Economia

3 razões para não se preocupar (demais) com o crash da China

Esta crise é diferente: o mercado de ações é pouco significativo para a economia chinesa e viveu um boom que não poderia durar


	Investidor em Xangai, na China, em frente a painel que mostra recuo da bolsa: os números verdes significam queda das ações
 (REUTERS/Aly Song)

Investidor em Xangai, na China, em frente a painel que mostra recuo da bolsa: os números verdes significam queda das ações (REUTERS/Aly Song)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 25 de agosto de 2015 às 18h59.

São Paulo - Puxados pela China, os mercados mundiais tiveram uma segunda-feira de pânico e uma terça-feira de relativa recuperação.

O valor das commodities desabou, o que é péssima notícia para o Brasil, grande exportador destes produtos e que tem a China como principal parceira comercial.

Diante da turbulência, cresce a aposta de que o Federal Reserve vai adiar o aumento dos juros que até pouco tempo era dado como certo para setembro.

A situação é nova e complicada, e o Brasil não vai sair ileso. A desaceleração chinesa é real, e ninguém sabe até que ponto o país vai conseguir rebalancear sua economia em direção a mais consumo e menos investimento.

Mas é importante lembrar também alguns aspectos que diferenciam estes episódios de uma crise financeira tradicional. Veja 3 a seguir:

1. O setor financeiro não é tão importante para a economia da China

Em um relatório recente do Credit Suisse, 13 indicadores da China ficaram abaixo da média recente e cerca de metade em território negativo. A queda da bolsa é reflexo do medo de que o país desacelere demais e muito rápido. 

Mas a relação de causa e efeito não é tão forte na direção contrária, já que o setor financeiro chinês tem canais limitados para afetar a economia real. Ele representa uma participação muito pequena do PIB, menor do que em qualquer outra grande economia mundial.

O próprio boom do mercado de ações foi reflexo do fato de que o governo controla com mão firme o fluxo de dinheiro e dá aos chineses pouquíssimas opções de investimento.

Quando a compra de propriedades foi limitada - justamente para conter a especulação - o dinheiro fluiu para o mercado acionário, processo alimentado pela mídia estatal chinesa.

Ainda assim, isso não foi suficiente para criar nada comparável aos Estados Unidos, por exemplo, onde empresas e famílias apostam alto e tem grande parte do seu patrimônio em ações.

2. O crash já estava previsto (e vai corrigir excessos)

No segundo trimestre deste ano, o setor financeiro crescia a um ritmo duas vezes maior que a taxa da economia. Há hoje mais chineses com carteirinha de acionistas do que do Partido Comunista. 

"Derretimento não é um termo muito preciso para o que estamos vendo. O mercado chinês praticamente dobrou desde dezembro, e o declínio que vimos no último mês é modesto em comparação", diz Barry Eichengreen, economista da Universidade de Berkeley.

Não faltaram alertas de que a bolha era insustentável, como mostra um pequeno resumo das manchetes ainda em março e abril: "o mercado está quente demais" (CNN), "a bolha da internet não foi nada comparada com isso" (Bloomberg), "o desapontamento é inevitável" (Financial Times).

Só em uma semana de abril, 3,3 milhões de chineses abriram contas para participar do mercado de ações. E uma pesquisa com os novos entrantes no mercado no final de 2014 mostrou que 67% não tinham sequer concluído o ensino médio. 

“Isso sublinha preocupações de que o rali está divorciado dos fundamentos de lucro e crescimento e sujeito a uma reversão súbita”, dizia Tom Orlik, economista-chefe da Blooomberg na Ásia, já no final de março.

3. Incerteza é a palavra do jogo e há muitos cartuchos para serem usados

Uma palavra resume o sentimento dos últimos dias: incerteza. Otimismo ou pessimismo, depende de quem (e o que) você quiser ouvir. A estimativa do tamanho do setor bancário paralelo chinês, por exemplo, vai de 8% a 80% do PIB de acordo com a fonte.

"As economias muitas vezes escorregam porque você olha os fundamentos e identifica inconsistências. No caso da China, o grau de desconforto é muito baseado naquilo que não se sabe", diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia.

Os próprios números de crescimento do país são frequentemente questionados, e não há como saber com profundidade o perfil da dívida chinesa - que explodiu de 120% para 282% do PIB entre 2000 e 2014, segundo números de BlackRock com a Mckinsey.

O governo chinês mostrou que vai atuar, seja de forma heterodoxa (segurando o mercado artificialmente com restrições, o que não deu muito certo) ou mais tradicional (permitindo a desvalorização do yuan e cortando juros e a exigência de reservas nos bancos). 

E a China ainda tem US$ 3,6 trilhões em reservas para queimar, ainda que nem tudo esteja disponível a seu bel prazer. E enquanto possíveis bons números econômicos não saem do forno, sua arma mais importante vai continuar sendo a comunicação.

"A principal ferramenta é tornar a economia mais transparente, e se não tiverem maiores problemas para esconder (e eu acho que não tem) minha impressão é que a China não vai ficar tão feia na foto. Precisamos interpretar o que aconteceu nos últimos dias mais como as dores do parto da maior influência chinesa do que algo como uma crise financeira tradicional", diz Troyjo.

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