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A economia chegou ao fundo do poço? 4 economistas opinam

O PIB do 1º trimestre divulgado hoje veio na ponta mais otimista do mercado; 4 economistas explicam o que isso significa

fundo-do-poço (Thinkstock/NikoNomad)

João Pedro Caleiro

Publicado em 2 de junho de 2016 às 14h57.

São Paulo - O PIB do Brasil caiu 0,3% no 1º trimestre de 2016 em relação ao trimestre anterior, divulgou hoje o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ).

O resultado surpreendeu. O Itaú Unibanco e a pesquisa da Reuters, por exemplo, previam uma queda mais de duas vezes maior: 0,8%.

Isso significa que a recuperação está aguardando na esquina? Sim e não.

Na medida em que esgota estoques, a indústria começa a parar de cair, ainda que seja para satisfazer uma demanda contida e estabilizar em um nível historicamente baixo.

Ao mesmo tempo, a desvalorização do real estimula a substituição de importações e faz com que o setor externo passe a ajudar (as exportações subiram 13% na comparação anual).

Só que o consumo das famílias, grande motor da economia brasileira nos últimos anos, deve continuar reprimido por um bom tempo. O motivo é uma combinação tóxica de desemprego em alta, renda em baixa, endividamento, inflação, inadimplência e falta de crédito.

As empresas ainda tem muita capacidade ociosa para explorar, então vão demorar para decidir contratar ou investir (detalhe: o investimento está caindo sem parar há mais de 3 anos).

Também resta a incerteza sobre os rumos políticos e capacidade do governo interino de aprovar reformas, ainda que já apareçam sinais prematuros de volta da confiança.

Com o número divulgado hoje, as expectativas de queda do PIB para este ano estão sendo revistas e devem ficar mais próximas de 3,5% do que de 4%. A LCA Consultores mantém sua previsão em 3,2%.

EXAME.com conversou com 4 economistas, entre eles duas pesquisadoras do IBRE/FGV, que acertou em cheio o número do trimestre, para saber o que isso significa e o que vem por aí:

Gesner Oliveira, economista e sócio da GO Associados

"Comparado com a expectativa de mercado, o número foi de fato melhor e reforça a ideia de que a economia está se aproximando do fundo do poço para apresentar uma modesta recuperação a partir de 2017.

A indústria é um dos segmentos que vão causar isso já que houve um ciclo de estoques e uma mudança do nível planejado desde 2013/2014, quando as empresas refizeram suas projeções.

Os dados do setor externo são animadores porque o efeito de depreciação do real está sendo sentido e as exportações industriais se recuperam, o que aliado ao ciclo dá um certo alento.

A grande preocupação segue sendo o investimento, que foi de 19,5% do PIB no 1º tri de 2015 para 16,9% no 1º tri de 2016.

A esperança é recuperar esta parte, que é fruto de expectativa mais regulação, e conter o consumo do governo, o único número que subiu na comparação trimestral.

O consumo das famílias vai demorar para subir assim como demorou para cair. O ajuste no mercado de trabalho ainda está ocorrendo e eu temo que ele será mais profundo já que as empresas estão fazendo ajuste não só marginais mas estruturais.

Se você está pensando em automação, por exemplo, este é o momento, sobretudo com a rigidez da nossa legislação trabalhista.

Se a empresa está com dificuldade de caixa, não tem como dispensar. Quando elas conseguem algum caixa, dispensam mais. As empresas vão demorar muito para contratar e isso significa medo (justificado) do desemprego, queda da renda real, inadimplência e consequente contração da oferta de crédito."

Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV)

"A grande boa notícia é que a indústria de transformação saiu um pouco do fundo do poço: de -3% na comparação trimestral para -0,3%, uma quase estabilidade.

O nível de produção está em nível de 2004 e o setor externo também tem dado sua contribuição, ainda que modesta, graças a um processo ainda muito prematuro de substituição de importações.

Mas é preciso cautela. Além da queda forte do investimento, que mexe com o potencial de crescimento, você tem o problema do consumo das famílias, que responde por 60% do PIB e agora está em desalavancagem após um boom enorme do crédito e da renda.

Agora é o momento de pagar as dívidas contraídas no passado - se não fosse por isso e pelo desemprego elevado, a recuperação seria mais evidente.

