(Flickr/Reprodução)
A noite de 27 de agosto de 2011 foi histórica para os esportes de combate no Brasil – e quiçá no mundo.
Depois de um hiato de 13 anos, o Ultimate Fighting Championship finalmente voltava ao país. Mais especificamente, ao Rio de Janeiro, cidade com uma ligação muito forte com o MMA.
Lá, no começo do século passado, membros da lendária família Gracie colocavam anúncios em jornais procurando adversários para duelos de vale-tudo, o precursor das artes marciais mistas – a ideia era provar que a modalidade que lutavam, o jiu-jítsu, era superior.
Não por acaso, o UFC, maior promotor do MMA no mundo, escolheu a Cidade Maravilhosa para fincar de vez os pés no país.
Para isso, organizou um card matador, com nomes como Anderson Silva e Rodrigo Minotauro.
Quem esteve no evento, como eu, não esquece o som ensurdecedor da torcida, a empolgação dos organizadores, a emoção dos atletas.
Sete anos passados, o UFC marcou no Rio mais uma edição, em 12 de maio, na qual a campeã Amanda Nunes defende seu título.
Apesar do barulho, a impressão de alguns é que o esporte perdeu poder de nocaute.
Pedimos, então, a três especialistas um balanço da atuação do Ultimate no país. Aqui, os seis principais erros e os quatro acertos – e o que o UFC pensa a respeito.
O argumento
Com a ideia de que gostamos de rachão estilo “nós contra o resto do mundo”, o UFC colocou atletas brasileiros em quase todas as lutas no país – e não trouxe combates históricos, como Ronda Rousey x Holly Holm (que foi na Austrália), o que fortaleceria a marca.
“Brasileiro gosta de vencedor, não do esporte em si”, acredita Alexandre Matos, criador do site MMA Brasil.
“Com Anderson Silva, José Aldo, Junior Cigano e Renan Barão campeões simultaneamente, a audiência bombava. Conforme os cinturões foram embora, o interesse caiu, porque não foi feito um trabalho para os fãs gostarem de MMA, só para promover os atletas.”
A defesa
Lawrence Epstein, CCO do UFC, conta que pesquisas feitas nas cidades-sede ajudam a decidir o card. “E queremos que o atleta seja tão grande quanto pode ser. A fórmula cria estrelas – e isso faz o UFC crescer”, diz.
O argumento
O reality show The Ultimate Fighter estreou no Brasil em 2012, dividindo lutadores de em dois times, que competiam entre si até sair um campeão – ele levava um contrato com o UFC. “A primeira edição criou ligação do público com os atletas”, afirma o jornalista Tarso Doria, do Esporte Interativo.
“Mas ele acabou saturado por uma envelopagem chata. É surreal que tenha sido descontinuado.” O horário das transmissões – na madrugada de segunda-feira – não ajudava.
A defesa
Para Lawrence, o TUF foi um sucesso, mas a missão do UFC é sempre inovar em seus produtos – e vem aí o Contender Series (leia mais na pág. ao lado).
O argumento
Os exames dos atletas do UFC são controlados pela Usada (Agência Antidoping dos EUA).
"Isso ajudou a limpar o esporte. Mas a tabela de substâncias proibidas para o MMA, modalidade extremamente lesiv, é a mesma aplicada para esportes amadores e olímpicos – e isso tem que ser revisto. Um lutador precisa de medicamentos para sua recuperação que não são necessariamente os mesmos de um nadador”, diz Marcelo Alonso, apresentador do Combate.
A defesa
O UFC e a Usada dizem que aplicam a tabela da Wada (Agência Mundial Antidoping), cujos cientistas atualizam todo ano as listas de substâncias proibidas – baseados em quanto elas afetam performance atlética, saúde e segurança.
O argumento
Entrar no UFC era difícil. Para Tarso, em determinado momento, a franquia “abriu as portas para brasileiros que não necessariamente deveriam ter entrado.
Assim, das 103 lutas feitas em seis edições no Brasil em 2013, os atletas de apenas 28% delas ainda têm contrato no UFC. É um reaproveitamento baixo.
Com lutadores de qualidade inferior, o brasileiro não esperava mais tanto de um card nacional e os ginásios esvaziaram.” Hoje, há apenas três eventos aqui.
