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Tânia Cosentino, da Microsoft: falta de profissionais vai atrasar o Brasil

Em entrevista, a CEO da Microsoft no Brasil fala sobre sua preocupação mais urgente: requalificar os brasileiros para o futuro do trabalho

(Leandro Fonseca/Exame)

Luísa Granato

Publicado em 27 de maio de 2021 às 07h00.

Última atualização em 27 de maio de 2021 às 09h49.

Tânia Cosentino, da Microsoft: empresas de todos os setores atualmente também são empresas de tecnologia e todas elas estão disputando os mesmos profissionais. (Leandro Fonseca/Exame)

No Brasil, a entrada de robôs nos negócios pode ser essencial para a recuperação econômica após a pandemia. Na próxima década, o uso de inteligência artificial nas empresas tem o potencial de adicionar até 4,2 pontos percentuais ao PIB, segundo estudo da consultoria americana FrontierView encomendado pela Microsoft.

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No entanto, o potencial só será atingido completamente se não houver uma batalha entre robôs e empregos.

“Vimos que a adoção da Inteligência Artificial traz como consequência o aumento do PIB, pois gera produtividade e reduz custos. Por outro lado, ela gera posições de trabalho de maior valor agregado e elimina posições de baixo valor agregado. Aqui já tem um risco social emergente”, explica Tânia Cosentino, presidente da Microsoft no Brasil.

O cenário mais otimista, com empresas e governo usando a tecnologia para expandir operações, depende de uma grande condição: que o mercado de trabalho brasileiros consiga preencher a demanda por novos empregos habilitados pela Inteligência Artificial.

A projeção de oferta de profissionais com as habilidades necessárias não é animadora. Até 2024, a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação vê uma falta de 260 mil profissionais no mercado.

A presidente da Microsoft no Brasil alerta que os dados de escassez já estão desatualizados e devem ficar ainda maiores com a aceleração da transformação digital espalhada por negócios diversos da economia.

Olhando do ponto de vista de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, Tânia defende o argumento de que empresas de todos os setores atualmente também são empresas de tecnologia – não é à toa a proliferação de alcunhas tech para designar empresas de setores diversos como HRtech (recursos humanos), proptech (mercado imobiliário) ou mesmo mediatech (comunicação). Todas elas estão disputando os mesmos profissionais.

“Nós estamos sofrendo. Hoje tenho clientes buscando pessoas preparadas dentro da Microsoft. Antes, a dança das cadeiras ocorria somente dentro do mundo de tecnologia. Há necessidade urgente de treinar novas pessoas. Primeiro, não ter essas pessoas hoje significa um atraso do avanço do meu negócio e o atraso da recuperação econômica do Brasil. E o segundo problema é aumentar um gap social que já é gigantesco no Brasil”, conta ela.

Para além de constatar a falta de profissionais de tecnologia, a Microsoft quis ir além. Feito em conjunto com a consultoria global em análise de dados FrontierView, um estudo projetou o volume de hoas de trabalho passíveis de serem automatizadas com a adoção crescente de tecnologias como inteligência artificial no Brasil. No fundo, o intuito do estudo foi entender o impacto da tecnologia no volume de empregos à disposição dos brasileiros.

A pesquisa traz dados alarmantes. Usando o número de horas que os brasileiros trabalharão em 2030, o modelo da pesquisa calculou que 46% delas poderão ser automatizadas. O maior impacto sempre será em posições que envolvem mais tarefas repetitivas, que uma máquina poderia fazer, e com menos pensamento crítico.

Há também projeções positivas. A criação de empregos em setores com uso maciço de tecnologia até 2030 pode compensar quase totalmente a perda de empregos. Com aumento de horas trabalhadas em serviços ligados à tecnologia, a redução de horas seria de apenas 7%. Tudo isso, claro, se o Brasil conseguir formar jovens profissionais capazes de entender as diversas linguagens de programação.

Quadro: os grandes números da inteligência artificial do Brasil (Arte/Carmen Fukunari/Exame)

Passos para o futuro

A executiva levanta a mesma bandeira que os pesquisadores do Fórum Econômico Mundial sobre o futuro do trabalho e a economia digital: o problema é grande demais e a janela para requalificar a população é muito curta para apenas um agente trazer a solução.