Além de tudo, ainda temos uma incerteza política muito grande. Apesar da equipe econômica ser maravilhosa, não se sabe se as medidas de controle do gasto público vão passar no Congresso. Também há o risco de novas eleições ou de volta da Dilma, o que deixa todo mundo mais cauteloso.

Existe espaço em termos de concessões, por exemplo, e o governo está tentando ir nessa direção, mas ainda faltam boas notícias no horizonte."

Francisco Pessoa, economista-sênior da LCA Consultores

"Apesar de ter muita importância, o PIB é um quadro impressionista do que acontece na economia. Em geral, quando se tem uma diferença mais forte do previsto, como nesse caso, é mais pela dificuldade de calcular porque a metodologia ficou mais difícil do que antes.

O pessoal foi surpreendido para pior na agropecuária, que tem bastante a ver com questões climáticas. Já a indústria veio um pouco melhor do que a gente imaginava, assim como a construção.

Se você olha o consumo de energia, vê que há mais participação da hidráulica, que tem mais valor adicionado do que a térmica, o que ajuda. E já não se vê uma queda tão grande no consumo de água e esgoto em São Paulo.

No investimento, as quedas são tão brutais que eventualmente você enxerga o fundo do poço. Não é aumentar a capacidade produtiva: é estabilizar lá embaixo e parar de cair. É inegável que a questão cíclica deve ajudar, mas o momento é de muita incerteza. São situações que nunca se viu antes."

Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do IBRE/FGV

"Ainda são números muito ruins e o investimento continua em queda muito forte, mas as pesquisas mostram reversão da confiança e melhora no ambiente de negócios.

Se o governo conseguir aprovar sua pauta ou pelo menor parte dela, isso pode bater na atividade, mas isso dificilmente muda os números deste ano.

É como se estivéssemos agora mais próximos do fundo do poço; na melhor das hipóteses, o número do PIB pode até ser positivo no 3º trimestre, mas é mais provável que seja no 4º.

A construção, por exemplo, ainda está em retração porque a demanda das famílias está caindo. Se você melhorar a confiança, elas podem voltar para o mercado imobiliário, mas leva tempo entre vendas crescerem e isso significar produção.

Na infraestrutura, a grande esperança é nas concessões e nas parcerias público-privadas, que também não trazem demanda imediata."

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São Paulo - O PIB do Brasil caiu 0,3% no 1º trimestre de 2016 em relação ao trimestre anterior, divulgou hoje o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ).

O resultado surpreendeu. O Itaú Unibanco e a pesquisa da Reuters, por exemplo, previam uma queda mais de duas vezes maior: 0,8%.

Isso significa que a recuperação está aguardando na esquina? Sim e não.

Na medida em que esgota estoques, a indústria começa a parar de cair, ainda que seja para satisfazer uma demanda contida e estabilizar em um nível historicamente baixo.

Ao mesmo tempo, a desvalorização do real estimula a substituição de importações e faz com que o setor externo passe a ajudar (as exportações subiram 13% na comparação anual).

Só que o consumo das famílias, grande motor da economia brasileira nos últimos anos, deve continuar reprimido por um bom tempo. O motivo é uma combinação tóxica de desemprego em alta, renda em baixa, endividamento, inflação, inadimplência e falta de crédito.

As empresas ainda tem muita capacidade ociosa para explorar, então vão demorar para decidir contratar ou investir (detalhe: o investimento está caindo sem parar há mais de 3 anos).

Também resta a incerteza sobre os rumos políticos e capacidade do governo interino de aprovar reformas, ainda que já apareçam sinais prematuros de volta da confiança.

Com o número divulgado hoje, as expectativas de queda do PIB para este ano estão sendo revistas e devem ficar mais próximas de 3,5% do que de 4%. A LCA Consultores mantém sua previsão em 3,2%.

EXAME.com conversou com 4 economistas, entre eles duas pesquisadoras do IBRE/FGV, que acertou em cheio o número do trimestre, para saber o que isso significa e o que vem por aí:

Gesner Oliveira, economista e sócio da GO Associados

"Comparado com a expectativa de mercado, o número foi de fato melhor e reforça a ideia de que a economia está se aproximando do fundo do poço para apresentar uma modesta recuperação a partir de 2017.

