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Gatilho para conter despesa com pessoal abre espaço de R$ 40 bi

No 1º relatório preparado para debate sobre teto, IFI pede que sejam barradas tentativas de se usar a contabilidade criativa para burlar as regras fiscais

Felipe Salto, do IFI: "Não basta manter regras calibradas. É preciso evitar que sejam distorcidas por práticas de contabilidade criativa" (Jefferson Rudy/Reuters)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 19 de agosto de 2020 às 15h12.

Última atualização em 19 de agosto de 2020 às 15h24.

As medidas de contenção de despesas com pessoal previstas no próprio teto de gastos, chamadas de gatilhos, têm potencial para abrir espaço de 40,4 bilhões de reais no Orçamento em 2021 e 2022, o equivalente a 0,5 ponto percentual do produto interno bruto (PIB), calcula a Instituição Fiscal Independente (IFI).

No primeiro relatório preparado para subsidiar o debate sobre o teto (regra que trava o crescimento das despesas acima da inflação), a IFI faz um manifesto em defesa da transparência fiscal para barrar tentativas de se usar a contabilidade criativa para burlar as regras fiscais, sob o risco de uma erosão da expectativa dos agentes econômicos quanto à capacidade de o governo manter um caminho sustentável para as contas públicas.

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Pelo cenário da IFI, a dívida bruta do Brasil deve fechar o ano em 96% do PIB e atingir 100% já em 2022. Se nada for feito, a trajetória de alta será acelerada até alcançar 180% do PIB em 2030. A dívida bruta é uma das principais referências para avaliação, por parte das agências globais de rating, da capacidade de solvência do país. Na prática, quanto maior a dívida, maior o risco de calote por parte do Brasil.

No documento, a instituição do Senado, que se consolidou como um dos principais watchdogs ("cães de guarda") fiscais, como são conhecidas as entidades que monitoram as contas públicas, cobra um posicionamento claro sobre o rumo fiscal diante dos movimentos recentes de integrantes do governo que querem furar o teto. "A pergunta, afinal, é: qual o plano do governo para enfrentar a realidade de fragilidade fiscal?", diz a IFI no relatório.

Sem fazer uma defesa cega da manutenção do teto, os economistas da IFI Felipe Salto, Daniel Couri e Josué Pellegrini sobem o tom das críticas às sucessivas tentativas de dribles da regra pelo governo. Uma lista dessas manobras é descrita com detalhes técnicos para mostrar que o debate sobre a mudança do mecanismo foi alimentado por propostas que nasceram dentro do próprio governo.

Regras calibradas. "Não basta manter regras bem calibradas. É preciso evitar que sejam distorcidas por práticas que, no mundo todo, ficaram conhecidas como contabilidade criativa e que voltam a aparecer no noticiário econômico nacional", diz o documento, que será divulgado hoje.

Como solução para o estouro do teto previsto para o ano que vem, a IFI propõe como uma das alternativas o acionamento dos gatilhos já em 2021 com a apresentação do projeto de lei orçamentária, que será enviado até o dia 31 de agosto ao Congresso, já prevendo o estouro do teto.

Os economistas defendem uma consulta técnica interpretativa ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para permitir os acionamentos dos gatilhos no ano que vem com segurança jurídica, sem que seja preciso aprovar uma nova proposta com as medidas.

O mecanismo do teto já prevê ações de ajuste, como barrar a criação de despesa obrigatória e adoção de qualquer medida que leve ao aumento de gastos, como a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, a renegociação de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e a concessão ou ampliação de incentivos fiscais. Reajustes do salário-mínimo acima da inflação também são vedados.

Há gatilhos prevendo congelamento de gastos com o funcionalismo. São vetados reajustes salariais e criação ou majoração de benefícios para servidores públicos e militares, criação de cargos e mudanças na estrutura de carreiras que impliquem aumento da despesa, contratação de pessoal e a realização de concurso público.

"É melhor o acionamento dos gatilhos com um acordo amplo com o TCU, STF, como foi feito com a regra de ouro", diz Salto, diretor executivo da IFI numa referência a outra regra que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes e que não está sendo cumprida.

Na sua avaliação, não é necessária a aprovação de uma nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para corrigir o que a área jurídica do governo aponta como um erro de redação da emenda do teto: ele não pode ser estourado na execução orçamentária, sob o risco de responsabilidade fiscal. Ou seja, do jeito que a emenda foi escrita e aprovada, o teto não seria "estourável" sem responsabilizar o presidente da República. Para a IFI, o acionamento dos gatilhos daria tempo para uma discussão do arcabouço fiscal vigente nos próximos dois anos.

Como mostrou o Estadão, a outra alternativa, perseguida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é aprovar uma PEC para regulamentar o acionamento automático dos gatilhos em 2021. Essa regulamentação tem o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

"Não se trata de uma defesa cega do teto, mas reconhecer sua importância", diz Couri, diretor da IFI. Ele lembra que a instituição nasceu para conter o ímpeto do governo por burlar as regras e, por isso, a avaliação foi de que esse era o momento de se manifestar. "O tom está mais elevado para mostrar quais são os riscos de seguir por esse caminho", diz o economista.

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