Como a desigualdade de gênero prejudica a economia
Uma série de estudos prova que a maior igualdade entre os gêneros melhora o desempenho econômico dos países e, consequentemente, a vida das pessoas
Ligia Tuon
Publicado em 28 de julho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 28 de julho de 2019 às 08h00.
São Paulo — Quem já estudou o tema, confirma: as gerações atuais e futuras podem se beneficiar enormemente se o mundo caminhar para uma maior igualdade entre homens e mulheres.
Cerca de 49% das mulheres no mundo estão inseridas no mercado de trabalho, contra 75% dos homens, de acordo com o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
São 26 pontos percentuais de diferença. No caso do Brasil, a situação é só um pouco melhor: 56% de participação entre as mulheres contra 77% entre os homens.
O dado foi destacado recentemente pela economista Monica de Bolle em um vídeo no seu Twitter, onde ela questionou: o que aconteceria se a participação fosse equiparada?
"A OIT fez essa conta e chegou à conclusão de que num período de 8 anos, isso levaria a um crescimento de 6 pontos percentuais adicionais na economia brasileira", diz de Bolle.
Uma série de estudos chegou de formas diferentes à conclusões similares. Um deles, feito no ano passado pelo Banco Mundial, calcula que a riqueza total no mundo teria uma alta de 14% se fosse alcançada a igualdade salarial entre homens e mulheres.
Globalmente, para os 141 países analisados, a perda em riqueza de capital humano devido à desigualdade de gênero é estimada em US$ 160 trilhões, cerca de duas vezes o valor do PIB global.
"Alcançar a igualdade de gênero traria benefícios dramáticos para o bem-estar e a agência de mulheres e meninas. Isso, por sua vez, beneficiaria enormemente seus lares e comunidades e ajudaria os países a alcançar seu pleno potencial de desenvolvimento", diz o documento.
Como isso acontece
O estudo do Banco Mundial também mostra que filhos de mães jovens e com pouca instrução correm mais risco de morrer antes dos cinco anos de idade, de desnutrição e de ter um péssimo desempenho escolar.
No Brasil, a fragilidade social das mães afeta diretamente a mortalidade masculina e dificulta a redução dos níveis de violência, ressalta Carmen Miguele, professora da FGV. Segundo ela, quase metade dos lares das classes C, D e E são liderados por uma mulher sozinha.
"O abandono parental afeta boa parte das mulheres de baixa renda. Essa mulher fica numa situação vulnerável no mercado de trabalho e tem baixa flexibilidade para se destacar", explica.
Uma publicação da organização americana Council of Foreign Relations destaca que a literatura acadêmica encontrou correlação positiva entre igualdade de gênero e cumprimento de direitos econômicos e sociais, assim como evidências que asaúde das crianças é influenciada positivamente pelo poder de barganha das mulheres em casa.
Estudos também mostram quetaxas mais baixas de fecundidade e aumento do nível educacional das mulheres têm efeito positivo sobre o crescimento.
Elas trabalham mais e estudam mais, mas ganham menos
As mulheres brasileiras trabalham, em média, três horas por semana a mais do que os homens, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).A conta leva em consideração trabalhos remunerados, afazeres domésticos e cuidados de pessoas.
Essas tarefas paralelas são o que a professora da Facamp (Faculdades de Campinas) e doutora em economia,Daniela Salomão Gorayeb, chama de "trabalho de reprodução".
Ele está relacionado com a própria gravidez, mas também com o cuidado com dependentes, sejam eles crianças ou idosos que não podem mais se inserir no mercado de trabalho.
"Esse universo, tanto no Brasil como no mundo, cai muito sobre as mulheres, o que as torna menos disponíveis ao trabalho remunerado", explica Gorayeb.
Ela nota que no Brasil, as mulheres trabalham 20 horas por semana nos afazeres domésticos, o dobro de horas dos homens.
Isso ajuda a explicar porque a proporção de mulheres ocupadas em trabalhos por tempo parcial também é o dobro daquela registrada entre os homens (28,2% contra 14,1%).
Além da taxa de desemprego delas (14,9%) ser mais alta do que a deles (10,9%), as mulheres são maioria da força de trabalho subutilizada, ou seja, daquelas pessoas que tem jornada de trabalho inferior a 40 horas e desejam trabalhar mais.
Quase um terço da força de trabalho feminina está nessa situação e o cenário se agravou no primeiro trimestre, de acordo com um estudo feito por Daniela com Juliana de Paula Filleti e Maria Fernanda Cardoso de Melo, também economistas da Facamp.
A análise, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, mostra que as mulheres recebem, em média, 81% da remuneração masculina:R$ 2.142 contra R$ 2.644.
Essa diferença, segundo o estudo, também se dápela maior participação das mulheres em posições mais precárias de emprego e de ocupação.
E ao contrário do que se pode pensar, quanto maior o nível de escolaridade, maior a desigualdadesalarial.Segundo os dados do PNAD, mulheres com maior nível de escolaridade recebem em média apenas 64,3% dos rendimentos de homens na mesma situação.