Contratos de cervejarias com poder público lesam o consumidor, diz Fazenda
Ausente a concorrência, o monopolista elevará preços para maximizar lucros, chegando a níveis de aumento absurdos como de 300%, diz parecer
Reuters
Publicado em 26 de novembro de 2018 às 14h51.
Última atualização em 27 de novembro de 2018 às 12h09.
São Paulo - Ao optar por contratos de exclusividade com fabricantes de bebidas como Ambev e Heineken durante grandes festas populares como o Carnaval e shows agropecuários, o poder público pode ter prejudicado os consumidores e limitado a concorrência no mercado, exigindo a investigação de órgãos de controle, afirmou o Ministério da Fazenda em parecer sobre o setor.
Investigação da Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac) localizou indícios de condutas anticompetitivas na exclusividade de venda de bebidas em carnavais promovidos pelas prefeituras de Belo Horizonte, Olinda, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, entre outras. Foram identificados problemas também em festa agropecuária de Barretos (SP).
O tamanho dos eventos e o tipo de contrato fechado pelo poder público com as empresas indicam que os prejuízos ao consumidor podem ultrapassar o período das festas, na avaliação do economista Roberto Taufick, assessor da Seprac responsável pela investigação. "Órgãos do Executivo municipal têm concedido exclusividade para a comercialização, em particular de bebidas, nas principais festas locais", diz um trecho do parecer da Seprac. "Ausente a concorrência, o monopolista elevará os seus preços de tal forma a maximizar os seus lucros. Não é à toa que matérias jornalísticas trazidas à colação falam em aumentos de preços tão altos quanto 300 por cento."
As prefeituras assinaram contratos de exclusividade com empresas de bebidas, que patrocinam os eventos em troca da exposição de suas marcas e venda de seus produtos, sem ganhos quantificáveis para o poder público e com indícios de prejuízo a consumidores, entre outras práticas anticoncorrenciais previstas em lei, na visão dos técnicos do Ministério da Fazenda.
De posse de respostas, muitas vezes incompletas, de prefeituras e outros órgãos, a Seprac solicitou a investigação dos contratos de exclusividade pela Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Prefeituras sob suspeita
Além de avaliar se os contratos violam a legislação antitruste, o parecer da Seprac pede que os órgãos apurem se houve direcionamento da licitação para empresas específicas o que pode levar a multas pela conduta. Além da Ambev, o parecer cita as cervejarias Amstel (da Heineken) e Brasil Kirin, comprada pelo grupo holandês, como concorrentes nos editais e contratos lançados por prefeituras municipais.
Por outro lado, não haveria comprovação de que a estratégia de permitir a exclusividade de comercialização de bebidas durante as festas gerasse benefícios ao consumidor ou economia para o poder público, um dos objetivos principais das parcerias.
"Nenhuma resposta apresentou... contrafactual que indicasse que os gastos do Estado tenham efetivamente reduzido após a introdução da exclusividade na venda dos produtos, ou que o evento não poderia ser financiado somente com o valor arrecadado com a exposição de marcas patrocinadoras, sem que se recorresse à exclusividade de comercialização", diz um trecho do documento.
"O histórico dos carnavais permite concluir que, até recentemente, a exclusividade de comercialização de produtos não era considerada necessária para a realização desses eventos e que, ainda hoje, há municípios bem-sucedidos na realização de festas arcadas exclusivamente pelo setor privado, sem a garantia de exclusividade de comercialização de determinada marca."
Os casos de Salvador e Rio de Janeiro, que realizam as maiores festas de Carnaval do país, são emblemáticos, na visão dos técnicos da Fazenda. Em Salvador, não há previsão de exclusividade para a Ambev, que patrocina o Carnaval desde 2017, mas na prática fiscais da prefeitura impedem a venda de bebidas de outras marcas, segundo denúncia recebida pela Seprac.
No Rio de Janeiro, haveria fiscalização da Polícia Militar para impedir a venda de bebidas concorrentes em ambientes fechados, ao mesmo tempo em que há indícios de exclusividade durante os blocos de rua e fiscalização por policiais militares.
"Apesar de o patrocínio individual a blocos de rua ser, em tese possível (...) a expressa previsão de que a Ambev terá acesso exclusivo aos promotores de venda em todo o carnaval permite-nos concluir que, ao menos no trajeto oficial, a exclusividade esteja garantida", diz outro trecho. "Há, também, relatos de que, especialmente em espaços fechados, a Ambev faria valer a sua exclusividade, seja por meio de coerção promovida pela própria marca de cerveja, seja por meio do policiamento local."
A EXAME, a Ambev enviou um comunicado, dizendo que participa de diversos eventos no país. "A Cervejaria Ambev patrocina festas populares e eventos culturais em diversas cidades pelo país, juntamente com empresas dos mais variados setores - como bens de consumo, aéreo, transporte e bancário, para citar alguns. Nossos patrocínios são sempre feitos de acordo com as legislações aplicáveis, sempre visando o interesse público e dos cidadãos desses eventos. Esses patrocínios são a garantia para que essas festas ocorram e isso se traduz em infraestrutura e conforto para os cidadãos, o que diminui drasticamente a necessidade de investimento por parte do poder público."
O Grupo Heineken no Brasil esclareceu que "respeita a legislação aplicável e possui rigorosa política de compliance, repudiando qualquer prática que possa violar as regras do direito da concorrência.”
Matéria atualizada dia 27 de novembro às 12h09 para incluir posicionamento da Heineken.