Setor elétrico: "A China tem uma visão estratégica (do Brasil), mas muitas empresas chinesas também estão preocupadas" (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Reuters
Publicado em 5 de julho de 2017 às 16h00.
São Paulo - As últimas notícias da crise política do Brasil preocupam até mesmo chineses que investiram bilhões de dólares no setor elétrico do país nos últimos anos, devido à incerteza quanto à continuidade de reformas econômicas prometidas pelo presidente Michel Temer, disse o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.
"A China tem uma visão estratégica (do Brasil), mas muitas empresas chinesas também estão preocupadas... isso certamente está barrando (negociações)", afirmou Charles Tang, em entrevista à Reuters.
"Não estou dizendo que os chineses vão parar de investir, mas alguns investimentos não estão acontecendo em função dessa crise política e econômica, em que ninguém sabe o que vai acontecer", acrescentou ele.
Tang, que assessora diversas empresas chinesas na chegada ao Brasil ou em negociações por ativos no país, disse que a China segue com forte interesse no setor de energia e infraestrutura, mas ressaltou que o cenário político exige cautela.
"Acho que no momento não tem nada em vias de fechamento... é impossível negar que essa situação de conturbação política não tenha atrasado algumas decisões, e algumas empresas estão esperando clarear um pouco a situação", explicou o presidente da câmara, que está no Brasil desde a década de 70 e fala português fluentemente.
As gigantes chinesas State Grid e China Three Gorges cresceram rapidamente no Brasil com aquisições de peso, e a State Power Investment Corp (SPIC) fez na semana passada uma oferta à mineira Cemig por uma fatia na hidrelétrica de Santo Antônio.
Além disso, a Shanghai Electric anunciou no início de junho um acordo preliminar para assumir projetos de transmissão da Eletrosul, subsidiária da Eletrobras.
O negócio não deve envolver pagamento, mas a chinesa ficará responsável por um investimento de cerca de 3 bilhões de reais.
Tanto a transação entre Shanghai e Eletrobras quanto entre a SPIC e a Cemig pela usina de Santo Antônio vinham sendo alvo de negociações desde o ano passado.
Segundo Tang, a crise dificultou negociações e por enquanto não há novos movimentos iminentes, além desses anunciados.
Entre outros grandes negócios recentes dos chineses no Brasil estão a compra dos ativos da norte-americana Duke Energy pela China Three Gorges por 3,1 bilhões de reais, fechada em dezembro, e a aquisição do controle da CPFL Energia pela State Grid, por 14,2 bilhões de reais, concluída em janeiro.
Agora, segundo Tang, existe apreensão dos orientais quanto à chance de aprovação das reformas Trabalhista e da Previdência, devido à fragilidade do governo após uma denúncia da Procuradoria Geral da União contra o presidente Temer por corrupção passiva e a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima por suposta tentativa de interferir em investigações.
"As reformas são fundamentais... não só para os chineses, para qualquer investidor: americanos, europeus, brasileiros... só com isso o Brasil vai poder começar a retomar sua caminhada econômica", afirmou Tang, comentando que as notícias recentes sobre a política brasileira surpreendem até mesmo um estrangeiro como ele, que já está há décadas no país.
Em maio, o presidente da Three Gorges no Brasil, Li Yinsheng, disse que a empresa deve dar uma pausa nas compras para consolidar seus negócios, citando também uma maior cautela diante do cenário político brasileiro.
O recente e rápido avanço dos chineses no setor elétrico do Brasil tem agradado principalmente empresas interessadas em vender ativos, mas o movimento não tem passado livre de críticas.
Parte da indústria de equipamentos para energia teme um futuro aumento nas importações após o maior domínio oriental no setor.
Já o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese) lançou um alerta em um estudo sobre a indústria de energia brasileira, no qual afirma que há "forte indicativo" de que Three Gorges e State Grid "serão os principais agentes" do segmento num futuro próximo.
No documento, divulgado em março, o Dieese ressaltou que países como Austrália, Estados Unidos e Alemanha "barraram investimentos chineses da ordem de 38,9 bilhões de dólares no setor de energia e em outros, alegando questões de segurança nacional".
Na visão da Câmara Brasil-China, no entanto, esses temores são um equívoco, que precisam ser deixados de lado para que o país possa atrair investimentos.
"Isso é uma visão retrógrada... não tem que ter medo de investidor estrangeiro, tem que aproveitar o investimento estrangeiro para o enriquecimento da nação", afirmou Tang.
Ele defendeu que a política da China para investimentos no exterior é de "ganha-ganha".
Se de um lado o país visa abrir mercados para seus equipamentos, tecnologias e serviços de engenharia, por outro fornece capital e conhecimento técnico para apoiar o crescimento das nações parceiras.