Ciência

Gêmeas siamesas unidas pela cabeça passam por última cirurgia de separação

Quarta cirurgia do processo de separação das irmãs acontecerá no sábado (27) e tem previsão de durar até 12 horas

Gêmeas nascidas com as cabeças unidas passam por cirurgia para separação (Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto/Divulgação)

Gêmeas nascidas com as cabeças unidas passam por cirurgia para separação (Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto/Divulgação)

LN

Letícia Naísa

Publicado em 26 de outubro de 2018 às 19h18.

São Paulo —  As gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle nasceram unidas pelo topo da cabeça. Aos dois anos de idade, as meninas nascidas em Patacas (CE) se preparam para passar por uma cirurgia que pretende separá-las completamente.

O procedimento vai acontecer no próximo sábado (27) no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) e tem previsão de durar até 12 horas. A cirurgia deverá permitir que as irmãs consigam crescer e se desenvolver individualmente.

Esta será a quarta e última cirurgia do processo de separação das gêmeas, que está sendo custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nos Estados Unidos, um processo do tipo tem um custo de cerca de 1,5 milhão de dólares na rede privada. No Brasil, a estimativa é de que saia por cerca de um quarto deste valor.

O caso de Maria Ysadora e Maria Ysabelle é único no país. Na literatura médica, há cerca de 50 casos de gêmeos siameses no mundo que foram operados desde os anos 1950--nem todos com resultados positivos.

Casos de gêmeos unidos são raros. Casos de gêmeos unidos que podem ser operados são ainda mais raros. “A cada dois e meio milhões de nascimentos se tem um caso de gêmeos unidos pela cabeça. Além disso, a cada quatro gêmeos assim, somente um tem chance de ir para cirurgia, o que torna mais raro ainda o processo”, afirma Ricardo Santos, neurocirurgião que faz parte da equipe que acompanha as gêmeas.

Os casos que não podem ser operados têm ligações tão complexas entre os cérebros que tornam impossível o processo cirúrgico. Maria Ysadora e Maria Ysabelle não compartilham o mesmo cérebro e, por isso, podem ser operadas.

A expectativa para as irmãs cearenses é de que elas possam seguir com a vida normalmente, como qualquer criança da idade delas. “Como em toda cirurgia, existem riscos, mas elas não apresentaram problemas até agora”, afirma Santos.

O processo de separação foi dividido em quatro cirurgias para diminuir os riscos de sequelas, diz Santos. 80% dos cérebros, veias e artérias das irmãs já foram separados. O restante será separado em uma das quatro etapas da próxima operação.

As três primeiras cirurgias separaram as gêmeas internamente. A primeira aconteceu em fevereiro, a segunda em abril e a terceira em agosto. A operação que acontecerá no próximo sábado foi dividida em quatro etapas: a primeira completará a separação interna, a segunda fará uma reconstrução da membrana que recobre o cérebro de cada menina, a terceira fará a reconstrução óssea e a última, reconstruirá o couro cabeludo.

“Separar de uma única vez é possível, mas o risco de complicações é muito maior do que quando se opta por cirurgias em etapas”, afirma. “Essa estratégia foi adotada para que elas pudessem se recuperar entre uma cirurgia e outra, você dá tempo para que cada cérebro possa se reorganizar dentro daquela vascularização”, diz Santos.

A equipe do Hospital das Clínicas contou com o apoio do cirurgião americano James Goodrich, especialista no assunto que já acompanhou mais de 30 casos parecidos. Além de neurocirurgiões e cirurgiões plásticos, há uma equipe multidisciplinar envolvida no caso composta por psicólogos, anestesistas, enfermeiros e profissionais administrativos do hospital.

O caso raro deverá render bons frutos para a literatura médica brasileira. “São muitas equipes que se envolveram na confecção de modelos tridimensionais, no aprendizado que existe por ser o caso único e até na forma como isso foi organizado com a equipe, isso com certeza levará a publicações do grupo que serão referências nesse tipo de problema”, afirma Santos.

Para o neurocirurgião, o sucesso do procedimento deixará uma mensagem positiva sobre o sistema público de saúde brasileiro. “Nossa medicina, apesar de todos os problemas que conhecemos, consegue encontrar soluções desde que bem gerenciado”, conclui Santos.

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