Economia

Falta receita, sobram ideias: "e-CPMF" não paga promessas de Guedes

Desonerar a folha, criar o Renda Brasil e aumentar o nível de isenção do IR estão entre os desejos do ministro — mas ele terá de escolher

E agora, Guedes? Novas indicações para as vagas abertas devem indicar se o ministro ganhou ou perdeu prestígio no governo (Tania rego/Agência Brasil)

E agora, Guedes? Novas indicações para as vagas abertas devem indicar se o ministro ganhou ou perdeu prestígio no governo (Tania rego/Agência Brasil)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 11 de agosto de 2020 às 15h48.

Última atualização em 28 de setembro de 2020 às 16h07.

Na tentativa de deixar um novo imposto sobre transações financeiras mais palatável na discussão sobre reforma tributária, o ministro da economia, Paulo Guedes, tem mencionado uma série de possíveis contrapartidas.

Entre as principais, estão reduzir o custo alto do trabalho no Brasil, substituir o Bolsa Família por um programa mais abrangente, o Renda Brasil, e aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Se conseguir aprovar o imposto no Congresso, no entanto — uma vitória pouco provável, devido a resistência dos parlamentares —, o ministro terá de escolher.

A equipe econômica tem dito que espera arrecadar cerca de R$ 120 bilhões com o imposto, apelidado de "e-CPMF", por lembrar uma versão digital do antigo e impopular "imposto do cheque", extinto em 2007. O cálculo leva em conta a alíquota de 0,2% por operação.

Só para reduzir o imposto patronal cobrado na folha de trabalhadores que ganham até um salário mínimo e meio, o custo ficaria próximo de R$ 70 bilhões, segundo proposta já estudada pela equipe.

O Renda Brasil poderá ter um custo semelhante, mais do que o dobro dos R$ 33 bilhões absorvidos por ano pelo Bolsa Família, que seria extinto. Nesse caso, porém, o ministro também coloca como possibilidade de financiamento o fim de outros benefícios, como o abono do PIS/Pasep, que gasta mais de R$ 20 bilhões por ano.

Por fim, para aumentar a faixa de isenção do IR dos atuais R$ 1.900 para R$ 3.000, seriam necessários  R$ 22 bilhões ao ano, também segundo fala de Guedes.

Juntas, as três medidas já consumiram cerca de R$ 130 bilhões.

"Venda casada"

Por enquanto, a contribuição do Executivo para a reforma tributária inclui oficialmente apenas a substituição do PIS e do Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A "e-CPMF" deverá ser proposta nas próximas fases, ainda sem data para o envio, mas já causa bastante chiadeira.

A decisão do ministro de fatiar a ideia de reforma tem ligação justamente com pontos polêmicos como esse, que devem ficar para o final, seguindo seu plano de "começar por aquilo que nos use e terminar pelo que nos separa".

A desoneração da folha, por exemplo, seria uma forma de compensar o setor de serviços, que tem altos custos com mão de obra, além de ser o mais resistente às mudanças em discussão, já que terá aumento significativo de tributação.

Já a ampliação do Bolsa Família, cuja a urgência para a implementação apareceu com a pandemia de covid-19, tem sido colocada no debate sobre a reforma tributária como forma de o ministro justificar a existência da "e-CPMF". A avaliação é que o assunto tem grande apelo entre parlamentares e sociedade e, por isso, poderia facilitar a tramitação.

"O governo vem entrando em tantas frentes de batalha no âmbito da discussão sobre a reforma, que corre o risco de perder todas por falta de foco", diz Márcio Holland, professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV / EESP).

Risco do descontrole

Guedes defende esse tipo de imposto para aumentar a arrecadação do governo sem aumento de carga tributária desde o início do governo. O ministro argumenta que, além de permitir alcançar uma base ampla de tributação, taxar transações digitais é uma forma de evitar fraudes e evasão fiscal. A teoria, no entanto, é contestada por especialistas:

"Vai ser difícil que as grandes empresas, como Amazon, Netflix e Apple, fujam do imposto digital. Mas há o risco de a media estimular pessoas físicas e pequenos comércios a achar formas de não pagar o imposto, preferindo usar dinheiro a cartão", diz Fagner Souza, líder da área de tributação da Mazars, auditoria e consultoria empresarial.

Além de estimlar a informalidade, segundo ele, pode causar desequilíbrios no sistema tributário, devido à característica de cobrança em cascata.

Holland, da FGV, critica a falta de profundidade no debate, que acaba sendo muito guiado pelas conveniências dos participantes:

"Estamos discutindo demais a questão tributária sem fazer o diagnóstico. O custo do trabalho é alto no país não só por questões tributárias. Varia de acordo com outras características, como a rotatividade, que é alta no Brasil", diz.

Além disso, não há garantias de que a redução do custo da folha refletirá um aumento das contratações, segundo o especialista.

O risco, como disse Paulo Nora Macedo, vice-presidente do Instituto Política Viva, em coluna desta semana para a Exame, "é de a velocidade de discussão e aprovação da Renda Brasil ganhar vida própria, enquanto a receita para ela engancha, e o tempo para a granada explodir vai passando".

Esse movimento prejudicaria ainda mais o cenário fiscal brasileiro, que já estava bastante prejudicado, numa recuperação lenta e gradual, quando veio a crise do coronavírus.

A aposta de que a mesma base do governo que deve aprovar o Renda Brasil, vai aprovar uma e-CPMF, para cobrir a despesa, segundo o economista, parece com a ilusão de que teríamos R$ 1 trilhão de privatizações até o final de 2019.

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