Economia

Brasil pode ser um dos mais afetados pela guerra do aço de Trump

Brasil é o segundo país que mais exporta aço para os EUA e um terço das nossas exportações do produto tem como destino os americanos

Homem trabalha na produção de aço em uma siderúrgica (Martin Divisek/Bloomberg)

Homem trabalha na produção de aço em uma siderúrgica (Martin Divisek/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 2 de março de 2018 às 15h49.

Última atualização em 2 de março de 2018 às 18h51.

São Paulo - O Brasil não vai sair ileso de uma guerra comercial disparada pelos Estados Unidos.

Donald Trump anunciou nesta quinta-feira a imposição de tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados pelo país.

O presidente americano ainda tuitou que “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”, ressuscitando a parte de sua retórica que mais assusta os economistas desde a campanha.

O Brasil é um país de economia relativamente fechada, pouco integrado à globalização, e tem déficit comercial na relação com os Estados Unidos.

É por isso que não fomos alvo privilegiado da retórica de Trump, e a avaliação era que não estaríamos entre os mais prejudicados por uma volta do protecionismo.

Mas a escolha do aço nos atinge em cheio, já que o Brasil foi o segundo país que mais exportou o produto para os EUA entre janeiro e setembro de 2017, segundo dados da administração comercial americana.

Só três países atingiram dois dígitos de participação na importação de aço pelos americanos: Canadá (16%), Brasil (13%) e Coreia do Sul (10%).

Em 2016, cerca de 34% do aço brasileiro que saiu do país teve os Estados Unidos como destino. O número é alto, mas caiu em relação aos 40% registrados em 2015.

As siderúrgicas brasileiras tiveram quedas fortes na Bolsa hoje enquanto as siderúrgicas americanas apresentam alta apesar de uma reação negativa generalizada nos mercados mundiais.

O alumínio é relativamente menos importante, já que o Brasil está mais próximo da 10ª posição entre os maiores exportadores do produto para os EUA, mas há um impacto indireto quase imediato:

"As taxas diminuem a competitividade dos importados nos EUA, então os países vão procurar outros mercados. É o chamado desvio de comércio. O próximo passo é a pressão de preço e práticas desleais, já que muitas empresas precisam achar destino pra sua produção", diz Milton Rego, presidente-executivo da ABAL (Associação Brasileira do Alumínio).

"O Brasil está num ambiente cada vez mais protecionista e não dá para achar que vamos passar incólumes", completa.

Reação brasileira

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) diz em nota que o governo recebe a decisão com “enorme preocupação” e “não descarta eventuais ações” para preservar seus interesses.

O anúncio ocorre depois de o ministro da pasta, Marcos Jorge, se reunir, em Washington, com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross.

Na reunião, Jorge afirmou que o aço brasileiro não representa ameaça à segurança nacional norte-americana e que as estruturas produtivas siderúrgicas de ambos os países são complementares.

Cerca de 80% das exportações brasileiras de aço são de produtos semiacabados, que é um insumo da indústria siderúrgica norte-americana.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse, em nota, que a decisão dos EUA é “injustificada, ilegal e prejudica o Brasil” e viola três regras da OMC (Organização Mundial do Comércio).

A entidade calcula prejuízo de US$ 3 bilhões para as exportações de ferro e aço e US$ 144 milhões para as de alumínio e defende que o Brasil utilize todos os meios disponíveis para responder.

NAFTA

O Canadá é a principal origem do aço comprado pelos EUA e o México é o quinto lugar no ranking. Não surpreende, já que os três formam o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA).

Trump ameaça acabar com o acordo desde a campanha e disparou uma renegociação formal agora abalada pela decisão unilateral dos americanos.

"A decisão cria uma má vontade com canadenses e mexicanos em meio à renegociação", diz Marcos Troyjo, economista e diplomata que dirige o BRIClab da Universidade de Columbia.

Além disso, ao contrário do Brasil, os dois vizinhos exportam muito mais aço liso do que produtos semi-acabados.

A embaixadora dos Estados Unidos no México, Roberta Jacobson, renunciou ao cargo nesta quinta-feira; não está claro se se as decisões estão relacionadas.

Chrystia Freeland, ministra de Relações Exteriores do Canadá, disse que “é totalmente inapropriado ver qualquer comércio com o Canadá como uma ameaça de segurança nacional para os EUA” e também disse considerar medidas retaliatórias.

China

A China é a maior produtora de aço do mundo, com metade da produção mundial, mas não tem os EUA como destino importante, aparecendo só no 11º lugar.

Isso significa que apesar de ter sido um dos principais alvos da retórica protecionista de Trump desde a campanha, ela será relativamente pouco afetada pela sobretaxação do aço.

A coisa muda de figura em relação ao alumínio: o que a China exporta pros EUA é mais que o dobro do mercado brasileiro inteiro.

A China pediu ao governo americano para “conter” o uso de medidas protecionistas e “respeitar as regras”.

OMC

Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC, afirmou "clara preocupação" com o tema em uma rara declaração por escrito.

“Uma guerra comercial não seria interessante para ninguém”, diz a nota, apontando que “o risco de escalada é real, como mostram as primeiras respostas dos demais”.

Troyjo faz eco: "Ninguém vai assistir isso de maneira passiva. Todo mundo vai usar medidas, ou via salvaguardas ou via OMC".

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