas vezes, sem saneamento básico. Além disso, os altos níveis de informalidade significam que boa parte da população precisa sair de casa para surprir necessidades básicas, o que torna um enorme desafio respeitar uma quarentena rígida.

Ajuda tímida, líderes antagônicos

Tanto o Brasil quanto o México já tinham problemas de crescimento quanto a pandemia chegou: o Brasil estava crescendo na faixa de 1% há três anos, com perspectiva de aceleração para 2%, enquanto o México já não crescia há 6 trimestres.

A recessão que começou no ano passado no México foi a primeira que o país teve em dez anos e é atribuída a políticas heterodoxas e intervencionistas de Obrador. Ainda assim, havia recursos disponíveis para políticas mais robustas quando a pandemia chegou - mas eles não foram usados:

"O México vinha com superávit primário e dívida pública baixa, em 46% do PIB. Só que, por uma razão de preferência ideológica, López Obrador não quis validar uma expansão fiscal", diz Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs. O plano de estímulo do México para conter o vírus é o menor da América Latina, segundo o FMI.

"O curioso é que temos nesse cenário um presidente de esquerda que não quer gastar e Guedes, um Chicago Boy, normalmente associado a restrição fiscal, à frente da Economia que validou uma mega expansão fiscal, acertadamente", diz o economista do banco americano.

Mesmo com uma taxa de juros alta em relação a de emergentes, na casa dos 5%, o Banco Central mexicano também avançou pouco na política monetária. No caso brasileiro, a Selic com 2,25% ao ano não tinha tanto espaço para cair.

Na área fiscal, o governo brasileiro tinha um espaço menor que o mexicano após seis anos seguidos de déficit, mas disponibilizou um montante razoável de recursos contra a crise na comparação com outros emergentes.

No entanto, tem enfrentado desafios em fazer o dinheiro chegar a quem precisa - tanto no auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais quanto, especialmente, na concessão de crédito a micro e pequenas empresas.

Futuro difícil

A expectativa do Goldman Sachs é de que ao contrário de países como Chile, Colômbia e Peru, onde pode ocorrer a retomada mais rápida, em formato de V, Brasil e México apresentem recuperações mais lentas. Mas há particularidades importantes.

"No Brasil a dificuldade vem de ruídos políticos, incerteza, falta de reformas e risco fiscal crescente", diz Ramos. O déficit público em maio já foi maior do que o do ano passado inteiro, e a dívida pública pode chegar a 95% ou mais. "No caso do México, a dificuldade tem ligação com o governo populista, heterodoxo, intervencionista de Obrador, que afeta mais o sentimento do mercado", diz Ramos.

Além disso, os mexicanos dependeram bastante da retomada no seu vizinho do norte. A economia do México é muito integrada com a dos Estados Unidos, para onde envia 80% de suas exportações e de onde recebe bilhões de dólares em remessas de cerca de 35 milhões de pessoas de origem mexicana.

O ministro mexicano das Finanças, Arturo Herrera, disse há duas semanas, em entrevista a um banco comercial do país, que esta "é provavelmente a crise mais séria desde 1932". O precedente é assustador: entre 1925 e 1932, em sua última grande recessão, a economia mexicana contraiu mais de 20%.

Enquanto isso, a pandemia segue seu curso e a América Latina e Caribe se consolida como novo epicentro da pandemia. Um estudo recente do Instituto de Métrica e Avaliação da Saúde (Ihme) estimou que o número de mortes na região pode chegar a 388 mil até outubro.

Brasil e México podem ser responsáveis por dois terços destas mortes. Se a previsão do Ihme se concretizar, o Brasil deve exceder 166 mil mortes até outubro e o México, 88 mil.

Para evitar um cenário mais grave, os líderes precisam agir rápido e de forma coordenada com as autoridades de saúde e com os chefes dos estados. Foi esse o caminho trilhado por países que já estão conseguindo reabrir suas economias com mais tranquilidade.

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