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Ser ou não ser sincero? Eis a questão

Lauro é vítima de um chefe truculento logo no primeiro emprego. Quer tentar mudá-lo expondo o que pensa a seu respeito. Deve?

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.

Lauro trabalha na tesouraria de um grande banco de varejo, em São Paulo. Aos 23 anos, recém-formado em administração, Lauro está há pouco tempo trabalhando com seu atual chefe, João Batista, gerente do departamento. João Batista é o tipo de chefe que Lauro imaginava pertencer ao passado do mundo da administração. Quando assistia às aulas sobre o moderno estilo de liderança, os professores costumavam ridicularizar os chefes truculentos. Pois é exatamente assim que se comporta João Batista, um chefe sem o menor talento para gerenciar pessoas. João Batista repreende os subordinados em público, grita, dá murros nas mesas, nunca elogia, só critica.

Lauro, ao contrário, é adepto da teoria de que os chefes devem zelar pelo bom clima interno para que as pessoas sejam felizes no trabalho. A situação incomoda Lauro, ele também uma vítima do estilo de gestão do chefe. Certo dia, João Batista o convida para um almoço fora da empresa. João Batista mostra sinais de que busca uma aproximação e pergunta opiniões de Lauro a respeito do banco e do trabalho. Lauro tem vontade de ser franco e dizer claramente que o estilo de gestão do chefe está ultrapassado, mas tem medo das conseqüências.

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Deve ou não abrir a boca?

Existem duas orientações gerais para exercer a liderança. A primeira é chamada de orientação transacional, e aqueles que nela acreditam costumam enfatizar prioritariamente a busca pela eficiência durante a realização das tarefas. Além disso, procuram, a qualquer preço, garantir os objetivos traçados, definindo claramente o que precisa ser feito, como e por quem. Sustentam-se oferecendo recompensas ou aplicando punições, igualzinho ao que acontece em uma relação de troca. O outro ponto de orientação é a transformacional. Nesta ótica, a liderança é exercida com forte apoio e respeito pelos subordinados. A preocupação com a mudança e com o aperfeiçoamento do trabalho a ser executado é uma constante. Este tipo de líder sustenta-se pela habilidade que tem em perceber necessidades dos subordinados e procurar os meios de garantir a eles o contínuo crescimento profissional.

Muitas pessoas esquecem que não se pode dizer que uma orientação seja melhor ou mais ideal do que a outra. Esse ponto fundamental é que fornece a base para a resposta à questão formulada pelo narrador do caso acima. É perfeitamente possível para Lauro expor a seu gerente suas opiniões sobre o banco e o trabalho. Mas deve tomar o cuidado de não criticar o estilo adotado pelo chefe, qualificando-o, por exemplo, como alguém que está fora das atuais tendências, até porque não seria absolutamente verdade. Ao fazê-lo, deve, isto sim, procurar adotar uma atitude objetiva, explicando de modo claro, direto e fundamentado seus pontos de vista. Esta abordagem é mais compatível com a orientação transacional, que parece ser aquela dominante em João Batista, principalmente quando ele faz seus liderados lembrarem-se de um chefe tipo feitor.

O curioso do caso aqui ilustrado é que no fundo o papel transformacional está mais com Lauro do que com o próprio João Batista. A missão de Lauro não é simples. Entretanto, não é preciso temer gerentes como João Batista, embora atualmente emprego e empregabilidade não estejam fáceis de manter. Aliás, gerentes como João Batista, no fundo, não gostam que tenhamos medo deles e são perfeitamente capazes de aceitar outras opiniões ou outras maneiras lógicas de fazer as coisas, desde que a lógica subjacente à exposição de motivos esteja baseada em melhores resultados. Se Lauro deixar isso transparente em sua argumentação, certamente conseguirá sensibilizar João Batista, inclusive em relação às vantagens que poderiam ser obtidas pelo maior respeito e consideração às pessoas no ambiente de trabalho.

Roberto Coda é doutor em administração pela FEA/USP. Atua como coordenador do MBA executivo em recursos humanos do Ibmec e como professor da FEA/USP em RH

A franqueza é uma boa qualidade, desde que aplicada no lugar e hora certos. Para início de conversa, é preciso saber até que ponto João Batista, que mostra sinais de querer uma aproximação com Lauro, deseja ouvir comentários e sugestões a respeito do seu estilo de liderança. Pelo texto, ele parece interessado em saber a opinião de Lauro a respeito do banco e do trabalho. De qualquer modo, o relacionamento entre os dois é recente demais para que já haja o clima de confiança necessário para uma avaliação dessa natureza ser bem recebida. Ainda mais por uma pessoa que parece pouco sensível e atenta à sensibilidade dos outros.

