Economia

"Há muita choradeira no setor elétrico", diz Pinguelli

O professor Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás, pode ser considerado um dos pais do novo modelo para o setor de energia elétrica. Esteve na diretoria do Instituto da Cidadania, ONG criada em 1999 para elaborar projetos de políticas públicas, onde coordenou a elaboração do documento Diretrizes e Linhas de Ação para o Setor Elétrico […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h16.

O professor Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás, pode ser considerado um dos pais do novo modelo para o setor de energia elétrica. Esteve na diretoria do Instituto da Cidadania, ONG criada em 1999 para elaborar projetos de políticas públicas, onde coordenou a elaboração do documento Diretrizes e Linhas de Ação para o Setor Elétrico Brasileiro . As propostas foram incorporadas ao plano de campanha do PT e depois serviram de base para o novo modelo apresentado pelo Ministério das Minas e Energia (MME). Pinguelli defende a parceria público-privada e diz que a choradeira das empresas contra a proposta do modelo faz parte do processo de negociação. Sua maior preocupação no momento é deixar claro que a Eletrobrás tem acionistas minoritários e não pode pagar o pato para garantir o cumprimento de contratos caros.

Como o senhor vê a proposta do novo modelo?

O modelo é um avanço na medida em que respeita os objetivos maiores apresentados pelo programa de governo durante a campanha à presidência: retoma o planejamento para o setor, acaba com as privatizações, defende a parceria público-privada. Traz também o pool, que pode fazer um mix da energia hidrelétrica barata, do gás natural caro e da energia nuclear, permitindo uma tarifa mais em conta.

Essa proposta é, então, uma vitória?

Dentro da concepção apresentada durante a campanha, sim. Agora, a proposta está sendo discutida entre os diferentes atores do mercado e o ministério, que terá de conciliar posições. Essa é uma obra difícil.

Para alguns analistas de mercado a proposta de mudança no setor desagradou, já época de campanha, e fez os investimentos no setor secarem.

Isso é uma inverdade. Os investimentos já tinham secado quando o documento foi divulgado. O projeto trouxe a palavra de ordem no momento: PPP, Parceria Público-Privada. Os investidores pararam de investir na área da geração por conta da queda na demanda de energia. As empresas funcionam assim: de olho no mercado.

Mas como o senhor vê as críticas à proposta?

Como diz o ditado, quem não chora não mama. O que ouvimos nos debates com a iniciativa privada é muita choradeira. Não vou dizer que não são legítimas: em uma economia competitiva, os setores buscam vantagens. Fala-se muito do corporativismo estatal, mas existe também o cartorialismo privado. Muitos dos contratos, que não podem ser tocados hoje, são cartoriais. São presentes do Papai Noel do Estado neoliberal para o investidor privado que se colocava como uma prima-dona e não como um lutador. Muitas das empresas do setor estão endividadas. Outras têm medo do risco e não investem. Algumas têm contratos muito bons sem gerarem nenhuma energia. Tem gente ganhando dinheiro da Eletrobras com usina desligada. Não vou entrar em nomes e detalhes porque cada entrevista que eu dou sobre esse assunto é uma briga com a ministra.

As companhias estaduais, como Cemig e Copel, também se manifestaram contra a proposta por que vão deixar de comprar energia barata de suas distribuidoras e pagar mais caro no pool.

As grandes companhias estaduais de energia elétrica também precisam se engajar para salvar o setor elétrico. Não sou absolutamente um crítico ao debate. Acredito que cada um deve apresentar a sua posição em busca de um interesse nacional.

É mesmo preciso mudar o modelo? Não bastava ajustar o que já estava em vigor?

Não existe modelo hoje. Eu não quero botar a culpa no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, meu colega de vida acadêmica a quem devo respeito, mas hoje temos uma esculhambação. Sou obrigado a recapitular: na privatização das telecomunicações, ao menos o governo sentou, pensou e fez. Na energia elétrica, não se pensou. A Escelsa (Espírito Santo Centrais Elétricas) foi privatizada antes da criação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Quando houve o famoso blecaute em 1999, o ONS (Operador Nacional do Sistema) ainda estava sendo criado. Na época, muitas cidades ficaram sem luz, mas disseram: deixa que o mercado resolve. Mas no caso da energia elétrica, não é assim.

É por essa razão que a proposta do novo modelo suprime o mercado?

O novo modelo não suprime o mercado: subordina. Há certas palavras que nos dominam. Mercado é uma delas. Mas o mercado existe para nós. Energia elétrica não é como um abacaxi que você troca por pêra quando o preço sobe ou você não encontra para comprar. Falta de energia é dramático. Basta lembrar as cenas patéticas do blecaute em Nova York.

Energia, então, não é um produto?

