Economia

Empobrecimento na América Latina desafia sistema democrático

O apoio à democracia caiu em países da região. No Brasil, a taxa caiu para 34% no ano passado, comparada aos 48% duas décadas antes

Bolsonaro com o presidente argentino, Mauricio Macri: nos últimos 5 anos, o desempenho das economias da América Latina tem ficado aquém de outros mercados emergentes (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Bolsonaro com o presidente argentino, Mauricio Macri: nos últimos 5 anos, o desempenho das economias da América Latina tem ficado aquém de outros mercados emergentes (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 11 de maio de 2019 às 08h00.

Última atualização em 11 de maio de 2019 às 08h00.

O cenário político dos dois maiores países da América Latina pode ter virado para a direita ou para a esquerda, mas suas economias não foram para lugar nenhum.

No Brasil e no México, líderes anti-establishment chegaram ao poder alçados por eleitores que votaram contra o status quo. A estagnação da economia desses países teve peso nesse voto de protesto, mas a perspectiva de uma recuperação rápida sob esses novos governos perde força. Economistas têm cortado as previsões de crescimento para ambos os países.

Os mandatos de Jair Bolsonaro e do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador -- um político de esquerda eleito em sua terceira tentativa --, estão apenas começando. Mas os primeiros desafios enfrentados sinalizam um problema mais amplo. Nos últimos cinco anos, o desempenho das economias da América Latina tem ficado aquém de outros mercados emergentes. É a única região onde houve piora de fato do padrão de vida.

Embora a preocupação sobre um retrocesso da democracia seja um fenômeno global, as jovens instituições da América Latina podem estar especialmente em risco - caso os eleitores decidam que políticos de todos os pontos do espectro são igualmente incapazes de promover mudanças.

A situação da Argentina, terceira maior economia da região, seria um alerta. Por mais de duas décadas, o poder no país oscilou entre governos pró-negócios e populistas, ambos marcados por repetidas crises econômicas.

Novamente em recessão, isso poderia pressagiar outra virada do pêndulo nas eleições de outubro, quando o presidente Mauricio Macri, favorito do mercado, será provavelmente desafiado por Cristina Kirchner.

"O tema que conecta todos esses países é uma sensação de que os sistemas políticos não estão funcionando, uma sensação de fadiga", disse Rafael de la Fuente, economista-chefe para a América Latina do UBS. “Isso é certamente verdade no caso do Brasil e do México. A ruptura com o que havia antes é visível.”

"A Argentina poderia ser a próxima?", pergunta. "Está justamente na mesma linha."

O Latinobarômetro revelou que o apoio à democracia está diminuindo nos três países. A taxa caiu para 34% no Brasil no ano passado, comparada aos 48% duas décadas antes. Na Argentina (partindo de uma porcentagem mais alta) e no México, a pesquisa observou quedas semelhantes.

As expectativas de crescimento econômico também começam a azedar.

Os mercados estavam entusiasmados com o plano de reforma da Previdência de Bolsonaro, medida que poderia proporcionar uma economia de R$ 1,2 trilhões e impulsionar o crescimento atraindo mais investimentos privados. Agora investidores estão céticos de que o presidente, que critica o tradicional "toma lá, dá cá" em um Congresso fragmentado, consiga chegar à economia estimada.

No México, o cenário econômico é afetado pela expectativa de queda dos investimentos privados depois de López Obrador ter cancelado o projeto de um aeroporto orçado em US$ 13 bilhões e afastado empresas estrangeiras do setor petrolífero. Há também uma nuvem pairando sobre as relações de comércio, com o projeto para substituir o Nafta parado no Congresso dos EUA. O PIB do México surpreendeu o mercado ao encolher no primeiro trimestre.

Ainda assim, há algo que distingue o ciclo latino-americano, segundo Christopher Sabatini, da Universidade Columbia, que estuda a região há mais de duas décadas. A fase atual coincide com o fim do boom das commodities que acabou com os sonhos de uma classe média emergente.

Quando as entradas de capital eram abundantes com as vendas petróleo ou soja, esses países podiam fechar os olhos para as falhas estruturais de suas economias - que agora voltam para incomodar.

"O que estamos vendo é uma incapacidade de resolver esses problemas mais difíceis", disse Sabatini. Com o tempo, isso pode “diminuir a crença das pessoas no sistema democrático”.

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