Economia

FHC conta bastidores de seu governo e analisa vitória do PT

Oito anos à frente do Brasil. Fernando Henrique Cardoso chega ao fim de seu segundo mandato e prepara-se para, em menos de dois meses, passar o poder para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. À vontade no Palácio do Planalto, o homem que deu domou a inflação brasileira faz um balanço de seu […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h41.

Oito anos à frente do Brasil. Fernando Henrique Cardoso chega ao fim de seu segundo mandato e prepara-se para, em menos de dois meses, passar o poder para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. À vontade no Palácio do Planalto, o homem que deu domou a inflação brasileira faz um balanço de seu governo, conta detalhes sobre momentos delicados como a desvalorização do real em 1999 e fala sobre os desafios que aguardam o novo presidente. Leia a seguir trechos inéditos da entrevista com Fernando Henrique Cardoso:

  • Sobre a visão de que os eleitores desacoplaram a rejeição ao governo manifestada nas urnas da figura presidencial

    Não sei. Seria pretensão da minha parte dizer isso. Preciso ver isso com mais vagar. Mas fenômenos como esse acontecem com certa freqüência. Desacoplou, por exemplo, do Lula e da proposta do PT. Acredito que o povo tem um julgamento muito mais de valores, de conduta, do que de resultados contra pessoas. O governo não pode ser julgado por conduta. É por resultados.

  • Sobre as razões que levaram a imensa maioria do eleitorado a ignorar os pontos positivos do governo

    Nossa política de comunicação foi sempre deficiente, mas o problema aí é mais complexo. Ocorre que os programas do governo foram copiados pelos governadores e prefeitos. O povo julga então que o prefeito fez isso, fez aquilo e acredita que no nível federal não fez nada. Se fosse como no passado, em que tudo era centralizado, o povo perceberia. Como eu descentralizei, é natural que isso ocorra. Mas não adianta só comunicar. É preciso que haja a disposição de receber a comunicação. Isso é uma questão política e não técnica. Na medida em que os partidos que apoiaram o governo não deram a batalha ideológica, qualquer grito da oposição parecia que tinha todas as virtudes morais. Disse isso inúmeras vezes: olha, o governo vai ganhar tudo no Congresso, mas vocês têm de falar, defender com convicção. Não adianta só ganhar no placar. Mas os partidos não estavam tão convencidos. No Brasil, os formadores de opinião, os intelectuais, no sentido Gramsciano -- os padres, os líderes sindicais, os professores, os jornalistas -- embarcaram todos nessa onda de que o governo era neoliberal. De que estava subordinado aos interesses do grande capital. Não é verdade, mas passaram a julgar tudo o que acontecia com o olho do passado. Diziam que não dava certo porque abriu a economia, porque tinha investimento de capital estrangeiro ou porque privatizou.

  • Sobre seus oito anos de governo

    Prefiro olhar o processo. Fizemos muita coisa ao mesmo tempo. Tínhamos de estabilizar, de desindexar, de modernizar a indústria, de manter a economia aberta e de preparar o governo para negociar na OMC, para reclamar lá fora. Era muita coisa. O câmbio, bem ou mal, foi uma âncora. O governo brasileiro se aparelhou bastante. A máquina pública no Brasil funciona, ao contrário do que diziam que estávamos com a visão de encurtar o Estado. Nós melhoramos o Estado, tornando-o mais apto, mais competente para fazer políticas. O sistema arrecadatório funciona. Depois, temos uma economia extremamente forte e com tudo o que estão dizendo a indústria cresceu em São Paulo 2,4% no mês passado. As previsões no Brasil quase sempre são equivocadas para baixo. A capacidade de reação da economia é extraordinária.

  • Sobre a nova cara do Brasil

    As pessoas não percebem que o país mudou muito nesses anos. Não houve crescimento, mas houve uma mudança muito importante do aparelho produtivo. Temos uma economia muito forte, que se modificou muito. Temos hoje uma siderurgia competitiva, temos papel e celulose, temos petroquímica, automóveis, aviões, celulares, indústria têxtil, de móveis. Pega o petróleo. Dobrou a produção nesses últimos anos, com grande avanço da tecnologia.

