Ciência

LHC detecta alta produção de partículas estranhas em experimento

Foi a primeira vez que esses objetos foram detectados em tão grande abundância também no choque de partículas tão leves quanto o próton

Grande abundância de hádrons estranhos, decorrente do choque central de núcleos pesados, foi obtida também em colisões de prótons (ALICE/Divulgação)

Grande abundância de hádrons estranhos, decorrente do choque central de núcleos pesados, foi obtida também em colisões de prótons (ALICE/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 27 de abril de 2017 às 12h15.

Última atualização em 27 de abril de 2017 às 12h16.

Em artigo publicado no dia 24 de abril em Nature Physics, a colaboração internacional ALICE (A Large Ion Collider Experiment) noticiou uma produção abundante de hádrons dotados de quarks estranhos em colisões próton-próton realizadas no LHC (Large Hadron Collider), o grande colisor de partículas localizado na fronteira franco-suíça.

Foi a primeira vez que esses objetos, observados com crescente frequência nas colisões de núcleos pesados (chumbo-chumbo, ouro-ouro), foram detectados em tão grande abundância também no choque de partículas tão leves quanto o próton.

O estudo que resultou no artigo publicado, “Enhanced production of multi-strange hadrons in high-multiplicity proton–proton collisions”, teve a participação decisiva de pesquisadores brasileiros, especialmente de David Dobrigkeit Chinellato, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas, que atuou como coordenador internacional de um dos grupos de trabalho de física do ALICE, o grupo “Light Flavour”. Chinellato é apoiado pela FAPESP por meio do projeto “Produção de estranheza em colisões Pb-Pb na energia de 5.02 TEV no ALICE”.

A produção abundante de hádrons com quarks estranhos é considerada uma espécie de assinatura do plasma de quarks e glúons – um estado extremamente quente e denso da matéria que teria existido durante uma diminuta fração de segundo após o Big Bang e que agora está sendo recriado nos dois grandes colisores de partículas da atualidade, o Large Hadron Collider (LHC), na Europa, e o Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC), nos Estados Unidos.

“A grande novidade foi observar essa produção abundante de hádrons com quarks estranhos na colisão de sistemas tão pequenos quanto os prótons”, comentou o físico Alexandre Alarcon do Passo Suaide, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, pesquisador principal do projeto temático “Física nuclear de altas energias no RHIC e LHC”, por meio do qual a FAPESP apoia a participação dos cientistas sediados em instituições paulistas na colaboração ALICE.

“Os fenômenos que caracterizam o plasma de quarks e glúons estão sendo observados em colisões de sistemas cada vez menores. E isso é algo que, alguns anos atrás, não tínhamos ideia de que poderia acontecer”, continuou.

A evidência de hádrons com quarks estranhos nas colisões próton-próton, veiculada agora pela colaboração ALICE, sugere que o plasma de quarks e glúons possa ser produzido também no choque dessas partículas muito pequenas, e não apenas na colisão de núcleos pesados, chumbo-chumbo (no LHC) ou ouro-ouro (no RHIC), como já se admitia.

Mas os pesquisadores consideram prematuro afirmar isso de maneira taxativa.

“É preciso fazer medições mais detalhadas, relacionando os hádrons dotados de quarks estranhos com outros observáveis resultantes da colisão. Assim, poderemos acrescentar novas peças ao quebra-cabeça, até chegar, eventualmente, à figura completa”, ponderou Suaide.

Essa cautela se justifica, entre outros motivos, pelo fato de o plasma de quarks e glúons não poder ser observado diretamente. Ele é extremamente efêmero. E, nos experimentos realizados no LHC e no RHIC, seu suposto tempo de duração é da ordem de 10-23s – o que impossibilita qualquer observação direta. O que os pesquisadores de fato observam são os objetos que se formam depois que os quarks e os glúons deixam de se movimentar livremente no plasma e voltam a ser encapsulados em hádrons.

Participação brasileira

Os resultados agora divulgados pelo ALICE muito devem à atuação do jovem pesquisador brasileiro David Dobrigkeit Chinellato.

