Após uma década, política de Lula para China semeia dúvidas
Decisão de cortejar a China e ignorar alguns esforços dos EUA levou a uma dependência em relação ao país faminto por commodities
Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2014 às 17h59.
São Paulo/Rio de Janeiro - Em 2004, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva , e 400 executivos fizeram uma viagem de seis dias para a China.
A missão era simples: encorajar as empresas a fortalecerem os laços com o país asiático para reforçar o crescimento doméstico.
Uma década depois, os laços entre o Brasil e a China nunca foram mais fortes. O crescimento está estagnado.
A decisão de Lula de cortejar a China e ao mesmo tempo ignorar alguns esforços dos EUA para ampliar o comércio levou a uma dependência em relação ao país faminto por commodities e aprofundou uma queda na manufatura.
Em maio de 2004, o mês em que Lula visitou a China naquela que ele disse ter sido a “maior viagem” de seu governo, os bens manufaturados respondiam por mais da metade das exportações do Brasil e as commodities, por menos de um terço.
No mês passado, os produtos industrializados haviam caído para 37 por cento e as matérias-primas representavam quase metade.
“Lula nunca admitirá que cometeu um engano, mas eu acho que se ele for avaliar, ele verá que não aconteceu o que ele esperava”, disse José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil. A explosão das exportações de commodities escondeu problemas estruturais e de infraestrutura que tornam o Brasil menos competitivo, disse ele.
“A última década foi dourada para o comércio mundial. Nunca houve uma década similar a essa para o Brasil, mas o Brasil perdeu a oportunidade de realizar reformas”.
A assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior preferiu não comentar as políticas de administrações passadas, citando restrições legais vigentes durante a campanha eleitoral.
A assessoria de imprensa da Presidência encaminhou as perguntas para o Instituto Lula, com sede em São Paulo.
Eleição do dia 5 de outubro
A queda dos preços das commodities, juntamente com uma indústria mais fraca, ajudou a empurrar o Brasil para uma recessão no primeiro semestre deste ano, corroendo o apoio à sucessora de Lula, Dilma Rousseff, que disputará a eleição no dia 5 de outubro.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada no dia 19 de setembro mostrou que Dilma teria 37 por cento de apoio no primeiro turno, contra 30 por cento de Marina Silva.
A candidata à reeleição teria 44 por cento dos votos em um provável segundo turno, empatada tecnicamente com Marina, que tem 46 por cento de apoio. A pesquisa tem uma margem de erro de dois pontos porcentuais para mais ou para menos.
O fato de as ambições de Lula para o relacionamento China-Brasil não terem saído como ele imaginou é evidenciado pela experiência da Embraco.
A empresa, uma das maiores fabricantes de compressores de refrigeração do mundo, que foi adquirida pela Whirlpool Corp. em 2006, se uniu juntou à Vale, à Petrobras e a outras empresas na viagem de Lula para a China.
Na época da viagem, a Embraco exportava do Brasil para a China.
Uma década depois, as plantas brasileiras da empresa deixaram de realizar envios para o país asiático e a Embraco agora tem metade de sua produção em outros lugares, disse o vice-presidente de Negócios e Marketing, Reinaldo Maykot.
A Embraco não é a única a paralisar algumas exportações.
Desde 2008, o ano anterior ao que a China superou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil, o número de empresas locais que exportam para outros mercados caiu 10 por cento, enquanto o número de importadores aumentou 52 por cento, disse Castro, da Associação de Comércio Exterior.
Lula assumiu em 2003 prometendo recuperar uma economia que estava sendo sufocada por uma taxa básica de juros de 25 por cento e uma inflação de 13 por cento. Sua estratégia funcionou no início, com Lula comandando a taxa de crescimento mais rápida do país em 25 anos em 2010, quando o produto interno bruto se expandiu 7,5 por cento.
“A estratégia do governo Lula era diversificar as relações comerciais, reforçando a atenção sobre regiões esquecidas do mundo, especialmente nossos vizinhos latino-americanos, sem esquecer nossos parceiros tradicionais”, disse o Instituto Lula em resposta a perguntas enviada por e-mail.
“O Brasil diversificou seu comércio no período com um crescimento expressivo nas trocas comerciais não apenas com a China, mas também com o Mercosul, a América Latina e a África”.
Em 2003, Brasil e China formaram um bloco que afundou as negociações na Organização Mundial do Comércio ao exigir que as barreiras agrícolas americanas e europeias fossem retiradas.
No ano seguinte, Lula insistiu em retirar assuntos comerciais da agenda em uma cúpula de dois dias que reuniu o então presidente dos EUA George W. Bush e 32 outros líderes da América do Norte e da América do Sul. E em 2005, os juízes da OMC tomaram uma decisão favorável à queixa brasileira de que a ajuda dos EUA ao setor do algodão descumpriu compromissos assinados em 1994.
“Nós temos um problema sério que nos fez mudar o curso da nossa política externa”, disse Lula, em um discurso, em abril de 2004, em uma cúpula anual de produtores agrícolas em Ribeirão Preto, São Paulo.
“Nós agora faremos aquela que talvez seja nossa viagem mais importante: nós iremos para a China”.
Espionagem
As relações entre os EUA e o Brasil continuaram tensas com Dilma.
Ela cancelou sua visita de Estado aos EUA no ano passado depois que documentos vazados pelo ex-empregado terceirizado do governo dos EUA, Edward Snowden, indicaram que ela estava entre os chefes de Estado cujas comunicações foram monitoradas pela Agência Nacional de Segurança do país norte-americano.
Melhorar o comércio entre os dois países foi o tema principal da conversa de uma hora com Dilma, disse o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, em um comunicado divulgado no site da Casa Branca depois de uma visita realizada em junho.
O equívoco de Lula não foi ele ter focado na China, mas sim ele não ter investido os dividendos da explosão das commodities para melhorar as estradas, os portos e as estradas de ferro do país para permitir uma economia mais diversificada, disse Kevin P. Gallagher, professor associado de Política Econômica e de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston.
A taxa de investimento do Brasil, que inclui dinheiro para estradas e transporte público, é de 18 por cento do produto interno bruto, segundo o Banco Mundial.
Isso representa menos que a metade da taxa de 49 por cento da China, em um país cuja infraestrutura está atrás da do Cazaquistão em um ranking do Fórum Econômico Mundial.
A produção industrial encolheu pelo quarto trimestre seguido nos três meses até 30 de junho, segundo o IBGE, e a confiança industrial atingiu seu nível mais baixo na história em julho, segundo a Confederação Nacional da Indústria.
A contração na manufatura ajudou a empurrar a economia para uma recessão no segundo trimestre.
O produto interno bruto encolheu 0,6 por cento no período, levando os economistas consultados pelo Banco Central a preverem que a economia crescerá 0,3 por cento neste ano, o ritmo mais lento desde a recessão de 2009.
“As exportações chinesas para os EUA substituíram muitas das exportações brasileiras porque eles são mais competitivos”, disse Lia Valls, economista da Fundação Getúlio Vargas especializada em comércio brasileiro.
“A queda na produtividade e na competitividade dos produtos manufaturados do Brasil no comércio exterior não é algo novo. Isso estava escondido no século 21, pois as exportações continuaram crescendo por causa das commodities”.