  • Sobre o avanço da agricultura

    Levei dois ou três anos só discutindo dívida agrária. A agricultura estava parada, diminuindo a produção de tratores e a venda de insumos. Levou tempo, mas nós organizamos isso. Lembro-me de que, por volta de junho de 1995, o Pérsio Arida, então presidente do Banco Central, foi me procurar por causa da agricultura. Ele queria fazer a securitização da dívida, mas levou um tempo enorme, por causa do faz, não faz no Congresso e do PT dizendo que estávamos dando dinheiro para a grande agricultura. Tudo é fácil no papel, mas na política é diferente. Criamos instrumentos novos. O financiamento público da produção agrícola diminuiu muito. Hoje, quase tudo é privado. Além do fato de muitos produtores serem auto-suficientes. Simultaneamente, houve uma mudança tecnológica, que fez a produtividade explodir. A Embrapa avançou e as empresas também se capacitaram, inclusive com a introdução do computador. Você vai para o interior de Mato Grosso ou de Goiás, o rebanho está todo com chips que permitem seu rastreamento. O Brasil mudou muito para melhor, mas qualitativamente ninguém deu atenção.

  • Sobre o paradoxo da produtividade

    Li um artigo do Stephen Kanitz (consultor de empresas e colunista da Veja) muito interessante. Ele diz que, quando a produtividade aumenta, pode ocorrer um fenômeno curioso a respeito do qual quase ninguém está prestando atenção. Produzem-se mais automóveis, de melhor qualidade e mais baratos. O aumento da produtividade e da qualidade, quando redundam em barateamento dos produtos, acabam impactando o PIB para baixo. Esse é um paradoxo que ocorre também no campo - o aumento da produtividade tem afetado a rentabilidade. Esses fenômenos não são perceptíveis pelos indicadores usados para medir o tamanho da economia, pois se referem a outra época da nossa história. A agricultura está crescendo no Brasil este ano entre 8% e 9%. Quando a agricultura representava metade do PIB, isso já daria um crescimento de 4,5%. Mas hoje ela pesa 12%. O Brasil crescia 7%, 8% ao ano. Sim, mas era uma estrutura produtiva muito mais simples. Como hoje ela é muito mais complexa, estamos querendo analisar o potencial de crescimento com os olhos do passado.

  • Sobre o que falta para que outros setores como o turismo, arrecadador de divisas em tantos países, se transformem num sucesso como a agricultura

    Como você atrai turistas? Primeiro, é preciso ter não só hotéis, mas serviços, segurança, infra-estrutura. Isso está sendo feito através do Prodetur. Tem de ter um câmbio que ajude e também bons sistemas de transporte. O Brasil tem muito atrativos, mas não tinha como abrigar o turismo. Começa a ter. O turismo interno cresceu muito fortemente e mesmo o internacional avançou. Hoje, são cerca de 4 a 5 milhões de pessoas que visitam o Brasil por ano. É muito pouco ainda, mas era apenas 1 milhão. Créditos foram dados para a construção de hotéis, treinamento de pessoal especializado e criação de escolas de hotelaria. Não é que não exista uma política de turismo, mas é que as políticas levam muito tempo para render frutos. A agricultura responde mais depressa.

  • Sobre os comentários do governador eleito de Minas Gerais, Aécio Neves, de que o PSDB tem de se reencontrar com suas origens

    Não é se reencontrar. O PSDB tem é de se encontrar com o que o governo fez. O governo foi social-democrático. O que é a social-democracia hoje? Para começar, não queria que o PSDB se chamasse Social Democrata. Houve uma discussão e uma votação em que o nome que defendia foi derrotado. Era alguma coisa como democrático popular. Por que eu não queria o termo social-democracia? Porque não corresponde mais ao que acontece hoje, mas sim à história da Europa da primeira metade do século XX. Nessa época, houve uma divisão da esquerda. Um pedaço era revolucionário e o outro era reformista. Esse último foi o que deu origem às políticas do Estado de Bem-Estar Social baseadas nos sindicatos. Ora, no Brasil não só não tínhamos sindicatos como eles não iam dar a batalha para aquilo que é preciso, que é a incorporação das massas pobres. Os sindicatos são corporações e defendem as massas integradas e não os excluídos, a não ser retoricamente. Por isso, nunca foi possível fazer a reforma da previdência, por exemplo. Os excluídos que fiquem de fora. Os sindicatos não querem ceder nisso aí. Com o PT, minha briga era outra. O PT tinha horror da social-democracia. Quando nasceu, ele queria era ser revolucionário, baseado numa classe só, a classe operária. Escrevi sobre isso na época, antes da queda do Muro de Berlim. Dizia que não pode, que isso já acabara, que o mundo era outro. Hoje, o que significa uma política progressista, para dar um nome qualquer? O que o Anthony Gibbens (economista inglês e teórico da chamada Terceira Via) disse numa entrevista recente está certo. Não adianta. Hoje, os governos têm de entender que o mercado existe. O mercado é uma coisa horrível. Ele concentra renda, é discriminatório, permite especulação como a que nós estamos vendo agora, mas ele é uma força que está aí. Precisa ter governo para se contrapor a esses movimentos sociais. Mas tem de se reconhecer as realidades do mercado. Por outro lado, é preciso ter políticas sociais ativas, que não podem estar baseadas simplesmente em assistencialismo e tampouco apenas no fato de o Estado assumir a responsabilidade direta de tudo. Então, é preciso ter um Estado que seja poroso -- vou usar Gramsci de novo -- o suficiente para que as organizações não governamentais entrem em interação com esse Estado e que, portanto, a sociedade civil tenha um papel nesse jogo. E tudo isso dentro de um contexto da democracia. É complexo, mas tem de ser assim. O PSDB nasceu assim. Foi o primeiro partido brasileiro, nesse sentido, moderno. Se você ler o programa do partido quando nasceu vai ver que foi esse. O programa do PT era estatizante, ainda na luta antiimperialista, como se o imperialismo tivesse as características hoje que teve no passado e que se precisasse do Estado. Hoje, as empresas não precisam do Estado.

