Ciência

Cientistas recriam DNA de homem morto há 200 anos

Hans Jonatan foi o 1º negro na Islândia. Seu DNA se destaca tanto da população que foi possível remontá-lo usando genes de descendentes

DNA: homem morto há 200 anos tem sua DNA reconstruído por cientistas (cosmin4000/Thinkstock)

DNA: homem morto há 200 anos tem sua DNA reconstruído por cientistas (cosmin4000/Thinkstock)

Victor Caputo

Victor Caputo

Publicado em 21 de janeiro de 2018 às 08h00.

Última atualização em 21 de janeiro de 2018 às 08h00.

Não chega a ser uma versão humana de Jurassic Park, mas está quase lá. O DNA de um homem que morreu na Islândia em 1827 foi parcialmente recriado em laboratório a partir dos genes “disponíveis” em 182 de seus descendentes. O escolhido para voltar à vida, ainda que em escala molecular, é um ícone local, que tem até artigo na Wikipedia: Hans Jonatan, que em 1802 se tornou a primeira pessoa negra a pôr os pés na ilha gelada.

A escolha não foi feita só pela importância histórica do fato, mas porque os genes de Jonatan, de tão raros na população do país, são fáceis de rastrear. A Islândia é um parque de diversões para quem estuda genética: foi colonizada há pouco mais de mil anos por pouquíssimas famílias de origem nórdica, e há um registro preciso de todas as árvores genealógicas desde então.

Além disso, um banco de dados criado pela empresa deCODE contém os DNAs de 150 mil cidadãos – metade do total de habitantes. Isso torna possível rastrear com segurança o caminho de praticamente qualquer gene com o passar dos anos – uma tarefa que seria bem mais difícil em um lugar como o Brasil, em que há 200 milhões de pessoas e dezenas de etnias misturadas.

Jonatan nasceu no Caribe, filho de uma escrava africana com um capataz nascido na Dinamarca. Serviu a marinha do país europeu durante as guerras napoleônicas, e pensou que seria libertado após o fim do conflito – além da escravidão ser proibida em território dinamarquês, seus serviços foram reconhecidos pelos superiores. Não foi tão simples: o juiz responsável por seu caso não concedeu a alforria, e ele foi obrigado a fugir para a Islândia. Os registros históricos, a partir daqui, são incertos, mas tudo indica que ele foi bem recebido na ilha, e logo conseguiu emprego como assistente de um cartógrafo.

Ele se casou com uma nativa, chamada Katrín Antoníusdóttir, e hoje, mais de cinco gerações depois, o casal acumula 788 descendentes. Os pesquisadores da deCODE encontraram o DNA de 182 deles no banco de dados da empresa, e, isolando os genes de origem africana presentes na amostra, conseguiram deduzir 38% do código genético da mãe de Jonatan. O processo é descrito detalhadamente em um artigo científico, publicado na Nature.

Esse é um detalhe essencial: metade dos genes de Jonatan, herdados de seu pai, eram europeus, e são mais difíceis de isolar da população. Sua mãe – que, ao que tudo indica, nasceu no atual território de Benin – é a única pessoa de origem exclusivamente africana envolvida no caso. Os genes que indicam ancestralidade negra, portanto, só podem ser atribuídos com segurança a ela. Como todo bebê herda metade de seus genes de cada membro do casal, encontrar 38% do genoma da mãe é o mesmo que encontrar 19% do genoma de Jonatan.

Em teoria, afirmam especialistas, seria possível usar o método para reconstruir o DNA de qualquer pessoa, célebre ou não. Basta que ela tenha herdado a seus descendentes genes que se destaquem em um determinado grupo – uma tarefa não tão fácil.

Este texto foi publicado originalmente no site da Superinteressante.

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