Estrutura de aço: preço da tonelada do material subiu de R$ 4.040 em fevereiro para R$ 6.500 em outubro impactado pelo câmbio (Monty Rakusen/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 10 de novembro de 2020 às 17h41.
Última atualização em 10 de novembro de 2020 às 20h49.
Uma distorção de preços inesperada em produtos que sofrem com a influência do dólar pode ser um freio a mais na retomada econômica pós-pandemia.
Com uma valorização de mais de 30% em relação ao real desde o começo do ano, o dólar já fez com que itens essenciais para a indústria tivessem um salto, como é o caso do aço, cuja tonelada já subiu de R$ 4.040 em fevereiro para R$ 6.500 em outubro, e do polipropileno, usado na composição de embalagens, que já foi de R$ 9 em março para R$18 em em outubro.
A valorização da matéria prima vem num momento em que a indústria se recupera do colapso na produção por conta da pandemia e tenta ajustar seus estoques para atender a uma demanda maior do que a esperada num primeiro momento.
"Naquele período (março/abril), ninguém sabia como seria a retomada, mas a aposta era em uma recuperação mais lenta. Felizmente, tivemos uma retomada em 'V', e a indústria começou a produzir, mas com capacidade reduzida", diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Muitas empresas queimaram seus estoques para atender à essa demanda, esgotando suas reservas e, quando precisaram reabastecê-los, se depararam com preços muito inflacionados, explica Enrico Fabietti, sócio da Ready Assessoria e Gestão, que vê no movimento um freio para aretomada: "A recuperação em 'V' é limitada não pela demanda, mas pela capacidade da indústria de atender essa demanda na mesma velocidade", diz.
A falta de insumos foi apontada como a principal razão para impossibilitar o aumento da
produção em todos os setores, segundo estudo recente da CNI feito com empresas dos principais setores de todo o país.
O levantamento mostra que 56% das empresas que estão com dificuldade para atender à demanda (mais da metade) e dependem de insumos importados enfrentam barreiras para adquiri-los. Dessas, 82% percebem alta nos preços, sendo que para 31% a alta é acentuada. "Essa situação dos preços é tão inesperada quanto a pandemia. É uma outra reviravolta muito grande", diz Abijaodi.
As empresas esperam uma chance de normalização só no ano que vem, de acordo com a pesquisa. Enquanto isso, quem não repassa os valores, é obrigado a reduzir suas margens.
"Estamos vendo pela primeira vez em muitos anos esse ciclo conjunto de depreciação cambial com aumento de preço de commodities, que coloca uma pressão inédita nos preços, que se junta com o cenário pandêmico", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Para o economista, embora a base da recuperação fraca esperada para o Brasil seja o risco fiscal, a inflação alta, especialmente nos alimentos, que são os que mais sofrem com a interferência do dólar, reduzem a renda do trabalhador, sobretudo com a saída do auxílio emergencial. "O risco maior está em 2022".