Segundo o Fórum de Davos, 55% das empresas consideram que o maior obstáculo da próxima década será a falta de talentos do mercado. E, nos próximos cinco anos, 50% da força de trabalho mundial vai precisar passar por algum treinamento para manter seus empregos.

“A gente precisa acelerar a requalificação dos jovens. Temos o obstáculo da pandemia, mas isso ainda vai passar. E não podemos perder esse tempo para capturar o crescimento nos empregos de tecnologia. E com o desemprego aumentando, o senso de urgência só aumenta”

O trabalho no Brasil já começou em diversas frentes. Pela necessidade de contratar desenvolvedores, diversas empresas têm aberto cursos rápidos, de 2 a 6 meses, e gratuitos para tentar aplacar a demanda.

Em São Paulo, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico trabalha junto a instituições de ensino público como o Centro Paula Souza, que começou a oferecer novos cursos de graduação técnica para formar desenvolvedores.

A cada seis meses, os alunos recebem um certificado de uma frente de tecnologia. O que aumenta a sua empregabilidade. Além disso, a flexibilidade de horários e opção de aulas online ajudam a inserir os jovens mais rápido no mercado.

Enquanto isso, o governo federal fez uma parceria com a Microsoft para acabar com um problema inicial que impede a entrada dos brasileiros na nova economia: o letramento digital.

“Temos deficiência na formação básica nas áreas de Exatas e também falta informação sobre as novas profissões. Na escola do trabalhador 4.0, temos um bloco sobre letramento digital para osbrasileiros que não estão acostumados com a área de tecnologia”, comenta o Secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos Da Costa.

Os cursos estão disponíveis para qualquer pessoa na plataforma online apoiada pela Microsoft. São cinco trilhas e três já estão disponíveis: letramento digital, produtividade e introdução à programação. Um teste de carreira ajuda a navegar os cursos e escolher o que melhor funciona para sua trajetória.

Ainda neste semestre, serão lançadas trilhas mais avançadas de TI e profissionalizantes, que ajudarão a entrar em carreiras desde programador a especialista em Inteligência Artificial.

“Queremos chegar a mais de 5 milhões de brasileiros até 2023. A maior parte dos matriculados sendo pessoas sem emprego no momento e que busquem qualificação”, fala o secretário.

Outra frente que a Microsoft entrou foi a inclusão da sua inteligência artificial no Sistema Nacional de Emprego (Sine), agora chamado Trabalha Brasil. O objetivo é cruzar a base de dados dos currículos de quem procura emprego com os requisitos das vagas abertas nas empresas.

"Anualmente, 20 milhões de brasileiros buscando emprego ali. Vou ter um volume de dados que vai dizer no que eu preciso formar as pessoas, quais são os "gaps" e até orientar as pessoas se o currículo não oferece oportunidades de trabalho para ela", explica a presidente da Microsoft.

Veja, a seguir, trechos da entrevista com a executiva da Microsoft Brasil. E, se preferir, ouça a entrevista completa no podcast Como Cheguei Aqui:

Como a transformação digital na pandemia afeta o mercado de trabalho?

De repente, a gente viu uma fortíssima demanda por um grupo de profissionais que já estava em falta. O mundo de TI forma menos profissionais do que o mercado necessita. Existe um distanciamento da academia e da indústria. Então quando forma os profissionais, os currículos ainda não acompanham os avanços da tecnologia. E você aí cria uma lacuna de profissionais no mercado. Na indústria, e aqui eu falo a indústria de forma ampla, pois qualquer negócio vai usar uma plataforma digital, a gente percebe que esse problema só tende a aumentar e não diminuir.

A gente começou a avaliar estudos, em especial um estudo nosso de 2019, e vimos que a adoção da Inteligência Artificial traz como consequência o aumento do PIB, pois gera produtividade e reduz custos. Por outro lado, ela gera posições de trabalho de maior valor agregado e elimina posições de baixo valor agregado. Aqui já tem um risco social emergente.

