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Cortar zeros da moeda não resolve problemas da frágil economia venezuelana

A medida, que entrará em vigor em 20 de agosto, é acompanhada, contudo, por anúncios que sugerem uma flexibilização do modelo intervencionista

Venezuela: inflação no país, segundo o FMI, chegará a 1.000.000% ainda em 2018 (Marco Bello/Reuters)
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AFP

Publicado em 27 de julho de 2018 às 18h39.

A eliminação de cinco zeros da moeda venezuelana evitará o colapso imediato do sistema de pagamentos no país, mas está longe de resolver a hiperinflação e, ao contrário, pode aprofundar as já graves distorções econômicas.

A medida, que entrará em vigor em 20 de agosto, é acompanhada, contudo, por anúncios que sugerem uma flexibilização do modelo intervencionista. Entenda qual é o alcance destas políticas.

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Óculos a 1 bilhão

Na Venezuela, os preços aumentam cada vez com maior velocidade, alcançando níveis inverossímeis por causa de uma inflação que, segundo o FMI, chegará a 1.000.000% ainda em 2018.

Um par de óculos de leitura pode custar 1 bilhão de bolívares (aproximadamente 300 dólares no mercado paralelo), e um quilo de alho, 32 milhões (10 dólares). O salário mínimo é de somente 1,5 dólar.

Seriam necessárias 10 mil células do mais alto valor para comprar os óculos. O dinheiro em espécie é raridade e as transferências eletrônicas predominam nas transações.

Inicialmente, o governo planejava eliminar três zeros do bolívar, porque tirar cinco "seria admitir a hiperinflação", disse Henkel García, diretor da consultoria Econométrica.

"Mas é um reconhecimento parcial, pois deveria ser acompanhado de uma reforma econômica para freá-la", acrescentou.

Maduro garante que a inflação é "induzida" como parte de uma guerra econômica da oposição e dos Estados Unidos para derrubá-lo.

Entretanto, o financiamento do rombo fiscal fez com que a base monetária se multiplicasse por 250 nos últimos dois últimos anos.

O objetivo é "defender, melhorar o poder aquisitivo da classe trabalhadora", disse nesta quinta-feira o ministro de Indústrias e Produção, Tareck El Aissami.

Os zeros: ameaça à informática

A eliminação dos zeros poderá otimizar processos operacionais que se tornam inviáveis, como as transações bancárias, as notas fiscais e o pagamento de pequenas compras.

"Os sistemas informáticos estão no limite, não há plataforma que aguente o número de transações. A possibilidade de um colapso é latente", disse uma fonte bancária à AFP.

Muitos supermercados precisam dividir em três ou mais notas fiscais cada pagamento recibo, pois seu limite por transação é de 20 milhões.

"A reconversão monetária busca evitar o colapso dos sistemas financeiros das empresas: qualquer transação é de centenas de milhões ou bilhões", comentou o economista Leonardo Vera.

Células dissolvidas

As novas células podem se dissolver em apenas seis meses caso o governo não aplique medidas para controlar a inflação, adverte Henkel García. "Teriam que voltar a cortar os zeros da moeda".

O alto custo de vida já devorou um conjunto de células de alta denominação emitida no final de 2016.

No início de 2017, a nota de valor mais alto - de 100.000 bolívares - comprava cinco quilos de arroz. Hoje, vale apenas um cigarro.

"Se a inflação continuar a 100% por mês, a nota de 500 (a de mais alto valor no momento) ficará obsoleta em dezembro", estimou Vera.

-50.000 litros de gasolina por uma moeda?-

A gasolina venezuelana é praticamente o único produto que não sobe, e continua sendo a mais barata do mundo. Com 1 dólar trocado no mercado paralelo podem ser comprados 3,3 milhões de litros (cada um a 1 bolívar).

O absurdo chega ao ponto de que, com a moeda de menor valor no plano monetário, de 0,5 bolívares (50.000 bolívares de hoje), poderiam ser adquiridos 50.000 litros.

Com essa distorção, é provável que o governo seja obrigado a ajustar os preços dos combustíveis e de outros bens e serviços fortemente subsidiados.

"Teremos um aumento implícito de bens e serviços, como a gasolina", apontou Asdrúbal Oliveros, presidente da Ecoanalítica. Henkel García, entretanto, esclarece que, embora o reajuste seja alto, o preço está tão defasado que continuará baixo.

Os pagamentos de valores baixos, realizados em espécie, como o combustível e o transporte público, podem ficar complicados se o governo optar pelo convívio do velho e do novo sistemas monetários.

Para encher o tanque de um carro pequeno, por exemplo, os venezuelanos não pagam mais do que 50 bolívares. Ninguém sabe como receberá o troco com a nova moeda.

Dólar bem-vindo

Maduro deu sinais de abertura ao anunciar que apresentará na Assembleia Constituinte um projeto que flexibiliza o controle de cambial , para atrair o investimento estrangeiro.

Ele também anunciou que isentará de impostos e tarifas as importações de matérias-primas, insumos e máquinas, inclusive usadas.

No entanto, essas medidas somente serão relevantes "se houver estabilidade econômica que atraia investimentos", opinou o economista Luis Vicente León.

O ministro de Indústrias e Produção, Tareck El Aissami, afirmou que este "programa para a prosperidade" pretende consolidar o socialismo e manterá os subsídios.

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