A defesa
Lawrence diz que 17% dos atletas do UFC são brasileiros e que o país é o único com três edições do UFC, fora os EUA.
O argumento
O escritório do UFC no Brasil (fora dos EUA, há outros em Londres, Toronto e Singapura) já teve um CEO. “Giovani Decker [o último] ajudou o Brasil a sair dessa ‘crise’ gerada por cards de qualidade duvidosa. Passou a ser o porta-voz dos atletas brasileiros com o escritório de Las Vegas, mas saiu alegando falta de autonomia. Desde então, o escritório aqui é tocado pelo exterior”, diz Tarso.
A defesa
O CCO diz que não há planos para ter outro CEO por aqui, mas a manutenção do escritório regional sempre será essencial. “O Brasil é muito importante. Em número de fãs, acho que é o primeiro. Em receita e em lutadores, o segundo”, afirma.
O argumento
Anunciado em 2014, o contrato com a Reebok não permite que outras marcas sejam exibidas no octógono ou no uniforme dos atletas no combate.
“Eventos nacionais como IVC, Jungle Fight e Meca sempre foram plataformas para novos lutadores. Com a entrada da Reebok, as marcas que sustentavam o MMA aqui perderam espaço no cantinho do short do atleta. Sem patrocínios, os promotores pararam de fazer eventos”, diz Marcelo Alonso.
A defesa
O UFC apoia eventos menores, como Invicta, e permite a transmissão no Combate, que pode negociar com eventos brasileiros.
Já a exposição das marcas não é negociável. “Na NFL ou NBA, a apresentação é clean. Assim, queremos fortalecer a marca UFC. O atleta é quem ganha”, afirma Lawrence.
Em 1998, ainda sob outra direção, o UFC fez uma edição no Brasil. Sob a batuta de Dana White, atual CEO, retornou em 2011. “É unânime que a simples percepção da necessidade disso foi um gol de placa do UFC”, afirma Tarso Doria.
“Eles não só voltaram, mas voltaram casando grandes eventos. No próprio UFC Rio 1, lembrando por alto, praticamente metade dos lutadores que atuaram são ou já foram ranqueados, quando não já disputaram ou foram campeões pela organização".
"Voltar assim, sendo televisionado por diversos canais, foi excelente, diria até vital para o crescimento do MMA no Brasil.”
Para Alexandre Matos, a organização também acertou ao tentar levar o evento à maior quantidade possível de cidades.
“Agora que há três edições por ano, é sempre uma no Rio, uma em São Paulo e outra que vai para Belém, Curitiba, Brasília, Fortaleza, etc. Isso dá a chance de expandir nacionalmente a base de fãs.”
Não estranhe – o reality show foi apontado como um golpe certeiro do UFC. Seu formato engessado e seu fim é que não.
“Ele possibilitou o surgimento de novos ícones que nunca teriam essa oportunidade, como o Thiago Marreta [no TUF 2], saído de uma comunidade carente. Espero que com o Contender Series isso continue, considerando que não temos muitas plataformas de lançamentos de atletas e precisamos desse apoio”, diz Marcelo Alonso.
Localizado em São Paulo, o escritório do UFC conta com 11 funcionários. “Isso contribuiu para fortalecer o evento aqui”, diz Marcelo Alonso, do Combate.
“O trabalho do Rodrigo Minotauro [ex-atleta e atual embaixador da organização] e do Denis Martins [olheiro da organização] no sentido de peneirar e encontrar novos talentos tem sido essencial.”
No sentido de profissionalizar e regulamentar o esporte no país, o UFC apoiou a criação da CABMMA (Comissão Atlética Brasileira de MMA), um órgão independente. “Graças a esse suporte, o MMA brasileiro deu um salto incrível de qualidade e de preocupação com o atleta”, afirma Marcelo Alonso.
“Inicialmente houve resistência, os eventos não queriam aceitar, diziam que era ‘coisa de gringo".
"Mas o Combate apoiou a iniciativa, afirmando que só transmitiria lutas que tivessem a chancela da CAB. Muita gente pulou, gritou, mas teve resultado: o nível dos eventos e do cuidado com o lutador aumentou bastante".
Por fim, conclui: "Claro que isso aconteceu por causa da pressão do UFC. Hoje temos um time de juízes que poderia estar arbitrando lá fora – caso do Osiris Maia. Já está na hora de o UFC usá-lo no exterior.”