Economia

Doações de empresas precisam ser limitadas, diz Delfim Netto

Em lançamento de livro em São Paulo, ex-ministro defende restrições para doações e diz que governo Dilma "continuou distribuindo o que não tinha mais"

Ex-ministro da Fazenda Delfim Netto gesticula durante entrevista para a Reuters, em São Paulo (Paulo Whitaker/Reuters)

Ex-ministro da Fazenda Delfim Netto gesticula durante entrevista para a Reuters, em São Paulo (Paulo Whitaker/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 26 de fevereiro de 2015 às 06h00.

São Paulo – De acordo com o Delfim Netto, ministro da Fazenda na ditadura militar, o escândalo da Petrobras mostra que são necessárias restrições para evitar a promiscuidade entre governo e empresas.

“Nenhuma empresa que tenha crédito do governo pode fazer doação para partido. Nenhuma empresa com participação do governo pode fazer doação para partido. Nenhuma empresa prestadora de serviço público pode fazer doação para partido. Você tem que separar, e a doação tem que ter um limite: já teve caso de empresa que doou mais que o próprio lucro”.

A declaração foi dada durante um debate ontem de noite no Insper, escola de negócios em São Paulo, para promover o lançamento de “Reinventando o Capitalismo de Estado”, de Sergio Lazzarini, professor da escola, 

O livro, em parceria com Aldo Musacchio, de Harvard, surgiu como uma tentativa de entender o aparente sucesso meteórico das estatais chinesas e reúne dados históricos e internacionais sobre a interação entre estatais e desenvolvimento (veja a entrevista dele para a revista EXAME).

Ele citou dois exemplos recentes que fogem do senso comum: uma é o fato de que até pouco tempo atrás, a Petrobras aparecia no topo dos rankings de governança mundiais. A outra é um relatório do Morgan Stanley sugerindo o investimento em estatais.

Ou seja, não é o fato de ser estatal ou não que define o sucesso, e sim a transparência, o ambiente de negócios e as condições gerais: “Há evidências de que estatais que operam em setores com mais competição tem produtividade similar a das empresas privadas. No Brasil, nos movemos no sentido oposto, com a politica dos campeões nacionais."

O desafio maior, segundo ele, é criar uma estrutura que blinde as estatais das tentações do governo. A referência mundial de sucesso nisso é a Noruega e sua gestão do petróleo. Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do governo, fez coro:

“O desafio não é preto no branco: mercado versus estado. Colocar as coisas nestes termos é uma forma de evitar o debate. O modelo é que importa: se você vai fazer politica industrial, vai ter critério externo? Vai ter meta de desempenho? Faz pra todo mundo ou não? Sujeito à concorrência externa? O segredo está no detalhe.” 

E lembrou que o último Nobel de Economia foi justamente para alguém que se dedicou a algo que parece prosaico, mas é um dos grandes desafios econômicos: a melhor forma de organizar um leilão.

Samuel Pêssoa, do IBRE/FGV, diz que a divergência política no Brasil não é sobre aumento de carga tributária nem aumento da provisão de serviços sociais – “constantes da sociedade nos últimos 25 anos” – e sim sobre o nível de intervenção macro e microeconômica, que aumentou desde 2009 nas mãos da chamada “nova matriz econômica”. 

De acordo com Pêssoa, ela é fruto de um “modelo mental” dos formuladores de política, que leram o sucesso de países como Coreia do Sul e Taiwan como prova de que vale a pena fazer microgerenciamento na economia.

Só que essa leitura desconsidera outras vantagens que os asiáticos tinham – como altas taxas de poupança e os melhores sistemas educacionais do mundo, além de inflação baixa e orçamento equilibrado: “Fazer políticas micro e de desenvolvimento quebrando o orçamento público não vai funcionar”, diz ele.

Para Marcos, o problema não foi de modelo mental, e sim de ter sido “sensível demais” às demandas do setor produtivo: “já dizia Capote: há mais lágrimas pelas preces atendidas do que pelas não atendidas”.

A maior prova disso são os empréstimos do BNDES, que explodiram e acabaram indo em grande parte para empresas que poderiam se financiar da mesma forma no mercado. O resultado: uso de dinheiro público com efeito nulo na economia real.

Para Delfim, não havia incentivo capaz de salvar a indústria com o câmbio artificialmente valorizado dos últimos anos. A chave está no cenário externo: “Quando o Lula entrou, era vento de cauda. Quando a Dilma entrou, era vento de frente. Ela continuou distribuindo o que não tinha mais.”

E ironizou: “A situação presente do Brasil mostra uma coisa estranha: as mesmas causas geram os mesmos efeitos. Aprenderam com o conselho do Nixon: se uma coisa deu errado duas vezes, tente a terceira.”

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