Conta de telefone custa só US$ 0,15 na Venezuela - mas não há serviço
Inflação, blecautes, equipamentos roubados, vandalismo e limite para cobrança deixam empresas sem dinheiro e consumidores sem acesso
João Pedro Caleiro
Publicado em 17 de dezembro de 2018 às 17h23.
Última atualização em 17 de dezembro de 2018 às 17h24.
Sempre quando Margara Bermúdez precisa telefonar, ela vai de moto até uma árvore que fica a cerca de cinco minutos de sua casa, em uma pequena vila nos arredores de Maracaibo, uma cidade rica em petróleo. É o único lugar onde há sinal suficiente para que seu celular funcione.
Os moradores de Los Puertos de Altagracia descobriram que o lugar é uma espécie de refúgio das crescentes zonas mortas que os deixam incomunicáveis na maior parte do tempo, resultado de um crime popular neste país decadente: roubos e vandalismos contra antenas de celular.
Assim, a árvore, que sempre ofereceu uma sombra bem-vinda em meio ao calor que frequentemente passa dos 30 graus Celsius, agora fica lotada mesmo à noite, iluminada por pessoas que vão até lá para mandar mensagens de texto.
Documentos indicam que houve pelo menos 2.000 ataques à rede de 6.000 antenas da Venezuela nos últimos três anos. O número inclui incidentes de vandalismo -- ataques a equipamentos para retirada de peças, que podem ser revendidas -- e roubos descarados. Somente em 2018, a Movistar, subsidiária da Telefónica e segunda maior operadora do país, denunciou 536 furtos.
Os roubos aumentam a pressão sobre as empresas, que lutam para sobreviver em meio à inflação crescente, aos preços limitados e a um sistema de comunicação assolado por blecautes que deixam desamparados milhões de venezuelanos que moram em cidades menores.
“Estamos isolados, estamos até nos distanciando de nossas famílias. Eles reclamam que não ligo para eles, mas o que posso fazer?”, disse Bermúdez, perto da famosa árvore. Quando precisa fazer uma transferência bancária pela internet, ela vai até lá e liga para a irmã, em Caracas, para que a ajude. Muitas vezes a chamada é interrompida após poucos segundos.
A estatal Movilnet, operadora líder do país, e a Digitel, de propriedade privada, também foram afetadas pela onda de crimes.
Os equipamentos roubados, que muitas vezes são divididos pelas empresas, posteriormente são revendidos por altos valores, incluindo cabos de alimentação, peças de cobre e componentes eletrônicos, segundo documentos vistos pela Bloomberg.
Para as empresas, está cada vez mais difícil substituir os equipamentos roubados. O governo deixou de fornecer dólares subsidiados para importações após o colapso do preço do petróleo, sua principal fonte de receita.
Esse fator, aliado ao limite de cobrança - o plano de internet móvel mais caro da Movistar custa cerca de 100 bolívares, em torno de US$ 0,15 segundo o câmbio paralelo, contra um custo de US$ 17 de um plano similar oferecido pela empresa na vizinha Colômbia -, deixa as empresas sem dinheiro para investir ou para melhorar a tecnologia.
“Cobrando 3 a 4 dólares por mês, poderíamos começar a recuperar os sistemas”, disse José Luis Rodríguez Zarco, presidente da Telefónica na Venezuela, a jornalistas, na sexta-feira, acrescentando que as tarifas venezuelanas são as mais baratas do mundo. “Não estamos à beira do colapso, mas cada vez vamos comprometer mais qualidade.”
Rodríguez disse que a empresa não pretende abandonar a Venezuela, mas precisa da ajuda constante de sua controladora na Espanha para continuar operando. O consumo aumentou 73 por cento em um ano e um terço dos funcionários deixou o país, disse.
A maior parte do dinheiro é destinada à manutenção, o que inclui a recuperação das estações que são alvos de furtos e vandalismo, segundo documentos vistos pela Bloomberg.
A substituição de cada uma delas custa 600.000 por cento mais que no ano passado devido à inflação anualizada de 1,7 milhão por cento dos últimos três meses.