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Harriet Andersson: 'Bergman podia ser bastante perverso'

Primeira musa-amante do diretor, a atriz Harriet Andersson fala a BRAVO! sobre o sueco, que é tema de uma grande retrospectiva no Rio de Janeiro

As exibições do ciclo Bergman não contarão com a presença de Harriet (Getty Images)

As exibições do ciclo Bergman não contarão com a presença de Harriet (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 22 de maio de 2012 às 15h46.

Rio de Janeiro - É tempo de Ingmar Bergman no Brasil. Dos 64 filmes do genial diretor sueco, morto há cinco anos, 46 poderão ser vistos a partir deste mês no CCBB do Rio de Janeiro, na maior retrospectiva consagrada a sua obra por aqui. As cópias, vindas da Suécia, rumam em seguida para São Paulo e Brasília. Pioneira, a descoberta do diretor pela crítica brasileira se deu em 1954, durante o festival de cinema organizado para o IV Centenário de São Paulo. Na ocasião, levantaram-se para aplaudir Noites de Circo (1953), entre outros, os cariocas Ely Azeredo e Hugo Barcelos, o mineiro Paulo Arbex e três paulistanos que se tornaram cineastas sob forte influência do sueco: Walter Hugo Khouri, Rodolfo Nanni e Rubem Biáfora. A França só o descobriria dois anos mais tarde, quando o Festival de Cannes exibiu Sorrisos de uma Noite de Amor. Em 1957, foi a vez de Nova York receber finalmente o impacto da obra bergmaniana.

Registre-se, no entanto, um divertido antecedente: em 1953, um Woody Allen adolescente escutou, no Brooklyn, a falação da vizinhança sobre certa nudez e correu ao cinema para ver as formas de uma jovem atriz, Harriet Andersson, em Mônica e o Desejo (1952).
Ela viraria a primeira musa-amante de Bergman, condição depois assumida por Bibi Andersson e Liv Ullmann. Woody Allen satisfez sua curiosidade e ficou para sempre marcado por aquele cinema. Ponto de virada na carreira de Bergman, Mônica – cujas filmagens são lembradas na entrevista a seguir por sua estrela, hoje com 80 anos – é também um dos “filmes da vida” do diretor franco-suíço Jean-Luc Godard, que em 1958 escreveu na revista Arts: “Realizado pelo mais original dos cineastas, o filme está para o cinema de hoje como O Nascimento de uma Nação esteve para o cinema clássico”.

As exibições do ciclo Bergman não contarão com a presença de Harriet, que a despeito da boa saúde não mais considera atravessar um oceano. Em contrapartida, haverá uma palestra de Stig Björkman, que dirigiu filmes estrelados por ela e colaborou com o cineasta em documentários e livros. Acompanha a mostra um extenso catálogo, ao qual deverá juntar-se em breve uma nova tradução, direta do sueco, da autobiografia de Bergman, Lanterna Mágica, a ser lançada pela editora Cosac Naify.

Estrela de 12 filmes do diretor – três a mais que Liv e um a menos que Bibi –, Harriet Andersson protagonizou os longas em diferentes fases da vida, da adolescente Mônica à madura Viveka, de Os Abençoados (1986), um dos quatro títulos inéditos que o CCBB traz ao país. Viveka é a segunda mística religiosa à beira da loucura que a atriz criou para o sueco, após Karin, de Através de um Espelho (1961), seu papel mais importante, sobre o qual ela também falo a BRAVO! por telefone.


Como era seu trabalho antes de conhecer Ingmar Bergman?

Harriet andersson: Eu já havia trabalhado em 14 filmes e no teatro musical de Malmö (cidade sueca). Mas sem Bergman jamais teria os fantásticos papéis que fiz no cinema depois de Mônica. Além disso, ele me “colocou na terra” ao levar-me para o teatro dramático, pois também nessa área eu vivia nas nuvens. Mais tarde, em minha longa carreira, cheguei a interpretar Anne Frank e a Ofélia de Hamlet. Bergman fez de mim uma boa atriz.