É óbvio que não é produto. Produto você guarda e vende no futuro. Petróleo, por exemplo, é um produto estratégico. Não dá para estocar energia. A nossa visão é que energia elétrica é um serviço público. Pode ser exercido por empresa privada, mas sob o regime de concessão. É claro que o estatismo puro não interessa. No passado, produziu obras absurdas e o mercado pode corrigir erros do Estado. Mas o mercado não pode mandar e precisa do norte do Estado. As empresas também têm maneiras de se organizar para trabalhar com o Estado. Na Alemanha, existem associações empresariais fortes.

A proposta do modelo abre espaço para uma atuação mais efetiva das empresas privadas?

Claro que sim. Mas quando você tem um sistema completamente devotado ao mercado, a mudança exige uma transição onde o estatismo (digamos assim) prevalece. A quantidade de mercado que permanecerá no Brasil, no entanto, é grande. A Tractebel, por exemplo, não será privatizada. É uma empresa imensa e poderosa. É meu maior concorrente. Permanece atuando e muito mais protegida do que antes, já que ninguém quer chatear o mercado. Temos hoje que tratar com cuidado a Tractebel, a Light e a Eletropaulo - que deve os tubos para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas essa empresa é privada, então, vamos tratar bem da Eletropaulo, que só deve 1 bilhão de dólares. O mercado está reclamando do quê? Ainda vai tomar dinheiro emprestado a juros baixos para poder compensar algumas perdas. O governo não está sendo estatista, muito pelo contrário.

Para o setor privado, o pool não vai atrair investidores e ficará por conta do governo expandir a geração. O governo tem dinheiro para isso?

O Estado teria mais dinheiro para investir se a economia não estivesse tão deprimida. Eu espero uma reação na economia no próximo ano e espero que a Eletrobras possa investir 5 bilhões ou 7 bilhões de reais. Mas nunca achamos que o governo tem condições de investir sozinho. Precisamos da iniciativa privada. A ministra Dilma está aberta à negociação. Toda mudança para viabilizar financiamentos é discutível. Mas é preciso chamar a atenção: um pool existe no México e funciona. E o pool é mais seguro. O pool diminui o risco: reduz perdas e ganhos excessivos. E há investidores que buscam o baixo risco, como os fundos de pensões. O modelo está sendo discutido com os empresários e a transição será turbulenta. Paciência. O final será feliz.

A pressão para mudar a proposta é grande. Você acredita que ela será alterada?

Os argumentos em defesa da manutenção dos contratos podem deixar a energia no pool cara demais. Então, para manter uma média razoável, a energia velha (das usinas públicas) poderá ficar barata demais. Isso preocupa. Por isso tenho dito: energia velha não é gratuita e quem puxa o investimento é a Eletrobras. No modelo anterior, a Eletrobras estava condenada à morte. Eu peguei uma empresa esperando o enterro e isso não pode se repetir.

O que representam as mudanças para a Eletrobras?

A Eletrobras é uma empresa como outra qualquer e é necessário que seja remunerada adequadamente. A tradição do estatismo brasileiro deu prejuízo às estatais. Quem pagava o pato antes eram as estatais e nós não queremos mais isso.

O novo modelo traz esse risco?

Eu entendo que não - e se isso ocorrer será um erro. Não tem sentido uma empresa pública ter uma visão privada e não vamos ter as metas de rentabilidade de uma empresa privada. Mas quem investe hoje em energia no Brasil é a Eletrobras. Estamos investindo 3,5 bilhões de reais até o final do ano. Também administramos para o MME fundos que totalizam 4 bilhões de reais para o pagamento de combustível no sistema isolado. Se você soma isso, estamos colocando no mercado, 7,5 bilhões de reais neste ano. Afora o nosso dever com a estabilidade econômica de gerar 1,5 bilhão de reais para o superávit primário. Mas a Eletrobras é uma empresa. Eu tenho três deveres. Primeiro, com o governo, que me nomeou. Segundo, com o Estado, já que a Eletrobras é uma estatal. Terceiro, com o investidor privado. Sigo normas na Bolsa de Valores, devo gerar lucro e pagar dividendos.

Mas a Eletrobras teve um prejuízo bilionário no primeiro semestre.

Não vou colocar o prejuízo na conta do Fernando Henrique. Eu escolhi um diretor financeiro de mercado e nós mudamos a contabilidade. Tínhamos uma contabilidade enfeitada: a empresa não fazia provisionamento de dívidas apodrecida e a Eletrobras pagava imposto e dividendo de um dinheiro que não recebia. O prejuízo foi puramente contábil. A Eletrobras praticamente não deve nada. Somos grandes credores em dólar por causa de Itaipu (a energia é cotada em dólar). Somos como o coveiro: ficamos felizes com a desgraça. Quando o dólar sobe, o valor dos nossos recebíveis aumenta. Mas o contrário ocorre quando o dólar cai.

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