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Crise no orçamento das famílias: banho cronometrado e troca de cardápio

A rotina dos Souza retrata a situação de milhões de brasileiros diante de um cenário de inflação alta

Para muitas famílias brasileiras, o racionamento já começou (Peter Dazeley/Getty Images)
AO

Agência O Globo

Publicado em 2 de setembro de 2021 às 08h36.

Última atualização em 2 de setembro de 2021 às 15h57.

Na família do motorista de aplicativo Sérgio Rodrigo de Souza, o racionamento já começou e foi voluntário, depois que a conta de luz saltou de R$ 90 para R$ 230 de um mês para o outro. Em um exercício constante para fechar as contas do orçamento, o jeito foi estabelecer um limite de 15 minutos para o uso do chuveiro elétrico . Passado esse período, o disjuntor desarma e é hora de encarar o banho frio.

Souza enfrenta jornada de trabalho de 13h por dia para obter o sustento da família, que inclui a mulher, Yasmin Alves, servidora da Uerj, e o filho Bernardo, de 3 anos.

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Com a disparada no preço dos combustíveis este ano, a aritmética passou a fazer parte da seleção de corridas. Ele só aceita trechos mais longos, pois corridas pequenas já não compensam o custo.

A alta dos preços foi um dos motivos para o consumo das famílias, que responde por cerca de 60% do PIB, ter ficado estagnado no segundo trimestre.

Importante motor da economia, ele ainda está 3% abaixo do nível em que estava antes da pandemia, o que contribuiu para o desempenho aquém do esperado do PIB.

Feijão no início do mês

Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, disse que o auxílio emergencial — que voltou a ser pago em abril deste ano — compensou em parte a tendência de queda do consumo.

Mas frisa que a alta nos preços e na taxa de juros, que subiu de 2% para 5,25% ao ano, diminui a a renda disponível.

O desemprego alto, com 14 milhões de trabalhadores procurando uma vaga ,também inibiu o consumo.

A família de Souza foi forçada a fazer escolhas até no cardápio do dia. A carne bovina deu lugar ao frango, mas agora a proteína do dia é a carne de porco.

E a compra de alimentos do dia a dia, como o feijão, é feita logo no começo do mês.

Nesse equilíbrio delicado das contas do dia, os planos de consumo foram adiados, e a meta é reduzir as dívidas.

O comportamento da família Souza é um exemplo do que ocorreu no país no segundo trimestre, quando mesmo com a reabertura da economia, o consumo ficou estagnado, o que surpreendeu especialistas.

A crise hídrica foi o que fez a conta de luz da família Souza aumentar. E esse custo vai subir mais ainda no segundo semestre. Desde ontem, está em vigor uma nova bandeira, batizada de Escassez Hídrica, que vai acrescentar uma taxa extra de R$ 14,20 a cada cem quilowatts-hora (kWh) consumidos.

Consumo represado

Quem tem folga no orçamento também não está consumindo como antes. Ainda não há uma reabertura completa da economia, com limites a alguns eventos e fronteiras ainda fechadas aos brasileiros.

Esse gasto menor com lazer, especialmente das classes sociais mais altas, aumentou a taxa de poupança para 20,9%, a maior desde 2000, início da série do IBGE.

— As pessoas com mais posses estão viajando menos, estão consumindo menos serviços. Acaba que poupam mais. Mesmo que elas tenham deslocado um pouco o consumo de serviços para bens, o consumo não descolou totalmente, levando ao aumento da poupança — diz Rebeca.

A crise no orçamento dos Souza

Entre fevereiro e março deste ano, a conta de luz passou de R$ 90 para R$ 230, e a família de Sergio Rodrigo de Souza cortou o ar-condicionado e o ventilador, mesmo nos dias mais quentes. No chuveiro elétrico, o banho agora tem um limite de 15 minutos, para economizar energia.

O aumento dos preços dos combustíveis afetou em cheio o orçamento do motorista de aplicativo Sergio Rodrigo de Souza. O gasto mensal com GNV aumentou em R$ 500 e já chega a R$ 1.700 por mês. Ele agora escolhe corridas mais longas por necessidade. “Andar 8 km para receber R$ 6 não vale a pena”, disse.

O valor das compras de supermercado disparou, e a família teve que rever o cardápio do dia a dia. A carne vermelha foi trocada pelo frango, mas, com o aumento, estão comprando carne de porco, mais barata. Ainda assim, os Souza gastam R$ 500 a mais em compras de mercado, com despesas mensais de R$ 900.

Os planos de longo prazo foram adiados por falta de dinheiro. A família pretendia trocar o carro por um mais novo, e Souza teria que fazer uma cirurgia no joelho, mas os dois planos ficaram para depois. “Não consigo juntar dinheiro para ficar meses sem trabalhar, me recuperando”.

Nos primeiros meses de aperto financeiro, Yasmin Alves, mulher de Souza, tirou o filho Bernardo, de 3 anos, do judô. A família excluiu da rotina os pedidos de delivery e o lazer fora de casa. “Costumávamos pedir comida aqui perto, mas agora nossa janta subiu para R$ 50 e não cabe mais no orçamento”.

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