Nesse sentido é bom lembrar que Lauro é jovem e pouco experiente, além de estar baseando sua avaliação em modelos teóricos, o que pode fazer com que suas opiniões deixem de ser dignas de consideração, por mais corretas que sejam. Lauro deve ficar atento e procurar perceber em que medida o comportamento de João Batista é uma exceção ou uma regra dentro do banco. Não é impossível que suas atitudes sejam parte de uma cultura e, portanto, até mesmo valorizadas dentro da organização. Afinal, se João Batista chegou aonde chegou, sua atuação deve ter agradado alguém.

Por outro lado, educação no trato com pessoas é algo que transcende a questão do estilo de liderança, visto que não conheço registro de teoria que pregue a truculência e o desrespeito pessoal como forma de bem gerir. O que Lauro deve fazer é esperar o momento adequado para manifestar seu desejo de ser tratado de forma diferente. Qual é o momento adequado? Quando lhe perguntarem especificamente a respeito disso ou quando a proximidade e a amizade com João Batista permitirem uma conversa mais direta. Dizer, agora, que o estilo do chefe é ultrapassado não provocará nenhuma transformação em João Batista, atrapalhará a própria carreira de Lauro, além de constituir uma grosseria tão grande quanto aquelas que ele diz não apreciar.

No limite, se seu incômodo for insuportável e o banco não dispuser de mecanismos pelos quais Lauro possa recorrer a outras esferas para manifestar sua opinião, ele deverá lembrar-se do refrão que diz: "Os incomodados que se mudem", pois afinal a vida é como ela é.

Mario Tedeschi é engenheiro formado pela Poli e pós-graduado em recursos humanos e comportamento organizacional pela FGV-SP. Atua como consultor em estratégia, gestão e sistemas

Lauro deve, sim, abrir a boca. É a oportunidade que tem para mostrar ao seu chefe a realidade do ambiente de trabalho - e franqueza é uma qualidade incondicional num profissional.

Por mais desconfortável que seja a situação para Lauro e por mais inesperada que seja a reação de João Batista, a clareza das intenções em muito ajudará na acomodação dos sentimentos. Da parte de João Batista, essa clareza parece estar presente, pois tomou a iniciativa para uma conversa num almoço a dois. Sua reação diante das informações que Lauro lhe prestará vai depender da habilidade com que elas forem colocadas. Ele deve iniciar enaltecendo a oportunidade de estar trabalhando naquela organização e com uma pessoa experiente que muito pode lhe ensinar (João Batista não teria chegado ao cargo atual se não tivesse competência técnica aos olhos da organização). Em seguida, de forma cortês porém firme, deve fazer referência ao clima no ambiente de trabalho e à relação que ele tem com a forma de João Batista agir e tratar as pessoas. Lauro precisa deixar claro que todos desejam um relacionamento melhor com João Batista, mas têm dificuldades de aproximação, receio de sugerir melhorias e dificuldades para trabalhar em equipe.

Em nenhum momento Lauro deve fazer alusão à modernidade de estilos, aos novos tempos etc. João Batista vem dando certo, apesar da forma de se relacionar com os subordinados - mais voltado para as tarefas do que para as relações. É preciso despertar nele a motivação para mudar de estilo, fazê-lo ver que teria algum ganho com essa mudança. O ganho, no caso, se traduziria numa maior eficiência do setor, pois um estilo mais participativo, democrático e afetivo resultaria numa segurança maior por parte das pessoas em dar sugestões e faria com que elas se dispusessem mais a aplicar suas energias no trabalho.

Ou seja, Lauro tem é que tentar sensibilizar João Batista a deixar de ser o chefe a quem obedecem e passar a ser um líder a quem respeitam. Afinal, todo profissional, principalmente em começo de carreira, procura um modelo a ser seguido. E todo profissional, ao se aposentar, gostaria de deixar um sucessor. Se Lauro conseguirá, ou não, mudar João Batista, vai depender das razões interiores que João Batista tem para mudar. Como diz o provérbio, "você consegue levar um cavalo à beira do rio, mas não consegue obrigá-lo a tomar água".

Valdir Monteiro é psicólogo e administrador e diretor de recursos humanos da MBR-Minerações Brasileiras Reunidas, de Belo Horizonte

Os personagens e o enredo desta seção são fictícios. Mas os especialistas chamados a dar sua opinião são genuinamente de carne e osso. Caso você tenha uma história a contar, entre em contato conosco pelo e-mail: avidacomoelae@email.abril.com.br

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