Economia

Crise da Gol não abala otimismo com o Brasil, diz CEO regional da Airbus

Arturo Barrera diz que falta de ajuda do governo para as empresas aéreas na pandemia dificultou recuperação na região

Arturo Barreira, CEO da Airbus para a América Latina (Divulgação)

Arturo Barreira, CEO da Airbus para a América Latina (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 21 de março de 2024 às 09h06.

Última atualização em 21 de março de 2024 às 09h07.

O mercado brasileiro tem trazido boas notícias para a Airbus. A maior fabricante de aviões comerciais do mundo recebeu encomendas de duas das três maiores empresas do país, Azul e Latam, e vê boas perspectivas, apesar dos problemas com dívidas que afetaram as companhias do setor. Em janeiro, a Gol entrou com um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos.

"Estamos vendo uma recuperação do mercado mais rápida do que tínhamos antecipado no começo da covid-19", disse Arturo Barreira, CEO da Airbus para a América Latina, em entrevista à EXAME. "Temos visto o que aconteceu com uma das companhias aéreas chave do país, a Gol, mas estamos muito positivos sobre o futuro do mercado brasileiro."

Na conversa, Barreira falou também sobre o ritmo de recuperação das entregas de aeronaves, da chegada do A321 XLR, que permitirá fazer rotas mais longas, como de São Paulo a Miami, em um avião de corredor único, e das pesquisas com novos combustíveis.

Quais são as perspectivas da Airbus para o Brasil neste ano?

No Brasil, 2023 foi um bom ano para nós. Tivemos um bom número de pedidos, tivemos pedidos da Latam, mas também da Azul. Estamos vendo uma recuperação do mercado mais rápida do que tínhamos antecipado no começo da Covid. 

Temos visto o que aconteceu com uma das companhias aéreas chave do país, a Gol, mas estamos muito positivos sobre o futuro do mercado brasileiro. Sem dúvida, é o maior mercado na região, e continuará sendo. Vemos muito interesse das aéreas em aumentar a capacidade no país porque o mercado está avançando. Estamos muito otimistas sobre o desenvolvimento do Brasil nos próximos anos. 

Além da Gol, outras aéreas na América Latina tiveram problemas últimos anos. A Latam fez uma recuperação judicial nos EUA em 2020. Na Colômbia, duas empresas de baixo custo pararam de operar abruptamente. Foram casos pontuais ou sinal de um problema mais profundo?

De acordo com dados da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), menos de 1% dos governos da América Latina deram ajudas às empresas aéreas durante a Covid. Foi muito diferente do que aconteceu na América do Norte e na Europa. Então, as companhias não tiveram muito apoio dos governos em termos financeiros. 

A maioria das companhias aéreas na região são de controle privado. E lembre-se que em países como a Colômbia, eles ficaram basicamente paradas por seis meses e não se podia voar. Então é razoável que haja alguns problemas com as empresas aéreas na região. Vimos outras três empresas entrando no Capítulo 11, Latam, Avianca e Aeromexico, e vimos algumas empresas fechando. Mas ao fim do dia, o que vemos é que as empresas que entraram no Capítulo 11 saíram mais fortes e o mercado está de volta. A América Latina é uma das regiões onde o mercado se recuperou mais rápido. Países como o México tiveram uma das melhores recuperações no mundo, no doméstico e no internacional. Assim, as empresas hoje estão em uma posição muito boa porque muitas delas se reestruturaram e em alguns países a recuperação aos níveis pré-Covid foi muito rápida. 

Como está a retomada do ritmo de entrega de aeronaves?

Entregamos 735 aviões no mundo todo em 2023. Nossa meta eram 720. Para a América Latina, entregamos 62 aeronaves. Neste ano, nossa previsão é entregar ao redor de 800. É outro crescimento de 10% em relação ao ano anterior. [Em 2023], crescemos 10% e fomos de 661 para 735. Neste ano, continuamos a recuperação. 

