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Nara Leão: a artista que cantou de tudo e namorou quem quis

Da bossa nova aos sambas do morro, da tropicália à jovem guarda, a trajetória da cantora é tema de excepcional documentário da Globoplay

Compositora e musicista Nara Leão ganha série documental no Globoplay. (Reprodução/Reprodução)

Compositora e musicista Nara Leão ganha série documental no Globoplay. (Reprodução/Reprodução)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 11 de janeiro de 2022 às 12h50.

Última atualização em 15 de janeiro de 2022 às 19h24.

Nara Leão ajudou a criar a bossa nova e o que chamamos de MPB, cantou o samba dos morros do Rio de Janeiro, participou da tropicália e da jovem guarda. Consagrada ainda muito jovem, ajudou a lançar Chico Buarque e Maria Bethânia — isso é dito por eles. Foi uma das únicas artistas, junto com Caetano Veloso, a se opor à discussão sem sentido da presença da guitarra elétrica na música brasileira.

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Sem se prender a estilos, grupos e paradigmas, trafegou por todos os movimentos, sem preconceito, aberta a novidades. Namorou músicos com quem cantou, e pessoas do teatro, e do cinema, e quem mais ela quis. Recebeu o apelido, e o odiava, de musa da bossa nova. A música brasileira, das décadas de 1950 a 1980, seria mais pobre sem Nara.

Esse é um resumo incompleto da excepcional série O Canto Livre de Nara Leão, que acaba de estrear na Globoplay. Os cinco episódios trazem imagens riquíssimas, da intimidade da cantora a apresentações, entrevistas e depoimentos com os artistas e críticos que orbitaram sua carreira.

Chico, Caetano, Bethânia, Nelson Motta, Marieta Severo, Paulinho da Viola. Todos ajudam a contar a trajetória de Nara, que começou em seu apartamento em Copacabana. Lá, na segunda metade dos anos 1950, quando era uma adolescente, ela recebia músicos como Carlos Lyra, o ex-namorado Ronaldo Bôscoli, o amigo da vida Roberto Menescal, até Tom Jobim e João Gilberto.

A bossa nova foi um movimento elitista, regado a doses de uísque nos apartamentos da zona sul carioca. Mas sambistas como Cartola e Zé Kéti também se tornaram habitués dos encontros no apartamento de Copacabana. Filha de um advogado e irmã da modelo Danuza Leão, Nara diz que descobriu então que havia pobreza no Brasil.

Havia também samba, e pouco depois uma ditadura militar. Com voz doce e palavras econômicas, Nara Leão posicionou-se em entrevistas contra o regime, para pouco depois trocar as canções de protestos por músicas de amor, descontentando a militância mais aguerrida. Deu-se ao direito se não se manifestar mais sobre política sem abrir mão de suas convicções.

Nara não fez parte do núcleo duro da tropicália, outro divisor de acordes da música brasileira, mas defendeu o movimento das críticas e participou de apresentações com Gil, Mutantes, Tom Zé, Rogério Duprat, Gal Costa, Tom Zé. É dela o retrato que Caetano segura na icônica foto de capa do disco desenhada pelo artista Rubens Gerchman.

A cantora de temperamento forte e gestos suaves trafegou da ruptura do tropicalismo para a americanizada música, na visão dos críticos, da jovem guarda. Foi mais uma mudança de turma. Edu Lobo diz ter ficado revoltado quando Nara se juntou a Roberto e Erasmo Carlos (e namorou Jerry Adriani), para ficar em um exemplo do documentário. Mas não há mágoas. Todos parecem entender a alma livre da cantora.

Capa do álbum Tropicalia ou Panis et Circencis (1968), com Caetano Veloso segurando retrato de Nara Leão (Reprodução)

O cineasta Cacá Diegues conta em determinado momento que foi Nara quem quis se casar, em uma cerimônia convencional. E foi ela quem quis ter filhos, Isabel e Francisco. As crianças nasceram em Paris, onde o casal morou nos anos 1970. Por lá, outra reviravolta: Nara abandonou a música para se dedicar às tarefas do lar.

A filha Isabel Diegues foi consultora do filme. A série dirigida por Renato Terra é uma produção do selo Conversa.doc, formado por profissionais que trabalham no programa da TV Globo de Pedro Bial, com quem Isabel foi casada. É dela e de seu filho, José Pedro Bial, o emocionante depoimento final sobre a ausência de Nara, que morreu aos 47 anos de um tumor no cérebro.

Mais do que a ressignificação de uma cantora nem sempre valorizada mas fundamental para a rica história da música popular brasileira, o documentário da Globoplay exalta as liberdades de pensamento e de ação, a emancipação feminina, a tolerância e o respeito por cima de convicções vazias e de verdades impostas.

Achei Get Back o melhor documentário lançado em 2021, quase novas horas de voyeurismo musical, o privilégio de ver a cumplicidade de John e Paul compondo no momento músicas que culminaram na histórica apresentação no terraço do prédio da gravadora Apple e em dois dos melhores discos dos Beatles, Let it Be e Abbey Road.

Continuo achando. Mas para mim O Canto Livre de Nara, com 206 minutos divididos nos cinco episódios, dificilmente vai perder esse posto em 2022.

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