A indústria é um dos segmentos que vão causar isso já que houve um ciclo de estoques e uma mudança do nível planejado desde 2013/2014, quando as empresas refizeram suas projeções.

Os dados do setor externo são animadores porque o efeito de depreciação do real está sendo sentido e as exportações industriais se recuperam, o que aliado ao ciclo dá um certo alento.

A grande preocupação segue sendo o investimento, que foi de 19,5% do PIB no 1º tri de 2015 para 16,9% no 1º tri de 2016.

A esperança é recuperar esta parte, que é fruto de expectativa mais regulação, e conter o consumo do governo, o único número que subiu na comparação trimestral.

O consumo das famílias vai demorar para subir assim como demorou para cair. O ajuste no mercado de trabalho ainda está ocorrendo e eu temo que ele será mais profundo já que as empresas estão fazendo ajuste não só marginais mas estruturais.

Se você está pensando em automação, por exemplo, este é o momento, sobretudo com a rigidez da nossa legislação trabalhista.

Se a empresa está com dificuldade de caixa, não tem como dispensar. Quando elas conseguem algum caixa, dispensam mais. As empresas vão demorar muito para contratar e isso significa medo (justificado) do desemprego, queda da renda real, inadimplência e consequente contração da oferta de crédito."

Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV)

"A grande boa notícia é que a indústria de transformação saiu um pouco do fundo do poço: de -3% na comparação trimestral para -0,3%, uma quase estabilidade.

O nível de produção está em nível de 2004 e o setor externo também tem dado sua contribuição, ainda que modesta, graças a um processo ainda muito prematuro de substituição de importações.

Mas é preciso cautela. Além da queda forte do investimento, que mexe com o potencial de crescimento, você tem o problema do consumo das famílias, que responde por 60% do PIB e agora está em desalavancagem após um boom enorme do crédito e da renda.

Agora é o momento de pagar as dívidas contraídas no passado - se não fosse por isso e pelo desemprego elevado, a recuperação seria mais evidente.

Além de tudo, ainda temos uma incerteza política muito grande. Apesar da equipe econômica ser maravilhosa, não se sabe se as medidas de controle do gasto público vão passar no Congresso. Também há o risco de novas eleições ou de volta da Dilma, o que deixa todo mundo mais cauteloso.

Existe espaço em termos de concessões, por exemplo, e o governo está tentando ir nessa direção, mas ainda faltam boas notícias no horizonte."

Francisco Pessoa, economista-sênior da LCA Consultores

"Apesar de ter muita importância, o PIB é um quadro impressionista do que acontece na economia. Em geral, quando se tem uma diferença mais forte do previsto, como nesse caso, é mais pela dificuldade de calcular porque a metodologia ficou mais difícil do que antes.

O pessoal foi surpreendido para pior na agropecuária, que tem bastante a ver com questões climáticas. Já a indústria veio um pouco melhor do que a gente imaginava, assim como a construção.

Se você olha o consumo de energia, vê que há mais participação da hidráulica, que tem mais valor adicionado do que a térmica, o que ajuda. E já não se vê uma queda tão grande no consumo de água e esgoto em São Paulo.

No investimento, as quedas são tão brutais que eventualmente você enxerga o fundo do poço. Não é aumentar a capacidade produtiva: é estabilizar lá embaixo e parar de cair. É inegável que a questão cíclica deve ajudar, mas o momento é de muita incerteza. São situações que nunca se viu antes."

Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do IBRE/FGV

"Ainda são números muito ruins e o investimento continua em queda muito forte, mas as pesquisas mostram reversão da confiança e melhora no ambiente de negócios.

Se o governo conseguir aprovar sua pauta ou pelo menor parte dela, isso pode bater na atividade, mas isso dificilmente muda os números deste ano.

É como se estivéssemos agora mais próximos do fundo do poço; na melhor das hipóteses, o número do PIB pode até ser positivo no 3º trimestre, mas é mais provável que seja no 4º.

A construção, por exemplo, ainda está em retração porque a demanda das famílias está caindo. Se você melhorar a confiança, elas podem voltar para o mercado imobiliário, mas leva tempo entre vendas crescerem e isso significar produção.

Na infraestrutura, a grande esperança é nas concessões e nas parcerias público-privadas, que também não trazem demanda imediata."

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