As cadeias de suprimento, como em todos os negócios, não apenas na aviação, ainda não estão 100% estáveis. Então vamos ver alguns entraves, mas estamos confiantes que vamos ser capazes de crescer. Nossos quatro programas estão a caminho de aumentar sua capacidade. Esperamos que o A320 chegue a 75 unidades por mês em 2025. Do A220, nosso menor avião, seremos capazes de entregar 14 por mês até 2025. E o A350 irá para dez por mês. No mesmo período, o A330 crescerá para quatro. 

Estamos comprometidos em entregar ao redor de 800 aviões neste ano, mas não será um passeio no parque. Hoje temos mais empregados, tomamos medidas para ter mais inventário. Temos mais linhas de montagem em operação hoje do que antes da Covid, apesar do fato de que ainda estamos entregando menos. Antes da pandemia, entregávamos 880 aeronaves por ano. 

Neste ano, a Airbus deverá entregar os primeiros modelos A321 XLR, avião de corredor único com capacidade de voar mais longe. Como ele poderá mudar o transporte aéreo nas Américas?

O XLR tem um tanque de combustível adicional que permite ao avião fazer viagens como de São Paulo a Miami ou mesmo cruzar o Atlântico, como ir de Miami a Madri. Para muitas empresas da região, é uma forma de expandir sua rede e criar novos mercados com um avião que pertence à família do A320. Não há diferença para os pilotos e na manutenção. É o mesmo motor, tudo igual, mas dá a flexibilidade para abrir novas rotas. Ele poderá ser um game-changer, especialmente nos mercados do Sul, como para ligar o Nordeste do Brasil à Europa. Temos como meta entregar o primeiro deles no verão [no hemisfério Norte, em meados do ano].

E quando eles chegarão à América Latina?

As primeiras entregas para duas companhias sul-americanas devem ser no próximo ano. Adoraria dar datas, mas vou deixar esse privilégio para as empresas revelarem.

Falando sobre combustíveis sustentáveis: muito se diz que a América Latina tem grande potencial para se tornar produtora, mas em que pé está o avanço disso?

Estamos muito excitados com o potencial da América Latina, e especialmente de países como o Brasil, que talvez tenha a maior quantidade de biomassa no mundo. O mercado brasileiro já tem capacidades com outros tipos de biocombustível. Estamos trabalhando com as entidades para avançar e fomos muitos ativos no ano passado. Também fomos parceiros da Latam em um estudo no MIT para ver quais são as melhores práticas em diferentes países para avançar. Esse estudo será divulgado nos próximos meses e será algo que queremos colocar nas mãos dos governos e entidades, para avançar a agenda. Sem dúvida, o Brasil é o país com o maior potencial na região.

Como estão os estudos sobre novos combustíveis em nível global?

Hoje, menos de 1% [do combustível usado] é SAF (Combustível Sustentável de Aviação). Estamos usando SAF em nossas operações internas, quando transportamos peças de avião. Hoje, em nossos aviões, o SAF corresponde a 35% a 50%, com o objetivo de ter 100% até o fim da década. 

A questão não é a certificação de SAF. A questão real é quão rápido os mercados podem avançar para um percentual mais alto de SAF. Muitas companhias aéreas estão comprometidas a chegar a 5% do consumo até 2030, e esperamos chegar ao net zero até 2050. O SAF seria responsável por 50% dos requerimentos necessários para isso.

Há avanços também nos planos para o uso do hidrogênio?

O hidrogênio tem grande potencial em termos de densidade energética. Por massa, é três vezes melhor do que os combustíveis atuais. Um quilo de hidrogênio tem o mesmo potencial de energia de três quilos de combustível normal de aviação. A questão é que úm novo combustível, e precisamos adaptar muitas coisas. Uma das questões: podemos queimar hidrogênio [para mover os motores] ou usar hidrogênio para alimentar células de combustível [e gerar energia elétrica] para mover os motores. Ainda não escolhemos qual o conceito que vamos adotar e há diferentes novas tecnologias em que precisamos trabalhar. Nos próximos três ou quatro anos, vamos entender essas mudanças tecnológicas, para sermos capazes de dominá-las e lançar um avião baseado em hidrogênio, que pode começar a voar em 2035. 

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