Como se iniciou seu relacionamento pessoal com o diretor?

Muita gente o temia, pois ele podia ser bastante perverso durante o trabalho. Àquela altura, eu era uma garota de 20 anos muito ingênua. Ele sempre foi gentil comigo e, após as filmagens de Mônica, permanecemos ainda um tempo no arquipélago sueco. Vivemos juntos por três anos.

Mas Bergman estava casado com a terceira de suas cinco esposas. Você não tinha ciúme? Não pensava em se casar, ter filhos?

Não sou esse tipo de mulher. Como boa aquariana, prezo a liberdade acima de tudo e acho que não é necessário casar para estar bem com alguém. Ademais, não creio em Deus, igreja ou coisas do tipo, e um filho não fazia parte de meus planos naquela época. Sobre o fato de Bergman ser casado, jamais sabíamos quando ele estava terminando um relacionamento ou começando outro. Também nisso ele era uma pessoa complexa.

Fale sobre sua participação em Através de um Espelho.

Naquele tempo, eu morava com um fazendeiro no sul da Suécia, tinha uma criança pequena e estava deprimida. Bergman me mandou o roteiro do filme e respondi que o achava fantástico, assim como o papel destinado a mim, mas que seria difícil aceitar a tarefa. Ele me disse apenas: “Cale-se e vamos começar!” Apesar da densidade da personagem, nunca em minha vida fui tão feliz como ao entrar no estúdio em Estocolmo e mais ainda quando nos deslocamos para Farö (a ilha-santuário do diretor, onde ele morreu). Foi o primeiro filme que Bergman rodava ali. Sem ninguém no horizonte, podíamos gritar, correr, fazer o que quiséssemos.


Interpretar a moribunda Agnes, de Gritos e Sussurros, não lhe pareceu complicado?

Sim, mas nos intervalos entre as filmagens Ingmar sabia como nos fazer rir. Assim conseguimos não exagerar na dose. Não creio que seja necessária uma pessoa soturna para fazer um personagem soturno. Também fui feliz quando criei Justina, aquela pobre mulher (a empregada repressora de Fanny e Alexander).

Você trabalhou com outros diretores, somando 94 filmes, e foi premiada no Festival de Veneza por seu papel em Att Älksa (1964), do finlandês Jörn Donner. Acha que tem algum dom especial para atuar?

Eu talvez tenha esse dom. Não sei explicar, mas quando ligam a câmera eu me transformo imediatamente e começo a trabalhar. Bergman sempre pensava em papéis diversificados para mim. Creio que esse é outro segredo, caso contrário eu teria me aborrecido. Por isso, não aceito mais fazer teatro. Acho a repetição entediante, além do que não consigo mais trabalhar à noite. De fato, colaborei com muitos cineastas e fui a atriz principal dos filmes de Donner, com quem também vivi um tempo. Fui dirigida nos Estados Unidos por Lumet (Sidney) e na África por Sven Nykvist (principal diretor de fotografia de Bergman, Nykvist realizou Lianbron, com Andersson, em 1965).

Em 2003, a senhora participou de Dogville, sob as ordens de Lars Von Trier, que tem fama de ser mesquinho com seus atores.

Meu papel era pequeno, mas ele foi doce comigo. Apesar de um pouquinho louco às vezes, é um ótimo diretor.


Tem lembranças de suas passagens pela América do Sul?

Sim, quando estive num festival de cinema no final dos anos 50 (em Mar del Plata, na Argentina), fiquei muito surpresa por tanta gente me reconhecer, o que não acontecia na Suécia. Isso se repetiu quando estive no Brasil para rodar cenas de uma comédia dinamarquesa (As Pessoas Se Encontram e a Doce Música Enche o Coração, de Henning Carlsen, 1967).

Você se lembra de gente do cinema daqui?

Não, mas conheci uma pessoa no Rio de Janeiro que nem sei se ainda é viva ou não. Caso leia isto, Paulo, receba meus cumprimentos.

Paulo de quê?

(Rindo) Não quero dizer o sobrenome.

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