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Da gasolina ao supermercado, o Brasil está realmente mais caro?

Combinação entre desemprego e inflação faz brasileiros sentirem no bolso há meses o momento difícil da economia — alguns mais do que outros

Supermercado: além do preço dos alimentos, frentes como energia elétrica e combustível pressionam custo de vida (Leandro Fonseca/Exame)
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Carolina Riveira

Publicado em 27 de agosto de 2021 às 06h00.

Última atualização em 27 de agosto de 2021 às 13h05.

Supermercado: além do preço dos alimentos, frentes como energia elétrica e combustível pressionam custo de vida (Leandro Fonseca/Exame)

Quando há inflação , "os preços sobem de elevador e os salários sobem de escada". A frase é atribuída ao ex-presidente argentino Juan Domingo Perón nos anos 1970, mas pode descrever com precisão o cenário do Brasil de 2021.

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Fatores como o litro de gasolina a sete reais e os custos crescentes de alimentação não sustentam, necessariamente, a afirmação de que está mais caro viver no Brasil.

Mas o grande problema, explicam os economistas, é que a alta nos preços de itens essenciais é acompanhada por uma renda que pouco cresce — ou inclusive diminui — para a maioria da população.

"No Brasil do momento, a renda está acorrentada ao pé da escada enquanto o elevador do preço segue subindo", diz a economista Juliana Inhasz, coordenadora do curso de graduação em Economia no Insper.

Os índices inflacionários já refletem o cenário. Em julho, o IPCA , principal métrica da inflação no Brasil, teve sua maior alta em 20 anos.

O índice acumula avanço de 8,99% em 12 meses, e a projeção dos analistas no boletim Focus é que feche o ano acima de 7%, muito além da meta do Banco Central, de 5,25%.

O Brasil não chega a esse valor anual desde 2015, quando o desemprego era menor e a taxa de juros muito maior (14,25%, ante 5,25% hoje ).

E os índices mostram só uma rápida fotografia. De tudo que se consome no Brasil, o desafio principal é que alguns dos produtos cujos preços mais aumentaram são também os essenciais, como energia e alimentos.

Por isso, para Simão Davi Silber, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, que mede o IPC, índice inflacionário no município de São Paulo, a resposta sobre o quanto o Brasil ficou mais caro é "depende".

"Os preços aumentaram para todo mundo. Mas como a sociedade brasileira é muito desigual, para alguns grupos esse aumento chega a ser quase irrelevante", diz Silber, que é também professor da Faculdade de Economia da USP. "Já se pegamos a base da pirâmide, é devastador."

Em famílias que têm uma cesta de consumo mais variada, o aumento dos itens básicos pode ter sido parcialmente amenizado com frentes que subiram menos por causa da pandemia: os preços de serviços de saúde, educação ou vestuário ficaram abaixo da inflação ou até caíram em alguns casos.

Assim, o Ipea, vinculado ao Ministério da Economia, calcula que famílias mais pobres sentiram quase o dobro da inflação.

O salário compra pouco

Outra métrica usada para analisar o quão caros estão de fato os custos no Brasil é a comparação com o salário mínimo. E, nessa frente, as notícias são pouco animadoras.

Na cidade de São Paulo, o preço da cesta básica já quase empata com o salário mínimo, o que nunca tinha acontecido desde que o índice começou a ser calculado, em 2017.

A cesta para quatro pessoas ficou em 1.064,79 reais em julho, segundo levantamento do Procon-SP em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O valor não inclui ainda aluguel, energia elétrica ou outras necessidades.

"Estamos vendo um aumento da cesta básica que escapa inclusive da ordem inflacionária", diz Marcus Vinicius Pujol, diretor da Escola de Proteção e Defesa do Consumidor do Procon-SP. "E nossa cesta já é calculada com as marcas mais baratas possíveis, não há nem como dizer para o consumidor trocar."