“Comecei a pensar nessa medida em 2010, quando estava ainda em meu quarto ano de doutorado. Em 2012, 2013 e 2014, vários colegas e eu despendemos um longo tempo estudando como fazer as medições, que procedimentos técnicos adotar, para evitar vícios de detecção que pudessem prejudicar os resultados. Em 2015, a análise de dados foi finalmente concluída. Em seguida, entramos no processo de publicação. O resultado foi um artigo de quatro páginas mas que envolveu muito tempo, muita gente e muito esforço para ser produzido”, disse Chinellato à Agência FAPESP.

“Desde a tomada de dados até a publicação, há uma longa cadeia, que demanda a participação de muita gente. Por isso, o ALICE reúne uma equipe internacional tão grande, com aproximadamente 1.500 pessoas”, afirmou o pesquisador.

Chinellato lembrou que o experimento é operado a partir de uma sala de controle informatizada, localizada acima da superfície, enquanto o colisor propriamente dito, com 27 quilômetros de circunferência e quatro detectores (ATLAS, CMS, ALICE e LHCb), fica no subterrâneo, a 175 metros abaixo do nível do solo.

Ele participou tanto da fase experimental, na tomada de dados, quanto da análise dos dados obtidos e da redação final do artigo.

O que são hádrons estranhos

O conceito de “estranheza” [strangeness, em inglês] foi proposto, nos anos 1950, por Murray Gell-Mann, Abraham Pais e Kazuhiko Nishijima, para caracterizar a propriedade que fazia com que certas partículas sobrevivessem por mais tempo do que o esperado. A estranheza, simbolizada pela letra “S”, maiúscula, é uma propriedade física, expressa por meio de um número quântico.

O conceito de quark surgiu mais tarde, já na década de 1960, proposto independentemente por Murray Gell-Mann e George Zweig. E, ao longo dos anos, vários tipos de quarks foram descobertos.

Um deles recebeu o nome de “estranho” [strange, em inglês], pelo fato de sua existência oferecer uma explicação para a propriedade da estranheza. O estranho passou a ser simbolizado pela letra “s”, minúscula.

É um dos seis quarks reconhecidos pelo Modelo Padrão da Física de Partículas: up [u], down [d], charm [c], strange [s], top [t] e bottom [b]. Sua massa é várias vezes maior do que as do up e do down, que compõem os prótons e os nêutrons.

Os “hádrons estranhos” são partículas maiores, que recebem esse nome por conterem ao menos um quark estranho. São objetos fugazes como o Káon, o Lâmbda, o Xi [pronuncia-se Csi] e o Ômega, que se tornaram, por assim dizer, “familiares” nos experimentos envolvendo colisões de núcleos pesados, chumbo-chumbo e ouro-ouro.

O que o estudo publicado em Nature Physics informou foi que esses hádrons estranhos foram encontrados em abundâncias inesperadamente grandes em colisões próton-próton nas quais um elevado número de partículas foi produzido.

“Desde os anos 1980, a abundância relativa de hádrons estranhos tem sido apontada como uma possível assinatura da formação do plasma de quarks e glúons em colisões centrais de núcleos pesados. O que o novo estudo mostrou foi que esses objetos também são produzidos em grande abundância em colisões próton-próton quando há uma grande multiplicidade de partículas formadas. A grande multiplicidade de partículas formadas é um indicador do alto patamar de energia alcançado no choque, aproximando-se daquilo que se observa nas colisões centrais núcleo-núcleo”, detalhou o físico Marcelo Gameiro Munhoz, coordenador do projeto temático “Física nuclear de altas energias no RHIC e LHC”.

“A formação do plasma de quarks e glúons gera mecanismos que facilitam a produção subsequente de hádrons estranhos – mecanismos que não estariam presentes se não houvesse o plasma”, explicou Munhoz.

“Por isso, a detecção de hádrons estranhos pode ser considerada um indício, uma assinatura, da formação prévia do plasma de quarks e glúons. Mas poderia haver uma outra explicação, não relacionada com o plasma, para esse aumento de partículas estranhas. E, nesse caso, teríamos, até mesmo, que reinterpretar aquilo que acontece nas colisões núcleo-núcleo”, ponderou o coordenador.

Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.

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