  • Sobre uma frase do sociólogo Hélio Jaguaribe para quem o PT é hoje o que o PSDB foi e deixou de ser

    Tomara seja. Tomara venha a ser. A prova dos nove é agora. À medida em que estão adotando a linguagem do PSDB, pode ser, mas é preciso ter capacidade de ser. Tem de operar dessa maneira. Até agora, qualquer coisa que se diga sobre o PT é chute. É palpite. Porque o PT ainda não disse a que veio. Vamos esperar.

  • Sobre as razões de não ter desvalorizado o real mais cedo.

    Todo o mundo fala: por que não fez isso ou aquilo? Porque não sabem da missa a metade. Tenho tudo isso registrado. Durante a eleição, estive com o presidente Itamar Franco. O real valia mais do que o dólar, e o presidente estava muito contente. Eu lhe disse: olha, tudo bem, mas não pode continuar assim. Vai ter problemas de exportação. Eu era candidato ainda. Em dezembro de 1994, me lembro de uma conversa que tive com o Serra e com o Pérsio (já indicado para a presidência do Banco Central) no sentido de eu pedir ao Itamar que fizesse o que Sarney fez com o Collor -- uma desvalorização antes de eu entrar. No dia 20 de dezembro, veio a crise do México. Então, isso ficou impossibilitado. Nós levamos o mês de janeiro discutindo o que fazer com o câmbio. Em fevereiro, aproveitamos o carnaval para nos reunir e mexer no câmbio. Foi quando o Pérsio foi à fazenda do Fernão Bracher, um amigo dele, e fizeram aquele escândalo. Pérsio é um homem impoluto, mas ficou a sensação de que tinha havido ali alguma coisa errada. Havia uma discussão da equipe aqui. Qual era a discussão? Não era se devia ou não desvalorizar. Era sobre como. Havia dois pensamentos. Um era fazer um degrau. Desvaloriza o câmbio e pára. Essa era a proposta preferida, se eu me recordo bem, do Pérsio e do Serra. Outros queriam fazer uma banda e ir subindo lentamente, depois de uma subida. Mexe e depois faz a banda. Prevalesceu essa segunda proposta. Em março, na hora de operar, talvez porque houvesse certa tensão entre o Gustavo (Franco), então diretor da área internacional do BC, e o Pérsio, que foi comandar a mesa de operações, deu um descontrole que redundou na primeira corrida contra o real. Foi um susto, porque câmbio não é brincadeira. Demos uma mexida, paramos e estabelecemos o sistema em que o câmbio flutuava dentro de bandas. Minha intenção era de ir sempre o desvalorizando. Só que aí descobrimos que o sistema bancário estava pobre. Fomos, então, consolidar o sistema bancário, com o Proer. Ainda por infelicidade ou por coincidência, um dos bancos pertencia à família de minha nora. Tivemos de fazer uma medida dura. Todos os acionistas, mesmos os não gerentes, ficaram com os bens indisponíveis. Eu desapropriei meu neto, mas isso passou batido, como se não fosse nada. Depois desapropriei meu ministro (José Eduardo de Andrade Vieira, do Bamerindus), um homem que tinha me ajudado politicamente muito. Ele deve guardar mágoas a meu respeito. O José Eduardo é um sujeito de boa índole, que foi alertado muitas vezes para sair fora do governo porque senão não daria tempo ... não se poderia fazer nada. Não adiantou, porque ele estava convencido de que estava certo. O fato é que tivemos muitos problemas no setor bancário. Como é possível mexer no câmbio se pode arrebentar os bancos?