Entrou a pandemia e quisemos entender como o mercado se comportou, a adoção foi mais rápida, mas a gente queria saber se ia refletir no impacto do PIB e se confirma. Mas a gente tem um gap de talentos, e para a adoção intensiva da tecnologia a gente precisa de recurso humano. E aí você cai de novo nesse buraco de: formo menos gente que o mercado precisa e a IA vai eliminar milhões de postos de baixa qualificação; mas vai gerar outros milhões de alta qualificação, e se não conseguir fazer o skilling, como migro essa massa com trilhas de conhecimento para que eles assumam posições de maior valor agregado?

Essa é a razão por que a gente precisa do skilling nesse momento. E a gente vê que a quarta revolução industrial acontece numa janela de tempo menor do que ocorreu a terceira revolução industrial, e que ocorreu também numa janela menor que a segunda. Então a gente tem um tempo muito curto para adaptar a sociedade.

O mercado de vagas em tecnologia já está muito aquecido e vagas de outros setores nem tanto. Ainda temos tempos para capacitar?

São movimentos opostos. O que a gente precisa, e o grande senso de urgência que eu tenho, é que o desafio é enorme e ele não pode ser endereçado apenas pelo governo ou pelas empresas de tecnologia. Nós estamos sofrendo. Hoje tenho clientes buscando pessoas preparadas dentro da Microsoft. Antes, a dança das cadeiras ocorria somente dentro do mundo de tecnologia. A necessidade urgente de treinar. Primeiro, não ter essas pessoas hoje significa um atraso do avanço do meu negócio e o atraso da recuperação econômica do Brasil. Esse é o primeiro problema. E o segundo é aumentar um gap social que já é gigantesco no Brasil. E está sendo exacerbado pela crise, pela pandemia, então o momento de agir é agora.

E como agir: a gente trabalha com coalizões, parceiros e clientes, com o governo federal. A gente lançou várias iniciativas. Temos a iniciativa de educação, desde o ensino fundamental, mudar currículos, habilidades que tenho que incorporar. E agora, com ensino a distância: que ferramentas é preciso incorporar no ensino público para os professores darem uma boa experiência para os alunos. Então treinar professores e disponibilizar ferramentas para preparar os jovens para o futuro que a gente nem sabe o que vai ser. Tem um estudo que diz que a criança que entra no ensino fundamental hoje que 65% das profissões quando ela sair são desconhecidas. Como preparo esse jovem? Que habilidades ele precisa ter?

O outro lado é fazer a requalificação profissional de quem está no mercado. Aqui, a gente trabalha com as coalizões pra gente tentar pegar o maior número de pessoas. Com o Ministério, a gente quer oferecer um leque de treinamentos. Não é todo mundo que vai virar cientista de dados, mas fazendo um letramento digital já é possível a um micro negócio familiar incorporar uma ferramenta e se desenvolver na pandemia. Como empodero esse indivíduo da padaria, da farmácia ou do supermercado?

Então, ele (o programa da Microsoft com o Ministério da Economia) entra com o letramento digital e ajuda à medida que o negócio fica mais complexo. Temos falado com o Sebrae pra isso. Temos entrado com cursos mais complexos de inteligência artificial, que vai além do letramento, no Senai. A gente busca diferentes públicos para garantir uma grande cobertura dos programas.

E com o governo federal?

Com o Ministério da Economia, a gente olhou não só o treinamento, mas também a conexão com o trabalho. A gente está criando dentro da plataforma do Sistema Nacional de Emprego um sistema na nuvem para pegar a qualificação do indivíduo junto com o que o mercado está exigindo. Então a gente vai conseguir extrair dados. Anualmente, 20 milhões de brasileiros buscando emprego ali. Vou ter um volume de dados que vai dizer no que eu preciso formar as pessoas, quais são os "gaps" e até orientar as pessoas se o currículo não oferece oportunidades de trabalho para ela.

A grande pergunta é: como por onde que eu, alguém realmente analfabeto digital, começo? E a gente quer conectar o que as posições do momento pedem, o que você não tem e qual trilha você pode seguir para se capacitar. O plano de trabalho no Microsoft Mais Brasil é qualificação profissional, empreendedorismo e empregabilidade.

E como faz para conectar com o mercado de trabalho? O mercado sabe que precisa, mas como chegar nas pessoas que vão precisar de novas qualificações para disputar essas vagas?