Sobretudo para a população mais pobre, apesar do auxílio emergencial colocado em vigor, a ausência de políticas de proteção como estoques de alimentos, como aEXAMEmostrou, pioram a insegurança alimentar em tempos de inflação — a projeção é que o Brasil já tenha voltado ao mapa da fome em 2020.

“O apoio ao pequeno agricultor é essencial. Há políticas que não custam muito, mas que foram abandonadas”, disse em entrevista anterior à EXAME Daniel Balaban, diretor no Brasil do Programa Mundial de Alimentos, organização da ONU vencedora do prêmio Nobel da Paz no ano passado.

Os aumentos do salário mínimo também não têm acompanhado a inflação, enquanto os 40% da população na informalidade não estão sequer contemplados pela legislação.

"Então a verdade é que muitas pessoas não estão conseguindo consumir nem a cesta básica", diz Pujol.

Tempestade perfeita

No ano passado, a aposta era de que o Brasil não viveria um cenário de inflação muito alta devido ao desemprego, que estagnou na casa dos 15% e sem sinal de melhora.

Mas desta vez, a pressão inflacionária vem sobretudo na frente da oferta, com pouco produto circulando no mercado. Assim, apesar da demanda baixa com o empobrecimento da população, os preços seguiram subindo.

Entre os motivos dos aumentos de preço no Brasil, estão a alta do dólar e o ciclo de commodities — que favorecem a exportação de alimentos, mas reduzem a oferta no mercado interno.

Além disso, fatores como a alta do preço do petróleo no exterior e a crise hídrica que levou ao maior custo da energia também pioraram o cenário. Desde maio, a conta de luz está na "bandeira vermelha", a mais cara, devido à seca.

Há um contexto de inflação em todo o mundo com a retomada econômica após as restrições contra a covid-19 e resquícios dos gargalos logísticos gerados no começo da pandemia, como falta de matéria prima.

O preço dos alimentos, por exemplo, subiu mais de 30% globalmente com a alta demanda de países como China e EUA, segundo as Nações Unidas. "Mas no caso do Brasil, o aumento de preços vem de fatores externos e também internos", diz Silber, da Fipe, que acredita ser improvável que os preços caiam no curto prazo.

Além das previsões cada vez menos otimistas para a economia, risco fiscal e o esperado caos político em 2022, notícias vindas do exterior, como um possível aumento dos juros nos EUA, devem seguir pressionando o câmbio. Com real desvalorizado, os preços tendem a seguir altos no Brasil.

Este é um contexto diferente do último ciclo de alta de commodities nos anos 2000, que também pressionaram a oferta com preços altos nas exportações.

Naquele momento, o Brasil tinha inflação e juros bem maiores, mas o desemprego baixo fazia a inflação pesar proporcionalmente menos no bolso — em 2013, o Brasil registrou o menor desemprego desde a redemocratização, em 5,4%.

Em meio às críticas sobre a alta nos preços, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também gerou polêmica nesta semana ao minimizar os impactos da alta na energia.

"Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos? Ou o problema agora é que tá tendo uma exacerbação porque anteciparam as eleições... Tudo bem, vamos tapar o ouvido vamos atravessar", disse o ministro na quarta-feira, 25, afirmando também que a economia brasileira está "voltando com toda força".

No entanto, para além do preço direto ao consumidor, o cenário de combustível e energia caros aumenta ainda custos de logística das empresas, aponta a economista Patrícia Costa, supervisora de pesquisas do Dieese.

O valor de insumos para alimentar os animais no campo (como o milho para o frango) também ficou mais alto, e tudo isso termina repassado ao preço final dos produtos.

"A situação é tão complicada que as pessoas estão literalmente comendo menos. Se a pobreza não fosse tão grande, o repasse do aumento do custo de produção para os preços finais talvez seria ainda maior", diz Costa, que acredita que o mero aumento de juros é insuficiente, e que medidas precisam ser tomadas para amenizar a crise da oferta e ampliar o combate à pobreza.

"O aumento do preço é grande, e a renda é insuficiente. O problema está aí."


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