  • Sobre os motivos que levaram o governo a esperar mais quatro anos para finalmente mexer no câmbio

    O ano de 1996 foi muito bom. Ninguém estava pressionando para mexer em câmbio. Ao contrário. Pegue as revistas da época. Veja o que você dizia do Gustavo Franco. Era retratado como um menino de ouro. E era. Não havia pressão nenhuma a não ser de duas ou pessoas do governo -- Serra e Bresser. Por volta de 1997, recebi uma informação que me foi dada pelo José Roberto Mendonça de Barros sobre o que estava para acontecer na Ásia. Talvez nós pudéssemos ter mexido aí. Aí sim pode ter havido uma percepção equivocada no sentido de que esse afluxo de capitais seria contínuo. Mas aí estourou a crise da Ásia. Quando chegou outubro de 1998, a crise da Rússia bateu muito forte. O primeiro aumento forte de juros que nós fizemos foi uma reunião dramática. A discussão era sobre o nível da taxa de juros, que foi parar lá em mais de 40. Até aquele momento, ninguém sabia e ninguém sabe qual é o nível adequado da taxa de juros para poder frear as corridas contra o real. Isso ninguém sabe. Não há ciência em economia. Pode ser cruel, mas o que você vai fazer? A discussão do câmbio é mais complexa do que parece. Ele foi muito importante para garantir a estabilidade. Não se tinha certeza do efeito da mudança, porque não sabíamos qual era a força da indexação. Com a crise da Rússia, não tínhamos como desvalorizar e convencemos o FMI de que não precisávamos mudar a política cambial e conseguimos um novo aporte de recursos. As pessoas dizem tantas coisas insensatas. De que foi por causa da reeleição. Ao contrário, a população queria o câmbio fixo. A popularidade maior minha foi na época mais arriscada do ponto de vista econômico. A popularidade menor é quando a política econômica é mais correta. Não se toma decisão dessa natureza pensando em eleição. Isso é uma bobagem. Falam em populismo cambial. Teria sido se tivéssemos mantido a taxa fixa de câmbio. Bem, mas para mim já estava claro, desde setembro de 1998 que tinha de mudar a política cambial. Tenho muitas discussões e papéis a esse respeito. Acontece que veio a crise do grampo no BNDES. E todos aqueles com os quais eu contava - o André Lara Resende, o José Roberto e o Luís Carlos Mendonça de Barros foram embora. Fiz um apelo dramático. Malan fez a mesma coisa, mas eles se foram. Eu dizia: vocês estão loucos? Vão embora e vão dar a impressão de que têm culpa no cartório, quando vocês não têm culpa de nada? Mas eles foram embora. Então, as cartas para jogar eram poucas.

