José Roberto Mendonça de Barros: "No mundo inteiro, até na China, o consumidor quer saber o que está comendo, de onde o alimento veio e como foi produzido" (Germano Lüders/Site Exame)
Estadão Conteúdo
Publicado em 26 de agosto de 2019 às 10h29.
Última atualização em 26 de agosto de 2019 às 10h38.
São Paulo — Ao menos por enquanto, os brasileiros terão de se contentar com uma economia avançando a uma taxa anual inferior a 3%. Para um crescimento mais vigoroso, será preciso consolidar a situação fiscal e aguardar as concessões de infraestrutura - que não vão decolar em menos de um ano.
Até lá, porém, medidas de intervenção estatal que aliviem a situação dos mais pobres são bem-vindas, segundo José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados.
"É difícil olhar essa situação (de crise) e dizer: 'Vou esperar as reformas fazerem efeito'", diz o economista, que foi secretário de política econômica entre 1995 e 1998. Para ele a crise ambiental é um risco de fato ao já fraco crescimento econômico. "A ameaça é gigante." A seguir, trechos da entrevista.
A taxa básica de juros (Selic) caiu, a reforma trabalhista passou, a da Previdência está encaminhada, e a economia continua estagnada. O que acontece?
Temos de olhar dois vetores. Um é o grau de destruição da crise. O ponto de partida é muito ruim. É como estar atolado na lama. Não é fácil começar a andar. O segundo é que, apesar de muitas peças pró-aquecimento estarem sendo colocadas, faltam duas fundamentais: a consolidação da percepção de que a crise fiscal está ficando para trás - a aprovação da reforma da Previdência na Câmara é um passo fundamental, mas não é o único - e o aumento de investimento.
O investimento está em 15% do PIB. Tem de ir pelo menos para 22%. A resposta para o investimento voltar tem a ver com concessões de infraestrutura. Por outro lado, aquela expectativa favorável depois da eleição se reverteu fortemente. Isso tem a ver com o começo atabalhoado do governo.
À medida que as expectativas se frustraram, emerge a situação atual. São quase 13 milhões de desempregados, 5 milhões de desalentados e 25 milhões de pessoas que não trabalham em tempo integral, mas gostariam. Aí fica fácil entender porque a venda de bens de consumo não decola.
Tínhamos um pouco desse cenário em 2018 e, mesmo assim, a previsão era de um PIB maior.
Houve frustração e erro (dos economistas), diga-se de passagem pelo terceiro ano seguido. Entre a eleição e a virada do ano, cansei de escutar gente entusiasmada dizendo ‘vou gastar mais’. Não era construir uma fábrica nova, mas, nessa situação ruim, se você relança um produto, já está gastando. Com a velocidade que foi a expectativa, ela também caiu.
Por quê?
Não consigo ver outra explicação que não seja pelo começo muito atabalhoado do governo, pela falta de experiência.
Isso passou?
A parte mais atabalhoada, sim, mas aí entra outra questão. Li mais de uma vez, não tenho informação de fonte primária, que o governo e o Ministério da Economia resolveram só colocar em cima da mesa a Previdência. Para não atrapalhar a reforma, não se fez mais nada. Ficou um vazio. Você fica esperando acontecer uma coisa, que muita gente equivocadamente achava que até maio se resolveria.
Essa frustração também postergou gastos. Estamos em agosto e agora estão anunciando privatizações. Mas, até agora, não saímos da Previdência. Estava claro, já em maio, que o ano seria perdido para o crescimento.
Segundo o Relatório Focus, o PIB vai crescer 0,8% em 2019 e 2,2% em 2020. Reformas não são suficientes para impulsionar um crescimento mais forte?
Por ora, não, mas isso não será para sempre. Para retomar um crescimento melhor, precisamos consolidar a parte fiscal um pouco mais, para que as pessoas tenham convicção de que de fato vai melhorar, e que não é apenas uma promessa. A segunda questão são as concessões, obras de infraestrutura.
O ministro da Infraestrutura (Tarcísio de Freitas) disse que projetos maiores só a partir do fim do primeiro semestre de 2020. Portanto, o ano que vem ainda vai ser moderado. Pode melhorar depois porque, em todo o mundo, o que emprega mesmo é a construção. Mas dá para dizer que a volta vai ser muito lenta. Precisaremos de mais tempo para ter um crescimento de 3% sustentável.
Nada pode ser feito até lá para aliviar a situação dos 13 milhões de desempregados?
Tem de fazer alguma coisa. Mas não qualquer coisa, porque tem um aperto fiscal. Por exemplo, existem municípios de 100 mil habitantes que poderiam ter projetos de esgoto concedidos para a iniciativa privada. Além disso, sempre é possível fazer programas de intervenção direta para (reduzir) a pobreza absoluta. Eles são relativamente baratos.
É difícil olhar essa situação e dizer: ‘Vou esperar as reformas fazerem efeito’. Suspeito que tenha um conflito existencial na equipe econômica, que, na sua maioria, é excessivamente liberal. Tenho impressão que é menos por falta de recurso e mais por essa coisa conflituosa (que não se faz nada).
A crise ambiental pode ter impacto relevante na economia?
O agronegócio, na sua essência, tem uma boa pegada ambiental. Ainda tem dificuldades, mas tem um caminho onde já existem práticas sustentáveis. O nó da questão é a Floresta Amazônica. A maior parte dos incêndios são de atividades ilegais, grilagem, invasão em terra pública ou do índio. Isso é um horror para o agronegócio.
No mundo inteiro, até na China, o consumidor quer saber o que está comendo, de onde o alimento veio e como foi produzido. Duas semanas atrás, o presidente da Cofco (estatal chinesa de processamento de alimentos) falou que vai comprar mais do Brasil, mas que só fará isso se tiver sustentabilidade na produção. Falou doze vezes a palavra sustentabilidade.
A ameaça é gigante e a visão de que é um problema com ONGs está totalmente desconectada. Estamos acumulando condições de voltar a crescer. Ainda assim, nada está garantido. Pode piorar por causa do cenário internacional, da crise argentina e de problemas de boicote ao agronegócio brasileiro. Esse risco existe. Não é invenção.