Imagina você está buscando emprego, você responde a inúmeras posições de trabalho, mas não tem devolutiva da empresa. Eles recebem seu currículo e, se você não preenche as qualificações, não tem retorno. Nesse primeiro filtro, você fica cego. Você se pergunta onde está errando e acha que não vai encontrar emprego nunca mais.

Na hora que a gente consegue cruzar os dados, e essa é a beleza da inteligência artificial, você consegue gerar insights poderosos; e consegue fazer isso para políticas públicas. Como visualizar que é preciso abrir cursos técnicos, em escolas estaduais, com uma determinada características. Você começa a criar projetos mais sólidos disso. Trabalhar com o volume de dados [do Sine] é o que realmente vai fazer a transformação.

E a gente vê dentro da tecnologia frentes para aumentar a diversidade, e, por exemplo, vemos que desde cedo meninas são desencorajadas a entrar na área de Exatas. Se estamos falando de uma ação para pegar pessoas em empregos que vão desaparecer e entrar em carreiras novas, quais são os obstáculos? Como faz a conexão com o interesse das pessoas nas futuras profissões?

Acho que primeiro existe um mito em volta da tecnologia. A gente costuma dizer na Microsoft que toda empresa hoje é uma empresa de tecnologia, pois toda empresa roda em alguma plataforma de software, nem que seja só o WhatsApp. Você começa a criar sua campanha, você se conecta com clientes, você gera engajamento. É uma ilusão falar 'sou mulher e não me interesso por tecnologia’ - é um erro até.

Mas as meninas são desencorajadas desde pequenas e por pequenos sinais que a família vai dando. ‘Isso aqui é para menino, não é para menina’, ou então, ‘vai falar com o papai sobre a lição de matemática que a mamãe não gosta’. Essa é uma das coisas que a gente tem que mudar, e temos programas até, com o nome “Menina pode programar”, que traz menina para montar joguinho. Meninas também gostam de jogar. Vamos chamar para jogar? Temos que trazer elas para o nosso mundo. Primeiro, que não somos minoria, somos 52% da população no mundo.

Quando você olha para a evolução da mulher no mercado de trabalho. A mulher estuda mais que o homem, na graduação somos mais numerosas, na pós também. E nós entramos no mercado com a mesma vontade de crescer que os homens. Com o tempo, as mulheres vão caindo. Eu lembro de uma época que estava numa empresa de mídia e 60% dos cargos de entrada eram ocupados por mulheres, e não tinha uma mulher no quadro de diretores. Isso é uma aberração. E faz questionar: o que estamos fazendo que as mulheres entram com toda vontade do mundo e não cresçam? Aí você ouve a resposta fácil de que mulher não tem ambição. E quando me falam isso eu fico realmente enfurecida.

Não é que não tem ambição, foram colocadas barreiras que para algumas foram intransponíveis. Quando fala em tecnologia, ainda é um pouco pior, pois você ouve desde pequena que não é para você. Então algumas conseguem furar a barreira, como é o meu caso, eu sou engenheira elétrica e desde muito cedo eu entrei na área e me apaixonei. Mas muitas param pelo caminho e a gente precisa incentivar mais, precisa de mais modelos, de mais mulheres de sucesso na tecnologia, não só a CEO, mas arquitetas de dados, cientistas de dados... Trazer exemplos para mostrar as jovens que existem profissões que não são tão óbvias. Os jovens se projetam no que tem mais representatividade e mais popular. Se não vê na capa de revista, não vai sonhar em ser cientista de dados.

O que acontece no mundo de TI, entre os formandos do TI apenas 17% são mulheres. Quando vai para o TIC (setor de Tecnologia da Informação e Comunicação), são 38% de mulheres, mas aqui a análise é equivocada. O mundo de TIC tem os Contact Centers, que tem profissões com menos requisitos técnicos e menos remuneração, e é onde você acaba encontrando mais minorias, mais mulheres, mais negros e mais pessoas com deficiência. Agora tira o Contact Center, nas posições técnicas e de liderança, quantos negros, quantas mulheres e quantas pessoas com deficiência você vai encontrar? Essa mudança que temos que provocar.

 

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