  • Sobre a substituição de Gustavo Franco por Francisco Lopes

    A escolha do Chico Lopes foi sob pressão de todos aqueles que eram favoráveis a mudar o câmbio. Todos os que acabei de citar, mais o Serra e o Bresser. Todos achavam que o homem para mudar o câmbio era o Chico Lopes. Eu tinha menos contato com ele do que com Gustavo, com o André. Chico era muito reservado e eu tinha certas resistências porque eu não tinha essa percepção a seu respeito. Pedi documentos. Tanto o Gustavo quanto o Chico me deram alternativas para sair da confusão. Em dezembro de 1998, o Congresso votou uma coisa a respeito dos aposentados e o governo foi derrotado. Você conhece o Congresso: ele sempre dá muito apoio mas tem uma hora em que sempre dá uma na ferradura. Lá fora, isso foi lido como o seguinte: Os brasileiros vão fazer como a Rússia fez. Os russos pegaram o dinheiro do Fundo e decretaram a moratória. Não é possível. Um governo com a maioria que eu tenho, como é que vai deixar escapar uma lei dessas? Quer dizer, os mercados não acreditaram no aporte do dinheiro do Fundo. E aí, setores do Fundo que já eram contra a política cambial vigente e que queriam uma desvalorização, começaram a espalhar isso para os mercados. Em dezembro, ao invés do aporte do dinheiro resultar numa consolidação do real, continuou a haver perdas de reservas. Foi aí que pedi tanto ao Chico Lopes quanto ao Gustavo que me dissessem como íamos sair disso. Assumi o segundo mandato com muita preocupação, porque sabia o que vinha. O quê que eu fiz? Eu montei um governo muito amplo. Foi o começo da briga com o Antonio Carlos. Eles queriam tirar o pessoal do PMDB, mas eu ampliei a base, quando todo mundo dizia agora o presidente, no segundo mandato, vai colocar os ministros que quiser. Precisava ter uma maioria para as medidas que teria de tomar e tomei, em seguida, para segurar a economia e manter o país funcionando. As propostas do Gustavo eram todas por uma desvalorização muito lenta. Eu dizia: Mas Gustavo, as reservas vão embora. Sempre tive idéia fixa de que não se pode ficar sem reservas porque tinha visto o que aconteceu com o Sarney. Mas o Gustavo era muito crente na teoria dele, de que o próprio comércio financiaria o fluxo e de que não haveria problema. Ele acreditava mais no fluxo livre de capitais do que eu. Aí veio o Chico Lopes e apresentou sua proposta. Pedi para uma pessoa só ler, o André Lara. Embora já não estivesse mais no governo, sempre o usei muito. No dia 1º de janeiro, dia em que houve o jantar da posse aqui no Alvorada, o André me disse: 100%. Então, diga para o Malan, eu pedi. O Malan estava no jantar aqui. Imagine a dificuldade: dia da posse, e eu tratando sem ninguém saber, pelos cantos, da mudança do Banco Central. O Malan resistiu. Não queria tirar o Gustavo. Estava mais de acordo com a linha do Gustavo. Eu também não queria tirar o Gustavo, mas queria que ele flexibilizasse a política dele. Ele se mostrou irredutível. Dias depois, falei para o Gustavo que iria mudar a política. O Gustavo foi correto e aí tomou posse o Chico Lopes. Mas ele perdeu a parada, quando foi expor aquele negócio da diagonal transversa. Se fosse o Gustavo propondo, do que jeito que ele falava com o mercado, teria ganho. Mas o Chico é um intelectual, um homem correto e de visão, mas um tanto desligado dos processos práticos, concretos. Foi um desespero. Nós não tomamos a decisão de fazer o câmbio flutuar. Foi o mercado que tomou. E aí veio o Itamar com a moratória. Por isso fizemos tanta pressão em cima do Lula e do PT, agora, para eles não falarem essas coisas, porque tudo poderia ir para o espaço de novo. Porque, se for para o espaço, vai para o espaço na minha mão. Até 31 de dezembro a culpa é minha, embora na verdade não seja. Mas eles compreenderam e atuaram responsavelmente. Compreenderam que não se podia pisar no acelerador e puxaram o freio. Naquela época, o Itamar não puxou o freio. Curiosamente, o que aconteceu em seguida? Depois de uns quatro dias o mercado sossegou. Eu tive um jantar aqui, por coincidência com o Armínio Fraga, o Chico Lopes, o Malan e o Andre, por volta do dia 20. Eles estavam relaxados. O dólar não tinha disparado. Tinha ido para 1,5 e estava em 1,26. Mas no dia 29 houve corrida aos bancos. Tive que ir três vezes ao vivo na televisão para segurar. Havia um temor de que se podia mexer na poupança. O Chico Lopes nem falou comigo. Isso foi numa sexta. No sábado, chamei o Malan e o Pedro Parente: Cadê o Chico? Assim, não dá. O Chico achava que a política estava certa. Estava, mas essa política não tem nada a ver com o processo político ou com a vida. Por sorte, quando o Armínio esteve aqui eu tinha conversado com ele e dito: se eu precisar de você, você vem? Naquele mesmo sábado, dia 30, o Pedro Parente falou com o Armínio. E domingo eu falei com ele. Terça-feira ele estava aqui. Chamei o Chico, que perguntou: "Quem vem"? "O Armínio". "Então está bom, porque é a mesma coisa que eu". Essa foi a história do câmbio. As pessoas esquecem o que se passava na época.

  • Sobre a expectativa de um descontrole da inflação

    Foi uma surpresa pra todo mundo. Em 1999, a aposta de todos era que a inflação voltaria. Na televisão, as maquininhas de marcar preço estavam de volta. Fizeram uma tremenda campanha subliminar de volta da inflação. Quando chegou em abril, o Stanley Fischer, do FMI, me ligou: Presidente, os dados que eu tenho estão certos, perguntou. Eu respondi: Se não estão, estão me enganando, porque são os que tenha. Pois então, não vai voltar a inflação, respondeu ele. Um dia depois, ligou de novo para me dizer: Congratulations, mister president.

  • Sobre os perigos da inflação voltar agora

    É menos perigoso. Naquela época você mexia no câmbio e ela voltava. Agora, houve uma mexida muito forte e ela está começa a pressionar. Mas imagine naquela época. Não havia desindexação legal, os contratos estavam todos indexados. O que o PT queria, o PT e todo mundo? Repor perdas. Agora o clima é outro. Agora depende da operação do governo. Se o governo for capaz de operar, não tem inflação.
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